“Nem todo velho é bom só por ser
velho. Ao contrário, se não acumularmos bom humor, autocrítica, certa
generosidade e cultivo de afetos vários, seremos velhos rabugentos que afastam
família e amigos” (Lya Luft)
O termo “rabugento” logo traz à mente a
fisionomia de uma pessoa que reclama de tudo, vive se queixando e implicando
com tudo e com todos, e não se restringe a idade ou gênero específicos. Nos
dicionários colhemos ainda: ranzinza, ranheta, briguento, birrento,
mal-humorado, impaciente etc. Com certeza, a associação com “rabujo”, que
significa fedor, sarna ou mau cheiro, e provoca um afastamento estratégico,
permite-nos entender o simbolismo envolvido.
Seguramente, um número bem reduzido,
excetuando-se os praticantes do socrático “conhece-te a ti mesmo”, se dá conta
da situação e, como sempre, os outros é que nos “reconhecem como tal”, pois
identificar uma pessoa com essas características é relativamente fácil.
Nesse cenário, inconcebível não vir à mente a citação bíblica sobre ficar
olhando o cisco no olho do irmão e não prestar atenção na trave que há em nosso
próprio olho.
Antes de prosseguir informamos,
cautelarmente, que os comentários e exemplos abaixo, pertencentes à esfera da
ficção, que qualquer semelhança com a realidade de nossas lojas é mera
coincidência. Trata-se de “causos” capturados durante peregrinações com a
Escola Maçônica. Poder-se-ia até supor que a narrativa calhasse em Oriente
longínquo, preferentemente de outra Potência, quiçá “irregular”. Mas, a
caricatura pode ser proveitosa como um sobreaviso para que não nos deixemos
sucumbir frente às garras da rabugice.
Deparamo-nos, eventualmente, com situações em
que obreiros atravessam a ritualística e quebram a harmonia dos trabalhos com
comentários paralelos, julgando-se senhores do certo e do errado. Outros
apontam deslizes de forma abrupta, como se donos fossem, com ar professoral e
recorrendo à condição de “fundadores”, usurpando função dos titulares
responsáveis, quando não reclamam de uma determinada circunstância, falando
fora de hora e invocando “questão de ordem”, desconcentrando os demais. Esses
críticos contumazes, em várias oportunidades, ao executarem uma função, cometem
erros similares aos que apontam ou ainda costumam desempenhar o ofício de forma
apática, desobrigando-se a observar as regras.
Poucos, quando não cochilam, resmungam por
nada e o tempo todo, “pensam alto”, reclamam de demora da reunião ou do tempo
de estudos – “o trabalho ficou grande, poderia ter feito um resuminho…se
desse uma boa enxugada ficaria melhor…poderia ter diminuído a falação…perdemos
o primeiro tempo do jogo… ou … o ágape já começou, sabia?!”.
Nas oportunidades em que recebem uma cópia de trabalho, desdenham e o
“esquecem” sobre o assento ao se retirarem.
Ainda não foram confirmadas ocorrências da
espécie, mas já se especula sobre a possibilidade de rabugentos e seguidores
evoluírem no sentido de se colocarem contra proposições da direção da Loja
apenas e tão-somente para obstaculizar a operacionalização de sugestões, ao
impor derrotas e não dar créditos para os proponentes, com demonstrações de
mentalidades tacanhas ou vingativas. Dir-se-ia, talvez, que se pode ouvir nos
átrios comentários do tipo “eu faria diferente…”, típico dos
“engenheiros de obras feitas” ou a “fácil sabedoria ex-post”.
Esperamos que fique apenas no campo da imaginação, mas é importante manter a
vigilância.
Nossos rabugentos favoritos, se não estão
carrancudos, fazem caras e bocas e agitam-se o tempo todo. Ao argumentarem ou
questionarem sobre algum episódio, e mesmo com razão, exprimem nervosismo e
esticam mais do que podem a fala. Nas sessões magnas pedem a palavra, se
inflamam ao tecer arrastadas loas individualmente aos diversos contemporâneos
ocupantes de cadeiras cativas no Oriente, com o uso de frases elaboradas,
expressões emotivas, gestos enfáticos, narrativas de experiências alhures
compartilhadas e nada sobre o ato que acaba de ser realizado, apenas para
desejar um bom fim de semana a todos e a cada um em particular.
Não são raros os casos em que esses amados
irmãos durões se melindram com a mais cortês crítica, dizendo – “já cansei
de falar sobre isso e ninguém me leva a sério, minhas palavras foram levadas
pelo vento. Doravante não falo mais nada”. Na sequência, atravessam um
pedido de desculpa geral e auto impõem-se um obsequioso silêncio. Durante um
bom período se fecham em copas, mostrando-se reticentes em fazer qualquer
comentário. Mas, graças às luzes do Grande Arquiteto do Universo suplicadas na
exortação de abertura dos trabalhos, e depois de alguns afagos, voltam a se
manifestar e a compartilhar os inexauríveis conhecimentos de que são detentores.
Há ainda os que se julgam os únicos a
enfrentar adversidades, sempre se vitimizam e não revelam serenidade para ouvir
os demais quando em uso da palavra. Ai daquele obreiro mais inspirado que ousa
ilustrar uma explanação com um recurso filosófico ou poético, provocando a ira
dos rabugentos a sussurrarem que maçonaria é “coisa de macho”, instigando
sorrisos sarcásticos de concordância por parte de títeres que não refletem
criticamente.
Os mais estrategistas não falam diretamente
nos momentos apropriados, mas enviam recados por intermédio dos mais simpáticos
e acolhedores, com grande movimentação dos Mestres de Cerimônias, que já estão
habituados a ouvir o som do estalar de dedos ou a chamada com um gesto do
indicador. E tem aquele que nos faz lembrar a letra da música “Sabiá” de
Dominguinhos – “A todo mundo eu dou psiu – Psiu, Psiu, Psiu”.
Ex-Veneráveis mais modernos às vezes são persuadidos a levar mensagens dos
rabugentos (diga ao seu Venerável isso, isso e isso…..). Perdoemos, por
ora, os renitentes produtores de efeitos sonoros com copinhos descartáveis e
papeis de balas, que mesmo alertados persistem, lembrando-nos o crepitar de uma
fogueira de São João – nosso Patrono.
Nestes tempos de redes sociais palpitantes e
funcionando as 24 horas do dia, com as caixas de entrada de e-mails superlotadas,
aplicativos repletos de mensagens e vídeos repetitivos, longos, cansativos e
fora de contexto, enviados por impulso e sem nenhuma avaliação prévia, não
podemos deixar de falar dos melindrosos, que por uma opinião divergente, saem
do grupo de WhatsApp – “espírito obsessor”, segundo os
que rejeitam e torcem para que essa tecnologia se exploda – da Loja, por
qualquer motivo, retornam por algum tempo, quando não são bloqueados
provisoriamente pelos administradores para dar uma esfriada nos ânimos, mesmo
sendo portadores da mais alta estima e consideração. Tudo por amor e em nome da
harmonia e da fraternidade.
Se o irmão teve perseverança para ler até
aqui e não se reconheceu em nenhuma das descrições acima (Glória a Deus!),
compreenda que dentro de um rabugento bate um coração afável e incomensurável.
Nesse contexto, vislumbra-se emblemática a mensagem do poema “Amor é Síntese”
de Myrtes Mathias (atribuído a Mário Quintana em determinados sites), que
permitimo-nos propor, com a devida vênia por um oportuno e sutil ajuste em
destaque:
Por favor, não me analise.
Não fique procurando cada ponto fraco
meu.
Se ninguém resiste a uma análise
profunda, quanto mais eu…
Ciumento, exigente, inseguro, carente,
todo cheio de marcas que a vida deixou.
Vejo em cada grito de exigência, um
pedido de carência, um pedido de amor.
Amor é síntese, é uma integração de
dados.
Não há que tirar nem pôr.
Não me corte em fatias, ninguém
consegue abraçar um pedaço.
Me envolva [fraternalmente] em seus
braços e eu serei o perfeito [irmão].
Por tudo isso e mais, a Loja é uma escola onde somos instigados a praticar a tolerância, a aceitar as diferenças e a exercitar o verdadeiro amor fraterno, valorizando o respeito mútuo, desafiando-nos constantemente a estar vigilantes quanto aos nossos vícios e focados na prática das virtudes. Não necessariamente precisamos ter juízo sobre tudo e querer sempre estar certos, alentando o individualismo e o ego. Como diz a sabedoria popular, às vezes é melhor ser feliz, ter uma relação boa com a vida, do que ter razão. A oração de São Francisco é inspiradora (Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz…).
Enfim, torna-se de bom alvitre refletir sobre
o criativo ensinamento do Professor Mário Sérgio Cortella: “A regra
beneditina que eu mais gosto é a regra 34: É PROIBIDO RESMUNGAR! Não é proibido
discordar, reclamar, debater. Resmungar é aquele que ao invés de acender a vela
fica amaldiçoando a escuridão. É uma questão de decisão, de atitude. Decidir
acender a vela, procurar a vela e acendê-la. Por isso, vamos falar como São
Bento: é proibido resmungar. Vai e faça, levante e faça”. Exerçamos,
portanto, a Plenitude Maçônica.
Autor: Márcio dos Santos Gomes
Márcio é Mestre Instalado da
ARLS Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte, membro
da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida, da Academia Mineira
Maçônica de Letras
Fonte: O Ponto Dentro do Círculo
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