Em um dos episódios mais dramáticos da história
recente da Maçonaria cubana, dezenas de irmãos se reuniram neste domingo, no
coração de Havana, para expulsar Mayker Filema Duarte, ex-Grão-Mestre acusado
de se manter no cargo com apoio do regime cubano. O ato, marcado por tensão,
resistência e um forte simbolismo fraterno, revelou a profunda crise que
atravessa a Grande Loja de Cuba e lançou luz sobre a luta de seus membros pela
preservação da autonomia institucional frente à ingerência estatal.
A
Grande Loja Sitiada
O cenário da insurreição foi a sede histórica
da Grande Loja de Cuba, na esquina das ruas Belascoaín e Carlos III. Ali,
maçons de diversas partes do país se reuniram para exigir o cumprimento da
decisão tomada em 25 de maio: a destituição de Filema, acusado de cancelar
arbitrariamente as eleições internas e prolongar ilegitimamente seu mandato.
Com cânticos do Hino de Bayamo e palavras de
ordem como “Vida longa à Maçonaria Cubana!”, os irmãos enfrentaram barreiras
físicas e simbólicas erguidas por apoiadores de Filema, que tentaram impedir a
entrada dos legítimos representantes da ordem. A resistência, embora pacífica,
esbarrou em atitudes agressivas — como o lançamento de álcool contra
manifestantes e o rasgo da camisa de um dos presentes.
O
Grito de "Saiam!"
A cena mais emblemática foi registrada por Luis
Rafael Zamora, pedreiro e maçom, que filmou o exato momento em que Mayker
Filema foi forçado a deixar o prédio sob vaias e gritos de “Saiam daqui!”. Em
sua publicação, Zamora acusou Filema de agir como “o rosto da ditadura
disfarçado de Grão-Mestre”, chamando-o de traidor e símbolo da degradação moral
dentro da instituição.
Apesar do episódio, Filema recusou-se a
renunciar, afirmando que apenas suspenderia a sessão da Câmara Alta, a qual
havia convocado de forma irregular mesmo após sua deposição. Essa atitude
alimentou ainda mais a indignação dos irmãos, que mantiveram o bloqueio
simbólico do edifício por horas, impedindo Filema de exercer qualquer ato de
liderança.
A
Interferência Estatal
A crise maçônica em Cuba ultrapassa os limites
internos da fraternidade. A nomeação de Lázaro Cuesta Valdés como Comendador do
Conselho Supremo — em substituição a José Ramón Viñas, crítico ao regime — pelo
próprio Ministério da Justiça, evidencia a tentativa do Estado de controlar
diretamente as estruturas da ordem.
Além disso, a ameaça de congelamento das contas
bancárias e perda do status legal caso os maçons não aceitassem as imposições
governamentais escancarou a pressão exercida contra a independência
institucional. Essa postura gerou revolta entre os irmãos e provocou protestos
contínuos, mesmo sob forte vigilância policial e com prisões de líderes como
Juan Alberto Kessell Linares, eleito Grão-Mestre pela maioria das lojas.
A
Queda de um Líder e a Ascensão da Resistência
A expulsão física de Mayker Filema representou
mais do que um gesto simbólico: foi a afirmação de que a Maçonaria cubana se
recusa a ser instrumento de manipulação política. Os maçons reunidos em Havana
deixaram claro que continuarão a luta até recuperar não apenas a sede da Grande
Loja, mas principalmente sua legitimidade e valores fundacionais.
“Filema e todos que o apoiam foram os piores
que passaram pela Grande Loja em muito tempo”, declarou um dos participantes ao
portal CubaNet. A indignação reflete o sentimento coletivo de traição e a
disposição de não aceitar a submissão da fraternidade a interesses externos.
Um Futuro Incerto, Uma Vontade Determinada
Embora o protesto tenha obtido uma vitória
parcial, o controle do edifício e da estrutura formal da Grande Loja ainda
permanece nas mãos dos apoiadores de Filema e do regime. No entanto, os irmãos
prometem continuar sua resistência. Antes de deixarem o local, distribuíram
panfletos com uma mensagem direta e desafiadora: “Liberdade para a Grande Loja
de Cuba”.
A Maçonaria cubana, que em 2024 já enfrentava
um escândalo de corrupção envolvendo seu antigo Grão-Mestre Mario Urquía
Carreño, agora encara sua segunda grande crise institucional. Mas,
diferentemente do passado, ela conta com uma base fraterna disposta a defender
seus princípios, mesmo diante da repressão estatal.
O episódio marca, para muitos, um ponto de
inflexão: não apenas na história da Maçonaria de Cuba, mas também na narrativa
de resistência civil dentro do país. O eco dos gritos de “Saiam!” ressoa como
um alerta — e um chamado — à defesa da liberdade e da honra maçônica diante da
tirania.
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