O Consolo no Amor Mútuo


Por Hilquias Scardua

Adentramos sendas incomuns, abismos densos, tocando elementos sensíveis para debruçar sobre o mérito consolador. Essas reflexões ganham corpo à medida que somamos um assunto ao outro. Cada qual seria uma ilha e, unidas, um continente. Talvez esteja simplesmente navegando entre os recortes de contos românticos e trágicos de Voltaire; ou, por outro lado, evocando a ideia do "Santo Espírito" consolador.

Entretanto, não podemos consagrar a Ignorância como uma bênção, pois entendemos que aquilo que nos anima, a disposição da alma, é um impulso que nos leva a praticar o Bem; consequentemente, é a Virtude que contemplamos, tornando-nos predispostos a fazer o Bem a nós próprios e a outrem.

A disposição da alma é como um farol interno que guia nossas ações, uma chama que ilumina o caminho do Bem. É uma força que nos impulsiona a superar adversidades, a buscar a virtude mesmo diante das tormentas. Consagrar a Ignorância seria apagar essa chama, negar a luz que nos conduz ao conhecimento e à evolução.

É bem mais fácil criar desculpas, sugerir caminhos mais "fáceis", tornando impossível acreditar naquele que negou a adversidade e aceitou a condição imposta pelo fenomênico momento. Tornou-se o mesmo após a tormenta, depois de ter renascido foi o mesmo; não conseguiu ser outro, estranho à fraqueza e feiura daquele que precisava morrer em seu interior.

Mesmo na adversidade, algum fruto se colhe, revelando-se no potencial mais humano possível. Assistimos assim o animal coexistente ser subjulgado e dominado. Quando demonstramos habilidade para superar a adversidade exposta, o momento é suprimido e moldado sobre a vontade revelada, como em um processo iniciático. Pois, a nossa construção é de dentro para fora; pois vemos na provação, no digerir da prova, seja pessoal ou coletiva, que as dores habituais se revelam em juízo, quando na condição de superação e mudança.



Segundo Khalil Gibran, sempre estamos nos comunicando com os demais, mas quase nunca refletimos e entendemos a real importância das conversas. Às vezes, inclusive, estamos tão inconscientes que usamos as palavras como uma fuga de nós mesmos, uma maneira de ir "para fora" e ignorar os nossos "eus internos". Essas conversas inconscientes costumam ser a maior causa dos nossos conflitos de convivência. Porém, as nossas palavras também podem tornar o ser humano melhor e mais profundo. Tudo depende da forma como estamos nos comunicando.

A comunicação faz parte da nossa vida, e para não nos perdermos na superficialidade, seria ideal que compartilhássemos de um mesmo anseio, do inquietante desejo de conhecer mais sobre o mundo e as coisas, sobre a matéria e o mundo intangível e espiritual. Visitar o passado e vislumbrar o futuro, sem perder a condição do presente.

Nossas conexões espirituais e fraternais têm diminuído à medida que as conexões virtuais têm aumentado, não é por uma ou outra coisa, não é por culpa disso ou daquilo... É por nós mesmos, é sobre a gente, é mesmo sobre nós. Facilmente nos adaptamos e, para o consolo dos vis impulsos de nossa alma. E nesse ponto que convido a chave da reflexão - estamos sempre buscando um consolador para reparar sabe-se lá o que. Haja serviço para o Reparador dos Mundos identificar o princípio do erro ou quem de qual lado cometeu o grave erro de modo a ser punido o seu espírito.

O consolo emerge do amor mútuo, do desejo incondicional de praticar o bem e fazer o melhor em cada instante e em cada ato, valendo-se da presteza fraternal.

O Sábio já passou o seu cajado, o rei já se ausentou do trono, e ficamos diante do altar, mirando um espelho. A condição humana e divina se entrelaça entre o princípio criador e o ser criado. Não podemos negar que nossa fé parece servir de consolo, mas o Amor deve ser a liga, a essência de conexão em tudo que decidimos fazer.

 

Somos consolados pela natureza, pelos animais, pela fria grama ou o aquecido cobertor; também o fazem toda amada criatura física ou extracorpórea. O consolo transcende as barreiras da forma e se manifesta na interconexão de tudo que compartilha a jornada do existir.

Hilquias Scardua 

Cavaleiro da Liberdade

 

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