Autor: José Maurício Guimarães
A escada de Jacó é um dos temas mais
fantasiosos no pseudo-simbolismo maçônico. Melhor dizendo: as interpretações
dessa famosa escada são mitos que passaram de geração em geração.
Antes de qualquer coisa, precisamos saber
quem foi Jacó e o que é uma escada em termos alegóricos. Jacó era filho de
Isaac e conseguiu enganar o pai fazendo-se passar pelo irmão primogênito.
Assim, recebeu a bênção paterna nesses termos: “Que Deus te conceda o orvalho
do céu e a fertilidade da terra, trigo e vinho em abundância. Sirvam-te povos e
prostrem-se diante de ti nações; sê um senhor de teus irmãos e diante de ti
prostrem-se os filhos de tua mãe. Maldito quem te amaldiçoar e bendito quem te
abençoar”. E prossegue Isaac dizendo: “Não cases com nenhuma das moças de
Canaã. Vai a Padã-Aram, e casa-te lá com uma das filhas de Labão, irmão de tua
mãe. Concedo-te a bênção de Abraão, a ti e à tua descendência, a fim de
possuíres a terra em que vives como estrangeiro.”
(Todas estas passagens estão no livro de
Gênesis, podem conferir – não estou inventando nada.)
Prosseguindo: “Jacó saiu de Bersabéia e, ao
se dirigir para Harã, alcançou um lugar onde se dispôs a passar a noite, pois o
sol já se havia posto. Pegou uma das pedras do lugar, colocou-a como
travesseiro e dormiu. Então, teve um sonho: Via uma escada apoiada no chão e
com a outra ponta tocando o céu. Por ela subiam e desciam os anjos de Deus. No
alto da escada estava o Senhor que lhe disse: ‘Eu sou o Senhor, Deus de teu pai
Abraão, o Deus de Isaac. A ti e a tua descendência darei a terra sobre a qual
estás deitado. Tua descendência será como o pó da terra e te expandirás para o
ocidente e para o oriente, para o norte e para o sul. Em ti e em tua
descendência serão abençoadas todas as famílias da terra. Estou contigo e te
guardarei aonde quer que vás, e te reconduzirei a esta terra. Nunca te
abandonarei até cumprir o que te prometi”. Ao despertar, Jacó disse consigo:
“Como é terrível este lugar! Sem dúvida o Senhor está neste lugar e eu não
sabia. Isto aqui só pode ser a casa de Deus e a porta do céu”. Atemorizado,
levantou-se, tomou a pedra que lhe servira de travesseiro, e a erigiu em estela
(monumento monolítico feito em pedra), derramando óleo por cima e chamando ao
lugar de Betel (Casa de Deus).
Jacó fez um voto, dizendo: “Se Deus estiver
comigo e me proteger nesta viagem, dando-me pão para comer e roupa para vestir,
e se eu voltar são e salvo para a casa de meu pai, então o Senhor será meu
Deus. Esta pedra que erigi em estela será transformada em casa de Deus e
dar-te-ei o dízimo de tudo que me deres”.
Aí está a origem e o significado da escada
“de Jacó” que não é nem escada, nem “de Jacó”. Foi uma visão tida em sonhos de
algo apoiado no chão e com a outra ponta tocando o céu. Em sonhos, repito, Jacó
percebeu anjos de Deus que subiam e desciam. Mas Jacó não subiu nem desceu pela
escada, pois, como ele mesmo disse amedrontado, aquele lugar era terrível, sem
dúvida a casa de Deus e a porta do céu (o terribilis est locus iste latino).
Jacó não ousou prosseguir porta adentro nem subir escada acima. Apenas tomou a
pedra que lhe servira de travesseiro e fez dela um altar comemorativo daquele
acontecimento.
E partiu dali ao encontro de Labão, “pai de
Raquel serrana bela” – conforme versejou Camões – “Mas não servia ao pai,
servia a ela, e a ela só por prêmio pretendia. Porém o pai, usando de cautela,
em lugar de Raquel lhe dava Lia. Vendo o triste pastor que com enganos lhe fora
assim negada a sua pastora, começa de servir outros sete anos, dizendo: — Mais
servira, se não fora para tão longo amor tão curta a vida!”
Isto posto, pergunto aos meus botões de onde
os inventores de Maçonaria tiraram a interpretação de que a “escada de Jacó”
significa a ascensão nos Graus? Que maçons são esses que ousaram subir pela
escada do local terrível, atravessarem a porta do céu, proeza da qual Jacó
jamais pensou em realizar?
Não pretendo escarafunchar toda a literatura
maçônica para provar o que digo. Cito apenas o douto Irmão Joaquim Gervásio de
Figueiredo em seu monumental Dicionário de Maçonaria (Editora Pensamento) que
vê na escada “de Jacó” a representação da “hierarquia dos seres, potestades,
mundos e reinos de vida”.
A escada de catorze degraus em Maçonaria é
outra coisa, assunto de outros ritos que não o escocês e outros Graus que não
os simbólicos. Portanto nem toda escada deve ser confundida com a do sonho de
Jacó.
Para complicar ainda mais as coisas, uma
indevida simbiose com a Teologia Católica misturou o sonho de Jacó (hebreu) com
as Virtudes Teologais apregoadas, pela primeira vez na História, por Santo
Ambrósio de Milão, Santo Agostinho de Hipona, São Tomás de Aquino e São Roberto
Belarmino. Essa interação entre simbolismo maçônico e elementos da fé cristã
(notadamente a Católica Apostólica Romana) nasceu da tentativa de estabelecer
um diálogo entre a fé e a razão. Mas não consta que esses Santos tenham subido
a escada “de Jacó” nem que tenham sido iniciados na Maçonaria. Sinto
decepcioná-los...
Continuar batendo nessa mesma tecla (ou nessa
mesma escada) é andar em círculos por desconhecer a História e a própria Maçonaria.
A escada que aparece num dos painéis do Grau não é a escada dos sonhos de Jacó,
embora muitos artistas inflamados delirem ao desenhar anjos no topo da mesma. A
escada do painel, que de forma alguma deve constar da decoração das Lojas,
pendurada no teto, é uma alegoria referente à elevação moral do homem, e não à
caminhada em direção à morada do Altíssimo.
A Maçonaria, não sendo uma religião, há de
permanecer à margem de quaisquer sectarismos. Um muçulmano, por exemplo, não
verá o Jacó hebreu numa escada nem as virtudes cardinais de São Tomás de
Aquino. Um budista menos ainda! Mas todas as religiões entenderão a escada como
elevação, valoração e crescimento humanos.
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