O imponente Edifício Maçônico, epicentro das atividades da Ordem em Cuba, localizado na Avenida Salvador Allende, no centro de Havana. |
A maçonaria cubana é a única no mundo
tolerada por um regime totalitário.
O que está por trás disso: o papel dos
maçons na Revolução ou a filiação dos próprios irmãos Castro?
Cuba é o único caso de país de regime
marxista duro que tolera em todo o seu território uma importante sociedade
secreta de fundo esotérico: a maçonaria. Hoje, na bela e conturbada ilha de
Fidel e Raul, florescem nada menos que 318 lojas maçónicas, frequentadas
abertamente por cerca de 30 mil membros inscritos. Números bastante altos para
um país de população tão pequena. A santeria – culto
afro-cubano primo-irmão dos nossos candomblé e umbanda –
é, em Cuba, o único outro sistema de poder esotérico capaz de concorrer com a
maçonaria em termos de existência razoavelmente livre e solta.
Várias histórias correm na ilha, tanto nos
meios maçónicos quanto fora deles, para explicar esta curiosa tolerância. Alguns
dizem que Fidel e Raul são maçons, mais provavelmente o segundo. Outros afirmam
que se trata de um dever de gratidão: durante a revolução cubana, Fidel Castro
ter-se-ia refugiado numa loja maçónica, onde encontrou abrigo e protecção. Por
isso, ele nunca fechou nem um único templo maçónico nem perseguiu os seus
membros.
O fato é que, hoje, a Grande Loja de Cuba –
epicentro das atividades da organização no país – é inteiramente regular e
reconhecida pela maioria das grandes lojas maçônicas ao redor do mundo.
Facto incontestável, e que talvez tenha a ver
com esta tolerância, é que a própria independência de Cuba foi alcançada em boa
parte graças à acção de maçons franceses e cubanos. A maçonaria surgiu em Cuba
em 1763, a partir de lojas militares inglesas e irlandesas. Quando os ingleses
partiram, chegaram os franceses, aos milhares, fugidos da revolução no Haiti em
1791. A primeira loja realmente cubana foi o Templo das Virtudes Teológicas,
fundada em Havana em 1804 pela Grande Loja da Luisiana.
O que torna única a presença da maçonaria em
Cuba é o papel que ela desempenhou durante as três décadas de luta pela
independência do jugo espanhol entre 1868 e 1895. Os três grandes líderes
revolucionários – José Martí, Antonio Maceo e o “pai da nação” Carlos Manuel de
Céspedes eram, todos eles, maçons. Historiadores dizem hoje que foi impossível
para os revolucionários comunistas varreram para debaixo do tapete a afiliação
maçónica desses três heróis nacionais. Mas a verdade é que pouco ou nenhum
esforço foi feito nesse sentido. A imensa maioria dos presidentes cubanos,
começando por Carlos Manuel de Céspedes, foram maçons.
Há outras características curiosas no
comportamento da maçonaria no seio da sociedade cubana. Claro, ela é monitorada
pelo governo que quase certamente mantém agentes e informantes infiltrados no
interior das lojas. Mas são muito raras as intervenções abertas ou as
limitações impostas aos cultos. Para manter este confortável estado de coisas,
os líderes maçons cubanos preferem não adoptar posições de confronto com as
políticas do regime. Apesar disto, eles recebem de braços abertos nos seus
quadros um grande número de dissidentes.
Após o desmembramento da União Soviética –
que era o maior parceiro comercial de Cuba – o governo cubano facilitou ainda
mais as coisas para a maçonaria, autorizando-a a participar em cerimónias
públicas e a abrir várias novas lojas. Contudo, o funcionamento regular de
todas as lojas maçónicas ainda está sujeito à permissão por parte das
autoridades, e a publicação de livros e panfletos maçónicos é bastante
restringida pelos serviços de censura governamental.
A Grande Loja de Cuba, conhecida popularmente
como o Edifício Maçónico, foi construída por volta de 1955 para as funções de
Templo e sede central das entidades maçónicas de Cuba e chegou a albergar a
Universidade Maçónica. Trata-se de um edifício imponente, incluído entre as
obras arquitectónicas mais significativas da cidade de Havana. Encontra-se na
actual Avenida Salvador Allende, no centro da capital cubana. Sem esquecer que
o chileno Salvador Allende, amigo e aliado dos irmãos Castro, era maçom convicto.
A jornalista italiana Anna Lombardi,
do jornal La Repubblica, conseguiu um feito inédito: visitar a
Grande Loja de Cuba, em Havana, e vários outros templos maçónicos na ilha. Mas
não apenas: Lombardi entrevistou líderes maçons cubanos e participou de rituais
fechados da Ordem. O seu saboroso relato foi publicado na revista “Il
Venerdì di Repubblica“, edição nº 1301, de 22 de Fevereiro de 2013.
Transcreve-se o seu artigo:
AS
LOJAS DE CUBA – ASSIM SOBREVIVEM OS MAÇONS NA ILHA DE FIDEL
Por: Anna Lombardi (La Repubblica,
Itália)
Um edifício numa aldeia perdida na Sierra
Maestra, na porta os símbolos maçônicos do esquadro e compasso: dizem que em
1956 esconderam-se nela Fidel Castro e os seus barbudos apenas desembarcados do
Granma. E foi exatamente no interior dessa velha loja maçónica de montanha que
o futuro Líder Máximo criou aquele Movimento 26 de Julho que em poucos anos
teria varrido para longe a ditadura de Fulgêncio Batista, inspirando-se nos
ensinos de José Martí, o herói cubano pai do movimento independentista da ilha.
Herói e maçom. Como outros revolucionários latino-americanos (e não apenas) do
final do oitocentos: de Benito Juárez a Simon Bolívar. Dizem ser por isso que,
uma vez no poder Fidel, em reconhecimento, tolerou a maçonaria: ordem
misteriosa (os afiliados preferem defini-la “discreta”) que em todo o mundo
compartilha ritos e símbolos naquilo que define “incansável busca da verdade”.
Claro, muitas histórias são contadas em
Havana. Que a tolerância de Fidel para com a maçonaria deve-se ao seu afecto
por um seu professor maçom. Que o padre Angel, famoso proprietário de trras,
era um afiliado. Que se trata de um gesto de respeito ao seu amigo Salvador
Allende, também maçom. Até algumas teorias direitistas, das quais a Internet
está cheia, segundo as quais o próprio Fidel é um iniciado. Ou, pelo menos, o
seu irmão Raul…
Qualquer que seja o segredo que se esconde
por trás da complacência dos Castro em relação à Ordem, é certo que a cubana é
a única maçonaria tolerada por um regime totalitário. Foram os franceses em
fuga da revolta dos escravos no Haiti em 1791 a levá-la para Cuba.
Mas já em 1859 Cuba orgulhava-se de possuir
uma loja autónoma, a mesma que opera até hoje. Ela escapou inclusive à
homologação cultural pós revolução que aconteceu em 1959, embora alguns
“irmãos” tivessem proposto a sua dissolução, sob a alegação de que “no novo
contexto político certos ideais não tinham mais razão de existir”. O Grão Mestre
daquela época fugiu para a Flórida com todo o seu estado-maior, e a partir de
Miami passou a lançar anátemas sobre os seus confrades que permaneceram na
ilha, desencorajando-os de eleger um novo chefe.
Hoje, na ilha, existem 318 lojas frequentadas
por mais de trinta mil afiliados. O número tem aumentado ultimamente: “Depois
da queda do Muro de Berlim” contou um antigo Grão-Mestre ao New York Times
Diz Mark Falcoff, experto em América Latina
da revista Foreign Affairs, que foi exatamente este fator que permitiu à
maçonaria cubana manter a sua autonomia. Evitando a política, a organização
pode discutir temas “incômodos” como o aborto e a globalização. E pode acolher
nas suas fileiras muitos dissidentes do regime: dos 75 presos durante a
Primavera Negra, a onda repressora de 2003 que visou jornalistas, sindicalistas
e outros opositores, doze eram maçons. “Mas a Loja não foi envolvida no caso“,
contou um deles, o jornalista Jorge Olivera ao jornal Chicago Tribune.
Oficialmente, o governo elogia a maçonaria
por estar ligada aos momentos mais nobres da história cubana. Mas a Grande Loja
precisa de qualquer modo pedir permissão para qualquer coisa: desde depor uma
coroa de flores aos pés da estátua de José Martí até a publicação de um simples
manual ritual. Em privado, os seus membros lamentam-se da presença de
infiltrados, fazendo ameaças veladas quando um estrangeiro frequenta um tanto
em excesso a Loja. Mas todos pensam que, no futuro, a maçonaria terá um papel
importante no processo de reconciliação das diversas almas do país.
Certo, nem todas as lojas gozam de boa saúde.
Muitas, sobretudo as que estão muito distantes da capital, estão em ruínas. Mas
todas citam o Grande Templo Nacional Maçônico, um edifício de onze andares
coroado por um esquadro e compasso, situado no número 508 da Avenida Salvador
Allende, em Havana. Quando foi inaugurado, em 1955, era um dos mais modernos de
Cuba e um dos mais ricos, como testemunham ainda hoje os pequenos sofás de
couro azul ou as colunas encimadas por globos luminosos. É aqui que acontecem
os ritos colectivos. É aqui, entre essas paredes, medalhas e espadas, que o
Grão Mestre e o Grão Secretário mantêm os seus escritórios. Há também um museu,
uma biblioteca aberta ao público e um asilo que abriga os maçons idosos e
administra as doações – sobretudo medicamentos – enviadas pelas lojas
americanas e europeias.
Nos subterrâneos localiza-se a escura “câmara
de reflexão”; nela, em companhia de esqueletos e outros símbolos da vanitas (vaidade)
humana, o aspirante a iniciado começa a sua aprendizagem. “Morre” para depois
renascer para uma nova vida no interior da comunidade. Um ritual simbólico que,
no país da santeria, o culto sincrético que une elementos africanos a elementos
católicos, foi enriquecido com passagens ainda mais macabras.
Mas pode ter sido exatamente este mix o
factor que suscitou, ulteriormente, o favor dos Castro. Os irmãos sempre usaram
os símbolos da santeria a seu favor. Como aconteceu em 1959 – uma semana depois
da fuga de Batista – quando Fidel, durante um comício, fez com que duas pombas
brancas – símbolos de Obatalá, versão local de Cristo – pousassem sobre os seus
ombros.
Santeria e maçonaria, em resumo, para obter
consenso na Cuba pós Revolução. A primeira, útil para fascinar a população
afro-americana, pouco representada no regime. A segunda, útil para garantir a
simpatia da esquerda latino-americana. Foice e martelo de um lado, régua e
compasso do outro.
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