Tubal-Caim, Uma Lenda Maçônica

Por João Anatalino

“E Lemech tomou para si duas mulheres: o nome de uma era Ada e o da outra Siláh. Ada deu à luz Jubal, que foi pai dos que habitam em tendas e possuem gado. O nome do seu irmão era Jubal, que foi pai de todos que tocam lira e harpa. Silah deu a luz Tubal-Caim, criador de todo artefato de cobre e ferro; a irmã de Tubal-Caim foi Noemah. Laamech disse às suas mulheres: Ouvi minha voz, mulheres de Lamech: escutai o meu dito: Por acaso matei um homem (Caim) e por feri-lo e um menino (Tubal-Caim) por contundi-lo. Se por Caim se tomar vingança por sete gerações, por Lamech será setenta vezes sete.”  

Gênesis, 4; 19 a 25- Bíblia Hebraica.

Tubal-Caim é um personagem referido no livro de Gênesis como sendo filho do patriarca Lamech e sua mulher Zillah. Lamech era neto de Caim, o filho primogênito de Adão e Eva.  Tinha dois irmãos, Jabal, Jubal e uma irmã, chamada Noema. Segundo o Gênesis, Jabal teria sido o precursor da pecuária, vivendo em tendas e criando gado. Quanto a Jubal, ele deu início à arte da música sendo perito no manejo da harpa e da lira. Noema, por sua vez, é referida em alguns textos cabalísticos como sendo a criadora da arte da tecelagem.

Tubal-Caim, por sua vez, foi o criador das técnicas de metalurgia, sendo prodigo fundidor de ouro, prata, cobre e ferro.

A versão oficial da Bíblia não explica os estranhos dizeres de Lamech ao se referir a um homicídio por ele praticado. Pois nos textos bíblicos oficiais ele confessa que matou um homem e um menino e por isso a vingança por esse crime seria tomada (por Deus) contra setenta gerações, da mesma forma que a morte de Caim seria vingada por sete gerações.

Afinal, quem seriam essas vítimas do perverso Lamech que provocaria tanto a ira de Deus, para que Ele vingasse essas mortes por setenta e sete gerações? A versão da Bíblia hebraica, traduzida por David Gorodovits e Jairo Findlin tentam esclarecer esse enigma colocando (entre parênteses) que se tratavam do próprio Caim e do seu filho Tubal-Caim.

 De onde eles tiraram essa informação não sabemos, mas é bem provável que eles tivessem se utilizado de textos extraídos do chamado livro de Adão. Esse livro é um tratado cabalístico considerado apócrifo da Bíblia, que pretende descrever o que aconteceu com Adão e Eva depois que eles foram expulsos do Éden e deram início a família humana. Em um dos seus trechos ele esclarece o que aconteceu com Caim e relata a sua morte, que segundo o autor, teria sido assassinado pelo seu próprio neto, Lamech. Segundo esse relato Lamech era velho e estava praticamente cego. Um dia ele saiu para caçar, levando com ele seu filho Tubal-Caim para servir de guia. Quando Lamech e seu filho chegaram no campo de caça eles viram um homem que vinha caminhando em direção a eles. Lamech não podia vê-lo, por isso não reconheceu o seu avô. E Tubal-Caim, sendo jovem, não o conhecia.Tubal-Caim achou que o homem iria atacá-los e por isso pediu ao seu pai que disparasse flechas contra Caim. Foi assim que Lamech matou o seu próprio avô, Caim, e atraiu para si a maldição referida no livro de Gênesis, segundo a qual, a sua descendência teria que pagar por esse crime por setenta e sete gerações. Isso porque ele matou Caim, a quem Deus havia dito que sua morte seria vingada por sete gerações. Segundo o Livro de Adão

27.             “ as setas entraram no corpo de Caim embora ele estava distante deles, e ele caiu ao chão e morreu.

28.             E o Deus equiparou o mal de Caim de acordo com a sua maldade o que ele tinha feito ao seu irmão Abel, conforme Deus tinha dito.

29.             E foram ao passo onde Caim tinha morrido, Lamech e Tubal-Caim foram ver o animal que eles tinham abatido, e eles viram, Caim o seu avô que estava morto sobre o chão.

30.             E Lamech ficou muito afligido ao ter feito isto, e unindo as suas mãos ele golpeou o seu filho e o matou.

31.             E as esposas de Lamech ouviram o que Lamech tinha feito, e elas tentaram matá-lo.

32.             E as esposas de Lamech o odiaram daquele dia, porque ele matou Caim e Tubal-Caim, e as esposas de Lamech distanciaram-se dele, e não o animaram por esses dias.

Assim, Lamech teria matado não só o seu avô, Caim, mas também o seu filho Tubal-Caim. E por matar tanto a sua ascendência quanto a sua descendência, a estirpe de Caim seria amaldiçoada por setenta e sete gerações.

 Daí se deduz que Lamech teria assassinado o próprio Caim e mais uma outra pessoa, o que estaria implícito no texto bíblico quando fala a respeito do seu castigo que seria setenta vezes maior do que o do seu ancestral.

 Como a grande maioria das histórias da Biblia, essa é mais uma metáfora que veicula ensinamentos iniciáticos e conceitos sociológicos e históricos referentes à religião de Israel e sua história através dos tempos.

Essa interpretação nos vem da própria Bíblia através das referências históricas que ela fornece a respeito das lutas travadas pelo povo de Israel para conquistar e manter-se nas terras palestinas. Uma dessas referências está no próprio nome da terra que israelenses e palestinos disputam desde os tempos bíblicos. O nome pelo qual o povo de Israel chamava a essa terra era Canaã. Ou seja, a terra onde habitavam os cananeus, descendentes de Caim.

Dessa informação se infere que Caim é o arquétipo fundamental no qual o grande inimigo de Israel, os palestinos (descendentes dos cananeus), é identificado pelo inconsciente coletivo do povo de Israel. Caim, que matou seu irmão Abel, é o pai do povo cananeu, enquanto Seth, o filho que Adão e Eva tiveram para substituir aquele que Caim matou, é o pai do povo de Israel.

A metáfora, de cunho político-sociológico, é clara. O crime de Caim será vingado durante sete gerações; e o crime de Lamech, por matar Caim e seu próprio filho, setenta vezes sete. Essa metáfora tem sido tomada ao pé da letra por Israel, a se ver pelo que ocorre hoje na Palestina.

Outro argumento em apoio a essa tese aparece nas crônicas que relatam a construção do Templo de Salomão. Segundo Reis, 6:7, na edificação do Templo só foram usados blocos cortados e preparados nas pedreiras, para que assim, durante os trabalhos de construção, não se ouvisse o barulho de martelos, machados ou qualquer outra ferramenta de ferro.

Historicamente sabe-se que o ferro era um metal maligno para o povo de Israel. E isso tinha uma razão histórica muito simples. É que durante certo tempo algumas tribos israelitas estiveram sobre o jugo dos filisteus, povo que dominou a Palestina por vários anos. E nesse período de dominação filisteia, Israel foi proibido de praticar a metalurgia para evitar que os israelitas produzissem armas. E durante muitos anos as fundições deixaram de existir em Israel, só voltando a funcionar depois que Saul e Davi venceram os filisteus e libertaram Israel do domínio filisteu.

 Para a Maçonaria esse tema ganha interesse a partir de uma lenda cabalística que sustenta que o arquiteto do Templo de Salomão, Hiram Abiff, seria descendente de Tubal-Caim. Essa descendência viria do fato de ser o filho de Lamech um pródigo fundidor de metais, sendo ele o próprio inventor da metalurgia. E como Hiram é citado na Bíblia como sendo o fundidor das colunas de bronze do Templo e de todos os utensílios de cobre que serviam ao serviço do Templo, essa descendência estaria perfeitamente justificada. Essa lenda foi compilada pelo autor maçônico Robert Ambelain ( AMBELAIN, Robert. A Franco Maçonaria. São Paulo, Ed. Ibrasa, 1999) e é aceita por diversos autores maçônicos como a verdadeira origem da lenda do Mestre Hiram.

   Em nossa opinião, essa lenda tem origem alquímicas e cabalisticas. Na verdade, Tubal-Caim é tido na tradição alquímica como sendo um arquétipo de Vulcano, o deus patrono da metalurgia, ciência que está na origem da Alquimia. E sendo a Alquimia uma tradição profundamente ligada á Maçonaria, por transposição, o nome de Tubal-Caim seria admitido na simbologia maçônica para significar a passagem do aprendiz para o fechado círculo do mestrado, ou seja, aquele que é iniciado no segredo da transmutação dos metais, que na Maçonaria significa a transmutação do seu próprio espírito da condição de profano para iniciado.

 Assim, para a Maçonaria, o nome Tubal-Caim, que é usado como palavra de passe no grau de companheiro, significa exatamente a conquista dessa condição de iniciado, que a princípio se procura obter violentamente com a morte do Mestre Hiram ( o assassinato de Abel por Caim) pelos Jubelos (Jubal, Jabel e Tubal-Caim) e depois o próprio assassinato de Caim e do próprio Tubal-Caim por Lamech. Os graus de vingança, que são desenvolvidos nas Lojas Capítulares têm fundamento simbólico justamente nesse drama.

A ideia que está inserta nesse drama é a de que a ciência sem consciência, desenvolvida e praticada apenas com fins egoísticos, tem caráter profano e maligno.

Adão e Eva conquistaram o conhecimento do bem e do mal contra a vontade de Deus, ao comer do fruto da Árvore do Conhecimento. Seu filho primogênito Caim também desobedeceu ao Senhor praticando assassinato contra o próprio irmão. A verdadeira sabedoria não se conquista com violência. Para que o conhecimento assuma caráter de sacralidade é preciso que ela seja praticada com espirito de verdadeira religião. Não basta saber para ser iniciado nos Mistérios Sagrados. É preciso que seu espírito esteja envolvido nessa sabedoria e que ela seja utilizada com o propósito de aprimoramento do espirito do seu praticante e da própria sociedade em geral. E principalmente, que ela seja sinônimo de virtude e não de vício ou crime.

 Para quem entendeu o verdadeiro propósito da Maçonaria, essa alegoria não precisa de maiores explanações. Ao pronunciar o nome de Tubal-Caim, o maçom está, na verdade, dizendo: “lembra-te que a sabedoria que vai compartilhar pode elevar-te aos mais sagrados cumes, mas se for mal utilizada ela será o teu próprio carrasco”. E isso é confirmado no grau seguinte, o de mestre, pelo sinal característico do grau. 

Como disse Jesus, a sabedoria se transmite por parábolas. E como diz o Apocalipse, quem tem sabedoria entenda.

 


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