Da Redação
A Inquisição portuguesa, desde sua criação em 1536, foi um instrumento da Coroa e da Igreja para a perseguição de supostos hereges, sendo particularmente severa contra os judeus convertidos (Cristãos Novos), protestantes e outras minorias religiosas. No entanto, no final do século XVIII, o panorama começou a mudar significativamente, especialmente sob a influência das reformas pombalinas.
A Reformulação da Inquisição sob o Marquês de Pombal
Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, foi um dos estadistas mais influentes da história de Portugal. Entre suas reformas mais marcantes, destaca-se a tentativa de controlar e reformar a Inquisição, tornando-a menos arbitrária e mais alinhada aos interesses do Estado. Em 1774, foi promulgado um novo Regimento do Santo Ofício, que trouxe mudanças significativas na atuação do tribunal inquisitorial.
Esse novo regimento eliminou a distinção entre Cristãos Velhos e Cristãos Novos, extinguindo, na prática, a obsessão pela pureza de sangue. Consequentemente, as perseguições por judaísmo praticamente desapareceram. Ao reformular a Inquisição, Pombal não a suprimiu, mas colocou-a a serviço da Coroa, subordinando seus interesses aos do Estado e retirando parte do seu poder eclesiástico independente.
Outra consequência das reformas pombalinas foi um certo "amansamento" da Inquisição. A partir de 1774, o tribunal passou a agir com mais prudência, e os próprios inquisidores tornaram-se receosos em ativar a “terrível máquina” para perseguir indivíduos sem justificativa evidente. Isso demonstra como a Inquisição portuguesa, outrora implacável, perdeu força diante do avanço das ideias iluministas e do reformismo pombalino.
A Maçonaria e o Edital de 1792
Apesar da reforma de 1774, a questão da Maçonaria ainda permanecia nebulosa dentro da atuação do Santo Ofício. Embora não fosse citada no novo Regimento, o tema voltou à tona em 1792, quando o Edital de 13 de fevereiro passou a considerar explicitamente a pertença aos “pedreiros livres” (maçons) como uma culpa digna de atenção pelo tribunal inquisitorial.
Essa mudança revela um retorno à repressão da Maçonaria, movimento que já vinha sendo alvo de perseguições em vários países católicos desde a bula papal In eminenti apostolatus specula, de Clemente XII, em 1738. Em Portugal, ainda que as reformas pombalinas tivessem reduzido a influência da Igreja na condução dos processos inquisitoriais, a Coroa reconhecia a Maçonaria como uma força potencialmente subversiva.
A inclusão dos maçons como culpados no Edital de 1792 demonstra que, mesmo após a suavização da Inquisição, o medo das sociedades secretas e de sua influência política ainda persistia. O contexto europeu da época, marcado pelo avanço das ideias revolucionárias e pelo impacto da Revolução Francesa (1789), levou muitas monarquias a reagirem contra movimentos que pregavam liberdade, igualdade e fraternidade – princípios que encontravam eco na Maçonaria.
Conclusão
A reforma da Inquisição promovida pelo Marquês de Pombal em 1774 representou um enfraquecimento significativo da perseguição inquisitorial em Portugal. A abolição da distinção entre Cristãos Velhos e Cristãos Novos marcou o fim da obsessão com a pureza de sangue e, na prática, pôs fim às perseguições por judaísmo. No entanto, o controle pombalino sobre o Santo Ofício não significou sua completa extinção.
O Edital de 13 de fevereiro de 1792, ao incluir a Maçonaria entre as culpas inquisitoriais, demonstra que, embora a repressão religiosa tenha diminuído, a perseguição a sociedades secretas e a movimentos potencialmente subversivos continuou. Esse episódio ilustra o complexo jogo de forças entre o Estado, a Igreja e as ideias iluministas no final do século XVIII, período de intensas transformações políticas e sociais.
A trajetória da Inquisição portuguesa entre as reformas de 1774 e o Edital de 1792 reflete não apenas um momento de transição, mas também a luta entre o absolutismo e as novas correntes de pensamento, que preparavam o terreno para a modernidade e para a ascensão do liberalismo no século XIX.

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