Por Hilquias Scardua
Caminhando sob as luzes artificiais da
noite, em um litoral onde a pálida luz da Lua se ausentava, deparei-me com
diversas pessoas. Observava-as, e por instantes, ouvia seus disparates. Era
difícil perceber, quase impossível sentir ali uma chama, a ponto de adormecer
por completo. Contudo, essa chama existia, latente em cada uma delas.
Nesses momentos, as vozes dos Mestres
ecoavam como um coro de vozes afinadas, cada uma ressoando em sua escala
harmônica. Recordo-me do canto: "Enquanto muitos buscam suas lanternas à
Luz do Meio Dia, raros ousam ser Luz na densa sombra da Meia Noite." A frase,
mesmo que não exatamente assim, foi meu ponto de partida para esta reflexão.
Fato é que frequentemente fazemos mau
uso de nossas capacidades, privando nossos sentidos pela insanidade de nossos
pensamentos, direcionados ao confortável desejo de permanecer sob a luz já
ofertada. Será que perdemos a capacidade de perceber que ainda somos a Luz, a
centelha que persiste? Quem ousará renovar a força da antiga chama e ser Luz em
meio às trevas?
Essas perguntas me conduzem às
prateleiras da memória, onde sou compelido a trazer um recorte que resgato de
um texto de Diderot, em sua obra "Carta aos Cegos Endereçada aos que
Vêem." "Se a curiosidade não me dominasse", disse um sábio cego,
"eu preferiria muito mais ter longos braços; parece-me que as minhas mãos
me instruiriam melhor do que os vossos olhos ou os vossos telescópios; além
disso, os olhos cessam de ver mais do que as mãos de tocar. Valeria pois muito
mais que me fosse aperfeiçoado o órgão que possuo do que me conceder o que me
falta."
Esse trecho revela a resposta de um
filósofo cego, e tantas referências poderiam ser trazidas à luz dessa reflexão,
inflamados por essa sincera exposição. Notório é que esse sábio esteve sob a
Luz do Meio Dia, regozijando-se de sua magnitude; não há sombras para ele, mesmo
privado do sentido da visão.
Enfadonho é perceber tantos, mesmo com
olhos sadios, que se esgueiram tateando o mundo à sua volta, sem dedicar um
tempo mínimo para a contemplação. Parece que estão ainda nos grilhões, presos
no fundo da caverna platônica.
Quando um dos sentidos nos falta,
compensamos de alguma maneira. Para os que creem apenas nos cinco sentidos, e
quanto ao sexto sentido? Este não faz falta, não há motivo para compensá-lo.
Certo? Entretanto, é aí que, iludidos, nos limitamos, e ainda pior quando não
utilizamos esses cinco caminhos de Luz com a eficiência que nos foi concedida.
Imagine-se na condição do filósofo cego,
considerando que o sentido que lhe falta não é a visão, pois seus cinco
sentidos estão sadios. Busca compensar a falta do sexto sentido, e aí entenderá
o cerne desta reflexão.
Nessa antagônica condição de Luz e Sombra, a alusão à Sabedoria e Ignorância testemunha a face comum de nossos dias. Os sofistas ganharam praças, meios digitais, bares, poder, e etc. Em nossa Ordem, percebe-se que a matéria de Sócrates foi sufocada pela Ordem do Dia. Conduzimos inúmeros cegos, como no "Ensaio sobre a Cegueira" de Saramago. No entanto, esses seres privaram-se da visão por escolha própria, deixando de exercer a ferramenta que o Divino Arquiteto dos Mundos lhes concedeu.
Hilquias Scardua
Cavaleiro da Liberdade
0 Comentários