“E Lemech tomou para si duas mulheres: o nome de uma era Ada e o da outra Siláh. Ada deu à luz Jubal, que foi pai dos que habitam em tendas e possuem gado. O nome do seu irmão era Jubal, que foi pai de todos que tocam lira e harpa. Silah deu a luz Tubal-Caim, criador de todo artefato de cobre e ferro; a irmã de Tubal-Caim foi Noemah. Laamech disse às suas mulheres: Ouvi minha voz, mulheres de Lamech: escutai o meu dito: Por acaso matei um homem (Caim) e por feri-lo e um menino (Tubal-Caim) por contundi-lo. Se por Caim se tomar vingança por sete gerações, por Lamech será setenta vezes sete.”
Gênesis, 4; 19 a 25- Bíblia Hebraica.
Tubal-Caim é um personagem referido no livro
de Gênesis como sendo filho do patriarca Lamech e sua mulher Zillah.
Lamech era neto de Caim, o filho primogênito de Adão e Eva. Tinha dois
irmãos, Jabal, Jubal e uma irmã, chamada Noema. Segundo o Gênesis, Jabal teria
sido o precursor da pecuária, vivendo em tendas e criando gado. Quanto
a Jubal, ele deu início à arte da música sendo perito no manejo da harpa e
da lira. Noema, por sua vez, é referida em alguns textos cabalísticos como
sendo a criadora da arte da tecelagem.
Tubal-Caim, por sua vez, foi o criador das
técnicas de metalurgia, sendo prodigo fundidor de ouro, prata, cobre e ferro.
A versão oficial da Bíblia não explica os
estranhos dizeres de Lamech ao se referir a um homicídio por ele praticado.
Pois nos textos bíblicos oficiais ele confessa que matou um homem e um menino e
por isso a vingança por esse crime seria tomada (por Deus) contra setenta
gerações, da mesma forma que a morte de Caim seria vingada por sete gerações.
Afinal, quem seriam essas vítimas do perverso
Lamech que provocaria tanto a ira de Deus, para que Ele vingasse essas mortes
por setenta e sete gerações? A versão da Bíblia hebraica, traduzida por David
Gorodovits e Jairo Findlin tentam esclarecer esse enigma colocando (entre
parênteses) que se tratavam do próprio Caim e do seu filho Tubal-Caim.
De
onde eles tiraram essa informação não sabemos, mas é bem provável que eles
tivessem se utilizado de textos extraídos do chamado livro de Adão. Esse livro
é um tratado cabalístico considerado apócrifo da Bíblia, que pretende descrever
o que aconteceu com Adão e Eva depois que eles foram expulsos do Éden e deram
início a família humana. Em um dos seus trechos ele esclarece o que aconteceu
com Caim e relata a sua morte, que segundo o autor, teria sido assassinado pelo
seu próprio neto, Lamech. Segundo esse relato Lamech era velho e estava
praticamente cego. Um dia ele saiu para caçar, levando com ele seu filho
Tubal-Caim para servir de guia. Quando Lamech e seu filho chegaram no campo de
caça eles viram um homem que vinha caminhando em direção a eles. Lamech não
podia vê-lo, por isso não reconheceu o seu avô. E Tubal-Caim, sendo jovem, não
o conhecia.Tubal-Caim achou que o homem iria atacá-los e por isso pediu ao seu
pai que disparasse flechas contra Caim. Foi assim que Lamech matou o seu
próprio avô, Caim, e atraiu para si a maldição referida no livro de Gênesis,
segundo a qual, a sua descendência teria que pagar por esse crime por setenta e
sete gerações. Isso porque ele matou Caim, a quem Deus havia dito que sua morte
seria vingada por sete gerações. Segundo o Livro de Adão
27.
“ as setas entraram no corpo de Caim embora ele estava
distante deles, e ele caiu ao chão e morreu.
28.
E o Deus equiparou o mal de Caim de acordo com a sua
maldade o que ele tinha feito ao seu irmão Abel, conforme Deus tinha dito.
29.
E foram ao passo onde Caim tinha morrido, Lamech e
Tubal-Caim foram ver o animal que eles tinham abatido, e eles viram, Caim o seu
avô que estava morto sobre o chão.
30.
E Lamech ficou muito afligido ao ter feito isto, e unindo
as suas mãos ele golpeou o seu filho e o matou.
31.
E as esposas de Lamech ouviram o que Lamech tinha feito,
e elas tentaram matá-lo.
32.
E as esposas de Lamech o odiaram daquele dia, porque ele
matou Caim e Tubal-Caim, e as esposas de Lamech distanciaram-se dele, e não o
animaram por esses dias.
Assim, Lamech teria matado não só o seu avô,
Caim, mas também o seu filho Tubal-Caim. E por matar tanto a sua ascendência quanto
a sua descendência, a estirpe de Caim seria amaldiçoada por setenta e sete
gerações.
Daí se deduz que Lamech teria
assassinado o próprio Caim e mais uma outra pessoa, o que estaria implícito no
texto bíblico quando fala a respeito do seu castigo que seria setenta vezes
maior do que o do seu ancestral.
Como a grande maioria das histórias da
Biblia, essa é mais uma metáfora que veicula ensinamentos iniciáticos e
conceitos sociológicos e históricos referentes à religião de Israel e sua
história através dos tempos.
Essa interpretação nos vem da própria Bíblia
através das referências históricas que ela fornece a respeito das lutas
travadas pelo povo de Israel para conquistar e manter-se nas terras palestinas.
Uma dessas referências está no próprio nome da terra que israelenses e
palestinos disputam desde os tempos bíblicos. O nome pelo qual o povo de Israel
chamava a essa terra era Canaã. Ou seja, a terra onde habitavam os cananeus,
descendentes de Caim.
Dessa informação se infere que Caim é o
arquétipo fundamental no qual o grande inimigo de Israel, os palestinos
(descendentes dos cananeus), é identificado pelo inconsciente coletivo do povo
de Israel. Caim, que matou seu irmão Abel, é o pai do povo cananeu, enquanto
Seth, o filho que Adão e Eva tiveram para substituir aquele que Caim matou, é o
pai do povo de Israel.
A metáfora, de cunho político-sociológico, é
clara. O crime de Caim será vingado durante sete gerações; e o crime de Lamech,
por matar Caim e seu próprio filho, setenta vezes sete. Essa metáfora tem sido
tomada ao pé da letra por Israel, a se ver pelo que ocorre hoje na Palestina.
Outro argumento em apoio a essa tese aparece
nas crônicas que relatam a construção do Templo de Salomão. Segundo Reis,
6:7, na edificação do Templo só foram usados blocos cortados e preparados
nas pedreiras, para que assim, durante os trabalhos de construção, não se
ouvisse o barulho de martelos, machados ou qualquer outra ferramenta de ferro.
Historicamente sabe-se que o ferro era um metal maligno para o povo de Israel. E isso tinha uma razão histórica muito simples. É que durante certo tempo algumas tribos israelitas estiveram sobre o jugo dos filisteus, povo que dominou a Palestina por vários anos. E nesse período de dominação filisteia, Israel foi proibido de praticar a metalurgia para evitar que os israelitas produzissem armas. E durante muitos anos as fundições deixaram de existir em Israel, só voltando a funcionar depois que Saul e Davi venceram os filisteus e libertaram Israel do domínio filisteu.
Para a
Maçonaria esse tema ganha interesse a partir de uma lenda cabalística que
sustenta que o arquiteto do Templo de Salomão, Hiram Abiff, seria descendente
de Tubal-Caim. Essa descendência viria do fato de ser o filho de Lamech um
pródigo fundidor de metais, sendo ele o próprio inventor da metalurgia. E como
Hiram é citado na Bíblia como sendo o fundidor das colunas de bronze do Templo
e de todos os utensílios de cobre que serviam ao serviço do Templo, essa
descendência estaria perfeitamente justificada. Essa lenda foi compilada pelo
autor maçônico Robert Ambelain ( AMBELAIN, Robert. A Franco Maçonaria. São
Paulo, Ed. Ibrasa, 1999) e é aceita por diversos autores maçônicos como a
verdadeira origem da lenda do Mestre Hiram.
Em nossa opinião, essa lenda tem
origem alquímicas e cabalisticas. Na verdade, Tubal-Caim é tido na tradição
alquímica como sendo um arquétipo de Vulcano, o deus patrono da metalurgia,
ciência que está na origem da Alquimia. E sendo a Alquimia uma tradição
profundamente ligada á Maçonaria, por transposição, o nome de Tubal-Caim seria
admitido na simbologia maçônica para significar a passagem do aprendiz para o
fechado círculo do mestrado, ou seja, aquele que é iniciado no segredo da
transmutação dos metais, que na Maçonaria significa a transmutação do seu
próprio espírito da condição de profano para iniciado.
Assim, para a Maçonaria, o nome
Tubal-Caim, que é usado como palavra de passe no grau de companheiro, significa
exatamente a conquista dessa condição de iniciado, que a princípio se procura
obter violentamente com a morte do Mestre Hiram ( o assassinato de Abel por
Caim) pelos Jubelos (Jubal, Jabel e Tubal-Caim) e depois o próprio assassinato
de Caim e do próprio Tubal-Caim por Lamech. Os graus de vingança, que são
desenvolvidos nas Lojas Capítulares têm fundamento simbólico justamente nesse
drama.
A ideia que está inserta nesse drama é a de
que a ciência sem consciência, desenvolvida e praticada apenas com fins
egoísticos, tem caráter profano e maligno.
Adão e Eva conquistaram o conhecimento do bem
e do mal contra a vontade de Deus, ao comer do fruto da Árvore do Conhecimento.
Seu filho primogênito Caim também desobedeceu ao Senhor praticando assassinato
contra o próprio irmão. A verdadeira sabedoria não se conquista com violência.
Para que o conhecimento assuma caráter de sacralidade é preciso que ela seja
praticada com espirito de verdadeira religião. Não basta saber para ser
iniciado nos Mistérios Sagrados. É preciso que seu espírito esteja envolvido
nessa sabedoria e que ela seja utilizada com o propósito de aprimoramento do
espirito do seu praticante e da própria sociedade em geral. E principalmente,
que ela seja sinônimo de virtude e não de vício ou crime.
Para quem entendeu o verdadeiro
propósito da Maçonaria, essa alegoria não precisa de maiores explanações. Ao
pronunciar o nome de Tubal-Caim, o maçom está, na verdade, dizendo: “lembra-te
que a sabedoria que vai compartilhar pode elevar-te aos mais sagrados cumes,
mas se for mal utilizada ela será o teu próprio carrasco”. E isso é confirmado
no grau seguinte, o de mestre, pelo sinal característico do grau.
Como disse Jesus, a sabedoria se transmite
por parábolas. E como diz o Apocalipse, quem tem sabedoria entenda.
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