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As organizações que existiam à margem da vida
pública, incluindo a Maçonaria, foram mais influentes do que se imagina.
As vésperas da Independência do Brasil, dom
Pedro I enviou de São Paulo uma carta ao seu amigo e ministro José Bonifácio.
No final, cravou um pedido misterioso: “Recomende-me aos senhores nossos II e
CC (...)”.
Essa simples frase, cheia de pontos em
formatos estranhos, revela o contato estreito do então príncipe regente, a
pouco tempo de virar o primeiro governante do Brasil independente, com duas
sociedades secretas operantes durante o processo histórico que culminou no 7 de
Setembro.
Os três pontos, cada um no que seria um
vértice de uma pirâmide, antecedidos por duas letras i, era utilizados por
membros da Maçonaria e significam irmãos. Se essa primeira sociedade permanece
conhecida no mundo inteiro, a seguinte, que se revela nas duas letras c
seguidas por quatro pontos em forma de cruz, que significavam camaradas, foi
uma ordem secreta 100% brasileira que teve vida efêmera. Tratava-se do Apostolado
da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz, ou, simplesmente, Apostolado.
A Maçonaria e o Apostolado na independência
Dom Pedro foi iniciado na Maçonaria em 2 de
agosto de 1822, adotando o nome de Guatimozin, o último imperador asteca que
tentou resistir aos invasores espanhóis. Nesse período, a partir de 1821, com a
campanha de emancipação política do Brasil, as lojas existentes começaram a ter
um papel político mais vigoroso, embora já existissem registros de atividades
maçônicas no Brasil desde o século 18.
Em 1822, durante o processo da Independência,
foi criado o Grande Oriente do Brasil, ou Brasiliano, conforme ata de 17 de
junho, com o qual a Maçonaria brasileira libertou-se e tornou-se independente
do Grande Oriente Lusitano.
Inspirado pelos ventos da Revolução Francesa,
da independência da América do Norte e das Guerras Napoleônicas, que varreram
por algum tempo da Europa o absolutismo, a Maçonaria brasileira tentava atrair
o então príncipe regente.
Se alguns elementos maçônicos sonhavam com a
implantação da República no Brasil, a maioria achava que a independência
definitiva de Portugal se daria de maneira menos traumática se contasse com a simpatia
de dom Pedro, por isso buscou envolvê-lo na causa.
Foram os maçons, capitaneados por Joaquim
Gonçalves Ledo e José Clemente Pereira, presidente do Senado da Câmara do Rio
de Janeiro, que se movimentaram para dissuadir dom Pedro de cumprir as ordens
das Cortes Portuguesas, que solicitaram o retorno dele à Europa em 1821.
Inclinado a respeitar as diretrizes das
Cortes, o príncipe regente foi convencido pelo movimento de Ledo e Pereira, que
conseguiram a adesão de representantes de Rio de Janeiro, Minas Gerais, São
Paulo e Bahia ao pedido para que não deixasse o Brasil, levando ao Dia do Fico,
em 9 de janeiro de 1822. Em 13 de maio, a Maçonaria concedeu a dom Pedro o
título de “Protetor e Defensor Perpétuo do Reino Unido do Brasil”, o qual o
príncipe declinou parcialmente, aceitando apenas o de Defensor Perpétuo.
O Apostolado da Ordem dos Cavaleiros de Santa
Cruz foi fundado por José Bonifácio em 1822, com o objetivo de defender a
integridade do Brasil e lutar por sua independência. Porém o propósito
primordial era combater o grupo de Gonçalves Ledo, que, se a princípio havia
aceitado a monarquia constitucional como caminho rápido para a separação,
acalentava o sonho republicano.
Tanto a Maçonaria como o Apostolado acabaram
sendo, cada um a seu tempo, fechados por ordem de dom Pedro. Mas a influência
das duas sociedades secretas no processo político da Independência é inegável.
Das reuniões do Apostolado entre janeiro e março de 1823, como mostram as atas
reunidas no Acervo Histórico do Museu Imperial, em Petrópolis, há debates de
artigos que seriam apresentados ao projeto da Constituição do Império em
setembro pelo deputado Antônio Carlos, irmão de Bonifácio.
O escritor Luiz Gonzaga da Rocha, presidente
do Tribunal Distrital de Justiça do Grande Oriente do Distrito Federal e autor
de A Bucha e Outras Reminiscências Maçônicas, afirma que as
sociedades secretas perderam poder. “A Maçonaria exerce pouca ou quase nenhuma
influência na sociedade brasileira”, diz. Segundo Rocha, isso ocorre devido ao
baixo índice de inserção social e ao fato de a sociedade estar afastada do
cenário político-econômico-social e das discussões das questões de interesse
nacional.
A ação da Bucha
“É a polícia, ninguém se mexa!”, disse,
triunfante, o subdelegado Armando Pamplona para um bando encapuzado. Eram os
anos finais da Primeira Guerra, e Pamplona buscava espiões alemães. Certa
noite, passando a altas horas pelo antigo prédio do Liceu de Artes e Ofícios em
São Paulo, notou uma estranha movimentação. Diversos senhores com ar misterioso
tomavam carros de luxo estacionados nas redondezas do edifício. Decidido, o
subdelegado resolveu montar uma campana para descobrir do que se tratava.
A persistência deu resultado. Certa noite,
por volta das 9 horas, vultos suspeitos se esgueiravam para dentro do edifício.
Já passava das 10 horas quando o movimento terminou. O subdelegado chamou seus
homens e invadiu o local. Pamplona deve ter achado esquisito aqueles homens
trajando mantos e faixas bordadas. Uns traziam no peito uma âncora verde,
símbolo da esperança, outros um coração vermelho, lembrando a caridade, alguns,
a cruz azul da fé.
O subdelegado estava radiante com a
perspectiva de ter explodido um ninho de perigosos espiões. Mas qual não foi
sua surpresa quando os membros da assembleia, perplexos diante daquela invasão,
começaram a tirar os capuzes. Armando reparou que os rostos eram familiares:
ele conhecia pessoalmente alguns daqueles senhores, outros de vista, outros por
fotos em jornais.
Estavam no salão o governador do estado,
Altino Arantes, diversos políticos paulistas, mineiros, cariocas e gaúchos,
além de inúmeros professores das Faculdades de Direito, de Medicina e
Politécnica, assim como o secretário de Segurança Pública, Elói Chaves, chefe
de Pamplona. Invertendo a ação, Chaves deu ordem de prisão ao subdelegado e a
seus homens.
Naquela mesma noite os policiais invasores
foram juramentados e ameaçados severamente pelas altas personalidades ali reunidas.
Assim terminou a grande noite do subdelegado Pamplona; em vez de uma batida e a
prisão de espiões, a fama e a glória estampadas nos jornais matutinos, ele
acabou se tornando, à força, membro juramentado da Bucha, a sociedade secreta
que, para muitos, por quase cem anos ajudou a governar os destinos do Brasil.
Em 11 de agosto de 1827, o imperador dom
Pedro I assinou a lei que criava os cursos jurídicos no Brasil. Ela previa a
instalação de duas faculdades, uma em Recife e outra em São Paulo. A paulista
foi a primeira a entrar em funcionamento. Instalada em parte do antigo Convento
de São Francisco, as arcadas do velho claustro se tornaram sinônimo da
recém-instalada academia. A lei de 11 de agosto também institucionalizou os
Cursos Anexos, espécie de preparatório que capacitava os jovens a prestarem os
exames de admissão à faculdade.
Júlio
Frank
Nos Cursos Anexos, houve, entre tantos
outros, dois importantes mestres estrangeiros de índole liberal: o professor de
aritmética, o italiano Líbero Badaró, assassinado por suas ideias em 1830, e o
alemão Johann Julius Gottfried Ludwig Frank, ou Júlio Frank, como era conhecido
no Brasil. Frank, nascido em 1808, havia estudado na Universidade de Göttingen,
mas não chegou a se formar. Teve que sair da cidade por causa de dívidas
contraídas e veio parar no Brasil. Tentou se estabelecer no Rio de Janeiro,
depois no interior de São Paulo, e por fim na capital.
Frank morreu de pneumonia em 1841 e, como não
era católico, seu corpo teria de ser sepultado no Cemitério dos Aflitos, local
que recolhia indigentes, criminosos mortos na forca e escravos. Um ultraje para
o venerado mestre. Os estudantes, em revolta, resolveram enterrar seu professor
na própria escola. Seu túmulo, em um dos pátios, é venerado pela tradição acadêmica
da faculdade até hoje.
Inspirado nas Burschenschaften, ou Confrarias
de Camaradas, instituições acadêmicas alemãs, Frank teria tido, durante uma
reunião com o estudante Vicente Pires da Mota e o secretário de Governo da
província de São Paulo, Pimenta Bueno, a ideia de criar uma associação similar
na Academia de Direito. Segundo o escritor Luiz Gonzaga da Rocha, “a Bucha
tinha por objetivo a filantropia e, ainda, ressaltar a função social do advogado
no seio da sociedade paulistana e brasileira, por extensão”.
Controle
Os integrantes da Bucha, Bucha Paulista, ou
B. P., como passaria a ser chamada a Burschenschaft da Academia de Direito de
São Paulo, eram escolhidos pela sua inteligência e lisura de caráter. Na
faculdade, a ordem era composta de Catecúmenos, Crentes e Doze Apóstolos; fora,
por Chefes Supremos e Conselho dos Divinos. A estrutura da sociedade, com o
passar dos anos, transcendeu os velhos muros da academia e passou a permear a
política nacional, envolvendo a estrutura burocrática do Estado.
Os antigos alunos da São Francisco que
pertenciam à Bucha e ocupavam posições nas diversas esferas do poder nacional
acabaram favorecendo outros membros da organização na distribuição de cargos
governamentais.
O historiador Luis Fernando Messeder dos
Santos, autor da dissertação de mestrado A Burschenschaft e a Formação da
Classe Dirigente Brasileira na República Velha, afirma a respeito:
“Percebe-se o fortalecimento da atuação da organização na década de 1870,
quando alguns dos que iriam ocupar a ‘suprema magistratura’ do país durante a
Primeira República estudaram na mesma turma”.
Durante o Império, entre os bucheiros, havia
políticos, artistas e intelectuais destacados, como Castro Alves, Álvares de
Azevedo, o Barão do Rio Branco, o Visconde de Ouro Preto, entre outros. Após a
queda do Império, em 1889, foi instituída uma comissão, apelidada de Comissão
dos Cinco, encarregada do anteprojeto da Constituição Republicana. Dos cinco
membros da comissão, três eram conhecidos bucheiros: Saldanha Marinho, Américo
Brasiliense e Santos Werneck.
Embora os ideais liberais levados para as
Arcadas por Líbero Badaró e Júlio Frank tenham servido de norte para a criação
da Bucha, inspirando seus membros a lutarem pelo abolicionismo e pela
República, à medida que os ardores juvenis arrefeciam e seus integrantes
passavam a pertencer ao establishment, alguns transformaram-se em
conservadores, defendendo a monarquia e a escravidão.
Na República Velha, acredita-se, não havia
ministro, juiz ou mesmo candidato à presidência da República que tomasse posse,
ou fosse indicado, sem prévia deliberação do Conselho dos Divinos. A
filantropia inicial, a ideia de ajuda mútua, acabou se corrompendo e desaguou
no franco favorecimento para obtenção de cargos públicos.
Segundo o professor Miguel Reale, em suas
memórias: “Como toda sociedade secreta, [a Bucha] logo se degenerou em cadeia
de privilégios, que começava na faculdade pela seleção dos catedráticos e
terminava nos acordos ‘café com leite’ entre ex-alunos de São Paulo e Minas
Gerais, sob a batuta do Senador [do Rio Grande do Sul] Pinheiro Machado, também
diplomado pelas Arcadas, e que, sutilmente, preferia ser a eminência parda dos
eventos republicanos”.
Conchavos
Nos primeiros 40 anos da República, do
governo dos militares Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto à política do café
com leite, bacharéis formados por uma das duas academias de Direito e membros
da Bucha destacaram-se como ministros ou chefes do Executivo. Dos 14
presidentes eleitos da República Velha, oito eram da sociedade: Prudente de
Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves, Afonso Pena, Venceslau Brás, Artur
Bernardes, Washington Luís e Júlio Prestes, que não chegou a ser empossado por
causa da Revolução de 1930.
Quando a Bucha foi fundada, no início da
década de 1830, também surgiu outra instituição, a Sociedade Filantrópica, que
prestava ajuda a presos e órfãos. Desde então, a sociedade secreta da Faculdade
de Direito sempre esteve ligada a um braço público. Na década de 1910, um
deles, a Liga Nacionalista, aglutinou em sua direção membros da Faculdade de
Medicina e da Escola Politécnica.
Estas possuíam também suas próprias
organizações estudantis: a Jungenschaft (União da Mocidade), na Medicina,
fundada em 1913, e a Landmannschaft (sociedade das pessoas de um mesmo campo),
na Politécnica, de 1895. O intercâmbio de alunos de Direito entre São Paulo e
Recife acabou por ocasionar a criação de um braço da Bucha em Pernambuco, a
sociedade Tugendbund (União e Virtude).
Com a Revolução de 1930, que pôs fim à
República Velha, chegou ao poder Getúlio Vargas. Data daí o declínio da Bucha.
Adhemar de Barros, interventor do estado de São Paulo, teria colocado as mãos
em uma lista parcial de membros da Bucha no final dos anos 30 e se apressou a
apresentála a Getúlio. Segundo o político Carlos Lacerda, o presidente leu
atentamente a lista e a devolveu para Adhemar, dizendo: “Não se pode governar o
Brasil sem essa gente, o senhor que entre para a Burschenschaft”.
Forças ocultas
Em 1931, quase cem anos após a criação da
Bucha, foi fundada a Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo pelo diplomata José Carlos de Macedo Soares. Segundo
Afonso Arinos de Melo e Franco, Macedo Soares teria sido o último chefe daquela
sociedade secreta, e a associação seria a sucessora final da Bucha.
Mas a Bucha ainda existe? Segundo o
historiador Pedro Brasil Bandecchi, em 1961, “Jânio Quadros teria se referido à
Bucha quando falou de forças ocultas para justificar sua renúncia”. O atual
presidente da Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da USP,
José Carlos Madia de Souza, afirma que, em 13 anos como presidente da entidade,
jamais teve conhecimento da continuidade da existência ou da atuação da Bucha.
Já o jornalista e escritor Fernando Jorge,
ex-aluno da São Francisco e antigo vice-presidente da Academia de Letras da
faculdade, na década de 1950, é de opinião contrária: “Na minha época achava
curioso o costume de alunos mais velhos se encontrarem ao redor do túmulo do
Júlio Frank. Alguns diziam que era ritual da Bucha. Anos mais tarde, na década
de 80, Bandecchi, numa conversa comigo e com o historiador Leonardo Arroyo,
afirmou categoricamente que a Bucha ainda existia”.
Em 2006, a comunidade da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo foi
surpreendida com cartazes nos corredores de suas unidades. Nele, uma certa
sociedade E.S.P.A.R.T.A. anunciava a comemoração de seus 50 anos de existência.
A E.S.P.A.R.T.A., segundo rumores, seria um
ramo da Burschenschaft e teria surgido em 1956. Diferentemente dos famosos
guerreiros que morreram na Batalha das Termópilas defendendo sua terra da
invasão persa, essa sociedade secreta era composta de menos que 300 membros.
Por ano, supostamente seriam recrutados 20 alunos.
Metade deles, indicados por membros antigos e
que ficariam em observação por um ano. Cinco vagas seriam reservadas para
pessoas que solicitassem sua entrada na sociedade. As demais era reservadas
para filhos de antigos membros.
Nascida na Guerra Fria, o período histórico
de 1945 a 1991 marcado por disputas estratégicas e conflitos indiretos entre
Estados Unidos e a extinta União Soviética, a E.S.P.A.R.T.A. – sempre
supostamente – contaria com um projeto de poder denominado Jano, nome do deus
romano representado por duas ou mais faces, cada qual olhando para uma direção.
Preparando-se para dois cenários mundiais
distintos, um com o socialismo como vencedor e outro com o capitalismo, a
sociedade teria formado duas elites para que seus interesses sobrevivessem em
qualquer cenário.
Entre seus membros, estariam proeminentes
figuras acadêmicas, como Perseu Abramo, Florestan Fernandes e Fernando Henrique
Cardoso, os dois primeiros fundadores do PT, e o último, do PSDB. Juntos, esses
partidos têm se mantido há 20 anos no poder. Seus políticos, em alguns
momentos, uniram-se a uma causa comum, como quando o ex-presidente Lula apoiou
a campanha política de FHC para o Senado, em 1978, chegando, até, a
representá-lo em alguns comícios.
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