Ao pensarmos sobre a influência do Iluminismo
na Maçonaria surgem as seguintes questões: “Seria a Maçonaria filha
predileta do Iluminismo ou seria o Iluminismo broto predileto da Maçonaria? Ou
nem uma coisa nem outra?”
Sem ter a pretensão de esgotarmos o tema e
muito menos apresentarmos uma resposta definitiva, convido-o a juntos
retomarmos brevemente o pensamento iluminista e os seus desdobramentos. Como
sabemos a Maçonaria está intrinsecamente ligada a toda esta efervescência
intelectual do século XVIII.
O movimento iluminista desenvolveu-se a
partir do Absolutismo [1], no início como a sua consequência interna, em
seguida como a sua contraparte dialéctica e como inimigo que preparou a sua
decadência.
Também chamado de esclarecimento (em
alemão Aufklärung, em inglês Enlightenment), foi um
movimento e uma revolta ao mesmo tempo intelectual surgido na segunda metade do
século XVIII (o chamado “século das luzes”) que enfatizava a razão e a ciência
como formas de explicar o universo. Foi um dos movimentos impulsionadores do
capitalismo e da sociedade moderna. Que obteve grande dinâmica nos países
protestantes e lenta, porém gradual, influência nos países católicos.
(CARVALHO, p. 16)
Ao pensarmos em Iluminismo surge
imediatamente a Revolução Francesa, que foi um divisor de águas nas relações
sociais e que contribuiu expressivamente para a formação do mundo
contemporâneo.
Se a economia do mundo do século
XIX foi formada principalmente sob a influência da revolução industrial
britânica, sua política e ideologia foram formadas fundamentalmente pela
Revolução Francesa.[2]
Em Crítica e Crise [3], cuja leitura concebe
a dimensão do que foram as sociedades secretas nos Setecentos europeu e sua
predisposição em levar a humanidade a um avanço intelectual. Um objetivo
exercido, sobretudo, pela franco-maçonaria com seu conteúdo pedagógico de
formar homens críticos com ideário modernizador e progressista. Assim, num
relacionamento indissociável com a ideia de sociabilidade e de poder indirecto
proposta por Koselleck e com os trabalhos historiográficos que na temática
deste trabalho se insere na problemática acerca do papel da franco-maçonaria no
período que antecedeu a Revolução Francesa.
É importante ressaltar o que Koselleck afirma
que duas formações sociais marcaram de maneira decisiva a época do iluminismo
no continente: a república das letras e as lojas Maçônicas. O iluminismo e
segredo aparecem como gémeos históricos.
Quanto ao segredo, que atualmente é associado
a Maçonaria, na época era muito utilizado pelo Poder Absolutista; crescendo
mais ainda com o nascimento da nova elite, composta por grupos diversos, até
mesmo heterogéneos, cuja característica comum residia no facto de que se viam
destituídos ou privados de qualquer liberdade de decisão política no Estado
Moderno, representado apenas pelo monarca absoluto.
Este grupo diametralmente oposto, mas
poderoso, da nova sociedade desenvolveu-se sob a Regência. Era composto por
banqueiros, coletores de impostos e homens de negócio. Eram burgueses que
trabalhavam e especulavam, alcançavam riqueza e prestígio social e
frequentemente compravam títulos de nobreza; desempenhavam um papel de
liderança na economia, mas de modo algum na política.
O crescimento foi tão grande que passaram a
ser financistas do Estado, porém somente o dinheiro que era destinado, não
havia nenhuma gerência e muito menos acompanhamento do destino destes
numerários. Muitos destes financistas ganhavam fortunas milionárias graças à
corrupção do sistema fiscal e à arrecadação de impostos, mas ao mesmo tempo, o
acesso ao orçamento secreto e inatingível do Estado lhes era vedado. Não tinham
nenhuma influência sobre a administração financeira e, como não bastasse, não
possuíam nenhuma segurança para os seus capitais: a decisão real levava-os
frequentemente a perder dinheiro que haviam ganho com a especulação e trabalho.
Rivarol [4] traduziu a maneira que o Estado
administrava o dinheiro que devia à aristocracia financeira e, além disso,
roubava de maneira arbitrária – e totalmente “imoral” – os lucros de seus
credores; expressou “Quase todos os súbditos são credores do senhor…que é
escravo, como todo o devedor”.
Na interação do capital financeiro (que
também era, nas mãos da sociedade, um bem moral) com o endividamento financeiro
do Estado (que, em virtude da sua autoridade política, dissimulava ou negava
imoralmente suas dívidas) está um dos impulsos sociais mais fortes da dialética
da “Moral e da Política”.
À nobreza anti absolutista e à burguesia
endinheirada juntava-se um terceiro grupo, emigrantes protestantes expulsos da
França após a revogação do édito de Nantes de 1685. Os filósofos iluministas
mantinham estreita ligação com estes refugiados, espíritos eminentes na época.
Mas não havia qualquer forma de acesso ao aparelho de comando do Estado, seja a
legislatura, a política ou o exército.
Todos os homens da sociedade, excluídos da
política, reuniam-se em locais “apolíticos” – na bolsa de valores, nos cafés ou
nas academias – onde se praticavam novas ciências, sem sucumbir à autoridade
eclesiástico-estatal de uma Sorbonne, ou então nos clubes, onde não podiam
estabelecer o direito vigente; nos salões das cátedras e das chancelarias, ou
ainda nas bibliotecas e sociedades literárias, onde se dedicavam à arte e a
ciência, mas não à Política Estatal.
Esta nova sociedade criou suas instituições
sob a proteção do Estado absolutista, cujas tarefas – toleradas, promovidas ou
ignoradas pelo Estado – eram “sociais”. Desde o início, os representantes
destas sociedades só podiam exercer influência política – se é que podiam – de
maneira indireta. Portanto, todas as instituições sociais da nova camada
social, aberta à sociabilidade, adquiriam potencialmente um carácter político,
tornando-se com tempo forças políticas indiretas.
As lojas Maçônicas apresentam uma melhor
opção para o movimento iluminista, onde o segredo é a garantia de sua proteção:
“A liberdade secreta torna-se o segredo da liberdade”. A outra função do
segredo é a de propiciar a coesão entre os irmãos. Nasce aí uma nova elite,
denominada humanidade, que sente ser seu dever servir a este novo mundo [5].
Os maçons, aos seus próprios olhos, queriam
fazer o bem, mas encontravam obstáculos, quais fossem: a divisão do mundo entre
homens e Estados divergentes, a hierarquia social e as religiões em conflito.
Por esses motivos, a crítica permanecia
obediente ao Estado, devendo os progressistas limitarem-se ao espírito das
ciências [6].
No entanto, à medida que a crítica da razão
torna todos iguais, inclusive o soberano, ela reduz todos os homens à condição
de cidadãos. E se todo cidadão é igual, todo poder é abuso de poder, e o rei
absolutista é um usurpador.
Na Alemanha, observa-se clara percepção da
tensão entre moral e política, o que deveria provocar a cisão entre Estado e
sociedade [7]. Todavia, nesta região, a burguesia é fraca e minoritária, logo,
as sociedades secretas são ferrenhamente perseguidas e colocadas fora da lei.
Diz-se delas que são um Estado dentro do Estado, que se trata de uma
conspiração jesuítico-Maçônica, acima dos Estados soberanos, para destruí-los,
a eles e às igrejas.
Göchhausen, um militar prussiano, maçom, mas
lacaio do rei, assim denuncia os iluministas:
A razão, aparentemente, irá criar um território sem fronteiras e
instaurar a era da frugalidade espiritual, física e política no país de fria
abstracção; mas, de facto, só haveria duas condições toleráveis: a classe que
governa e a classe que é governada (Critica e Crise p. 119).
Historiadores importantes apresentam estudos
que relacionam a Maçonaria com o Iluminismo e creditado à instituição o
princípio da igualdade entre os homens, embrionário do movimento
democrático [8] [9], dando-lhe o papel de protagonista de revoluções,
como a Revolução Francesa.
Um dos principais pensadores do iluminismo, o
filósofo alemão Immanuel Kant [10], compreendeu essa vocação das Lojas Maçônicas
como uma vocação natural, de homens de bem unindo-se e comunicando com os seus
semelhantes sobre questões que afectam a humanidade como um todo.
Habermas [11], famoso filósofo alemão da escola crítica, coaduna com tal
pensamento, ao registrar sua leitura do período iluminista:
A promulgação secreta do iluminismo, típica das Lojas, mas também
amplamente praticada por outras associações e Tisclzgesellschaften, tinha um
carácter dialéctico. Razão pela qual o uso público da faculdade racional a ser
realizado na comunicação racional de um público composto por seres humanos
cultos, em si precisava ser protegido de se tornar público porque era uma
ameaça para toda e qualquer relação de dominação. Enquanto a publicidade tinha
a sua sede nas chancelarias secretas do príncipe, a razão não podia revelar-se
directamente. Sua esfera de publicidade ainda tinha de confiar no sigilo; seu
público, até mesmo como um público, permaneceu interno. A luz da razão, assim
velada de autoprotecção, foi revelada em etapas. Isso lembra a famosa
declaração de Lessing sobre a Maçonaria, que na época era um fenómeno europeu
mais amplo: ela era tão antiga quanto a sociedade burguesa – “se de facto a
sociedade burguesa não é apenas a prole de Maçonaria” (The Structural
Transformation of the Public Sphere, Habermas, 1989, p. 35).
Concluindo este brevíssimo trabalho, que
sobrevoou por factos importantes que conduziram a humanidade a novos tempos, é
possível inferir que acompanhando o pensamento dos principais pensadores do
iluminismo, a Maçonaria realmente colaborou com o desenvolvimento do iluminismo
e, munida do mais profundo princípio de igualdade entre os homens, emprestou
seu conceito e experiência de democracia à sociedade contemporânea então
recentemente instalada. E, por sinal, instalada graças à liderança libertadora
de seus membros. Portanto, a Maçonaria é a filha predilecta do Iluminismo e
também o seu broto predileto.
Rogério Vaz de Oliveira
Especialista em História da Maçonaria Maçom integrante
da Loja Estrela do Sul 84 – Bagé/RS
Sócio Correspondente das Academias Maçônica
de Letras do Rio Grande do Sul e o Leste de Minas.
Notas:
§ [1] Para SQUIERE
o absolutismo é forma de governo em que o detentor do poder exerce esse último
sem dependência ou controle de outros poderes, superiores ou inferiores.
§ [2] HOBSBAWM,
Eric J. Era das Revoluções: 1789-1848. Tradução: Maria Tereza Teixeira. 25ª ed.
São Paulo: Paz e Terra, 2010. p. 97.
§ [3] Kritik und
Krise: Ein Beitrag zur Pathogenese der bürgerlichen Welt, publicado pela
primeira vez em 1959, nasce da tese de doutoramento de Reinhart Koselleck
apresentado em 1954 na Universidade de Heidelberg.
§ [4] Antoine de
Rivarol (1753-1801). Memories, Ed. Berville, Paris, 1824
§ [5] Marionilde
Dias Brepohl de Magalhães. Comentários sobre Crítica e crise. Universidade
Federal do Paraná.
§ [6] A
institucionalização da crítica se dá, num primeiro momento, de forma
dissimulada, pelo e no teatro ou pela e na literatura. O resgate do drama tem
este sentido, de oposição de forças diametralmente opostas: razão/ revelação,
liberdade/ despotismo, natureza/ civilização, comércio/ guerra, moral/
política, decadência/ progresso, luz/ trevas.
§ [7] À época do
Sturm und Drang (Tempestade e ímpeto), primeira fase do Romantismo, também
compreendido como Romantismo Ilustrado.
§ [8] KRAMNICK, I.
The Portable Enlightenment Reader. Harmondsworth: Penguin, 1995.
§ [9] JACOB, M. C.
The Radical Enlightenment: Pantheists, Freemasons and Republicans. Cornerstone
Book Publishers, Lafayette, Louisiana. 2006.
§ [10] KANT, I.
The Metaphysical Elements of Justice; Part I of the Metaphysics of Morals. 2nd
ed. Tradução: John Ladd. Indianapolis: Bobbs-Merrill, 1999.
§ [11] HABERMAS,
J.The Structural Transformation of the Public Sphere: An Inquiry into a
Category of Bourgeois Society. Cambridge, MA: MIT Press, 1989.
Referências:
§ CARVALHO, William Almeida
de. História da Maçonaria: Das Origens Corporativas à Maçonaria
Moderna.Unileyer: Brasília, 2016.
§ ISMAIL, Kennyo. Artigo
Maçonaria e Iluminismo, disponível no
http://www.noesquadro.com.br/2012/12/maconaria-iluminismo.html, acessado em 12
FEV 17.
§ DIDEROT OU AS MIL
LUZES DO ILUMINISMO,
artigo disponível na Revista Digital Bibliot3ca https://bibliot3ca.wordpress.com/?s=iluminismo&submit=Pesquisa,
acessado em 12 FEV 17.
§ HOBSBAWM, Eric J. Era
das Revoluções: 1789-1848. Tradução: Maria Tereza Teixeira. 25ª ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2010. p. 97.
§ MAGALHÃES, Marionilde Dias
Brepohl de. Comentários sobre Crítica e Crise. Rio de Janeiro:
EDUERJ/Contraponto, 1999.
§ ROUANET, S. P. As
razões do iluminismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1992.
§ ROCHA, Luiz Gonzaga. Ciência,
Artes e Literatura Maçônica. Brasília: UnyLeya, 2016.
§ RIVAROL, Antoine.
(1753-1801). Memories, Ed. Berville, Paris, 1824.
§ SQUIERE, P. Absolutismo.
In: BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Giafranco. Dicionário
de Política. Brasília: UNB, 1997.
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