No vasto campo da
neurologia, existe um termo intrigante chamado anosognosia. Derivado do grego —
a (negação) + nosos (doença) + gnosis (conhecimento) —
descreve uma condição em que o indivíduo perde a capacidade de reconhecer sua
própria enfermidade. Em casos clínicos, como o de pacientes que sofreram um
AVC, é comum que, mesmo com a paralisia de um lado do corpo, a pessoa insista
em acreditar que está em perfeitas condições. Essa recusa da realidade não é
uma simples teimosia, mas sim um distúrbio genuíno e inconsciente.
E se aplicássemos
esse conceito ao universo maçônico?
A
Transposição para a Maçonaria: Entre Esculápio e Psique
Ao abandonarmos o
domínio físico de Esculápio — o deus grego da medicina — e adentrarmos o reino
simbólico e espiritual da deusa Psique, abrimos caminho para uma analogia
ousada e provocadora: a anosognosia maçônica.
Nessa perspectiva, o
“paciente” não sofre de uma paralisia física, mas sim de uma desconexão
espiritual e ritualística. Ele esqueceu — ou pior, nega — seus juramentos
iniciáticos. Continua frequentando a Loja, participa dos trabalhos, mas já não
reconhece ou respeita o que está prescrito nos rituais. Age conforme sua
própria vontade, ainda que com boa intenção, e torna-se irritadiço quando
confrontado com os erros que comete.
O Maçom
Anosognóstico: Quem é ele?
O maçom
anosognóstico é aquele que, mesmo instruído, ignora os marcos, gestos, palavras
e práticas rituais. Seu comportamento é monocrático, movido por “achismos” ou
por uma memória seletiva. Ele acredita que sua conduta está correta
simplesmente porque a aprendeu com um Irmão mais antigo ou porque "sempre
foi assim".
Um exemplo prático
ajuda a ilustrar:
"Durante uma sessão
do Rito Escocês Antigo e Aceito, um Irmão acende as velas do altar — prática
que pertence exclusivamente ao Rito Adonhiramita. Ao ser advertido de que o
gesto não corresponde à ritualística correta, o Irmão recusa-se a aceitar o equívoco.
Usa justificativas como "os antigos faziam assim" ou "fica mais
bonito desse jeito".
Essa negação da
realidade ritualística não é uma questão de estética ou tradição familiar. A
Maçonaria, como sistema iniciático, exige fidelidade à forma e ao conteúdo,
pois ambos carregam significados simbólicos profundos.
A Origem do
Mal: O “Achismo Maçônico”
A porta de entrada
da anosognosia maçônica é o que chamamos de “achismo”. Diante de uma dúvida, ao
invés de buscar a resposta nos textos oficiais, o Irmão diz: “Acho que é assim
mesmo”. Essa prática, ainda que involuntária, mina a exatidão ritual e a
integridade simbólica da Ordem.
A cura começa com o
silêncio humilde e a busca pelo conhecimento. Quando a dúvida surgir, deve-se
nomear um Irmão para estudar a questão com rigor e apresentar o resultado à
Loja. Não há demérito algum em admitir que não se sabe — o erro é fingir que se
sabe ou agir de modo leviano com o sagrado.
Prevenção e
Tratamento da Anosognosia Maçônica
A prevenção começa
com:
Grupos de estudo
ritualístico regulares;
Revisões constantes
dos marcos históricos e simbólicos da Ordem;
Sessões Magnas bem
conduzidas, onde cada passo e palavra sejam compreendidos e respeitados;
Leitura contínua dos
rituais, leis e normas, em linguagem clara e acessível.
Além disso, é
essencial cultivar uma cultura de humildade e pesquisa, onde o erro é tratado
como uma oportunidade de aprendizado — e não como ofensa pessoal.
E se houver
desacordo com o ritual?
Se um Irmão ou Loja perceber que determinada prática ritual precisa ser revista, o caminho legítimo é encaminhar a sugestão à Comissão Ritual do Poder competente. Até que qualquer alteração seja aprovada, todos os compromissos firmados — inclusive o de obedecer aos rituais e às autoridades — devem ser respeitados integralmente.
Conclusão: O
Juramento Não É Opcional
Na Maçonaria, os
juramentos não são adornos poéticos; são compromissos com a Verdade, com a
Ordem e com os Irmãos. A anosognosia maçônica, portanto, não é apenas uma falha
de memória: é uma doença da alma, uma erosão do caráter simbólico do iniciado.
Combater esse mal
exige disciplina, humildade, conhecimento e vigilância constante. Só assim
permaneceremos livres de contaminações internas, mantendo nossas Lojas fortes,
coerentes e fiéis ao espírito iniciático que nos uniu.
Lembremo-nos:
o esquecimento dos juramentos é o primeiro passo para a dissolução da
identidade maçônica. E a cura começa no reconhecimento do erro.
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