Ainda hoje é frequente ler e ouvir que a
Revolução Francesa é sinônimo de uma ação vigorosa e organizada da Maçonaria
francesa.
Sendo indiscutível, por múltiplos registros
históricos, que uma grande parte da elite intelectual francesa integrava a
Maçonaria, isso não significa que ela estivesse alinhada, como tal, com a
ideologia revolucionária de então.
A importante presença dos maçons é outro
facto inquestionável, muito ativos individualmente, mas presentes em todos os
campos político-ideológicos, incluindo a nível dos Chouans, que constituíam a
corrente política e militar de defesa dos interesses da realeza.
A primeira iniciativa em torno da criação do mito
dos maçons como autores da Revolução é do abade Lefranc, director do seminário
de Caen que, em 1791, publicou um livro com um extenso título e cuja parte
inicial era “ Le voile levé pour les
curieux ou les secrets de la revolution revélé”.
Uns anos mais tarde surgiu um ex-jesuíta, o
abade Barruel, que publicou um livro que teve várias edições, de que a primeira
é de 1797/1798, com o título “ Les mémoires pour servir à l’histoire du
jacobinisme”.Toda a campanha antimaçónica, visando fazer crer que a Revolução
Francesa foi obra da Maçonaria, acabou por partir dele. Este tipo de
especulações levou, ao longo de muitas décadas, à divulgação de informações
falsas sobre a suposta filiação maçónica de personalidades como Robespierre,
Saint Etienne, Danton, Saint Just, Desmoulins e mesmo Condorcet. Foi
simultaneamente desenvolvida a tese de que o objectivo fundamental da Maçonaria
seria a destruição integral da monarquia francesa, dadas as suas estreitas
ligações ao movimento republicano.
A análise rigorosa dos factos e dos registos
históricos conduz à conclusão de que a Maçonaria, como tal, teve um papel muito
discreto durante a Revolução, senão mesmo nulo, ao contrário da legenda que foi
sendo criada.
Se a nível dos protagonistas revolucionários
o número de maçons é reduzido, eles abundam a nível de príncipes, duques e
membros da “Câmara dos Pares”, de que Montemorency-Luxembourg era um dos nomes
mais destacados da maçonaria, dado o cargo que então ocupava de
administrador-geral do Grande Oriente.
A título de curiosidade histórica, em 1789,
Montemorency-Luxembourg emigrou para o nosso país, onde morreu em 1803.
Logo na primeira assembleia dos notáveis,
Março/Abril de 1787, os maçons que dela fazem parte aparecem divididos.
Albert Soboul, historiador com diversas obras
relativas à Revolução Francesa, afirmou que “ a fraternidade maçônica não
resistiu a rude realidade da luta de classes”.
Pierre Lamarque efetuou uma investigação
rigorosa e bem fundamentada sobre os maçons envolvidos nos Estados Gerais e
publicou o livro, em 1981, com o título “ Os franco-maçons nos Estados Gerais
de 1789 e na Assembleia Geral”.
De acordo com essa investigação é possível
estabelecer a ligação maçónica de 200 deputados titulares e de 37 deputados
suplentes. No caso de outros 14 deputados titulares, essa ligação é possível,
mas não está devidamente fundamentada. Se incluirmos estes últimos, obtêm-se
214 deputados titulares com ligações à Maçonaria. A repartição entre as 3
ordens é a seguinte: Clero- 17 ou 18; Nobreza- 79; Terceiro Estado- 107 a 121.
É entre a nobreza que a percentagem é mais elevada: 28%. No Clero é de 6% e no
Terceiro Estado de 19%. Mesmo que os interesses e as posições de todos os
maçons fossem coincidentes, existiria um “grupo parlamentar” de cerca de 200
deputados num universo de 1200, ou seja uma sexta parte da assembleia. Nas
discussões e votações efetuadas na assembleia as posições dos deputados maçons
eram bem diferenciadas, como foi o caso concreto da discussão da moção que
visava fazer do catolicismo a religião de Estado. Dezanove deputados
participaram na discussão, dos quais seis maçons. Três deles (Toulongeon, Menou
e Régnault) opuseram-se à moção e outros três aprovaram-na (Cazalés,
Mirabeau-Tonneau e d’Espremesnil ).
O destino de alguns dos deputados maçons
também importa ter presente, dadas as ilações que se podem tirar: 2 foram
assassinados; 12 foram guilhotinados; 31 emigraram; e 4 foram presos.
Na Assembleia Legislativa, mais tarde, e
ainda segundo o estudo de Pierre Lamarque, existiam 69 legisladores maçons, mais 32 que foram
iniciados posteriormente. Também nesta situação existiam maçons em todos os
campos. À direita, por exemplo, Pastoret, Theodore de Lameth, o general Mathieu
Dumas e Ramond de Carbonniére. À esquerda, casos como Couthon, Guadet, Granet e
Lacombe Saint-Michel.
Entre 1790 e 1792, verificou-se um rápido
desaparecimento das lojas constituídas por aristocratas.
É facilmente verificável que nas cidades a
maçonaria estava socialmente dividida e cada meio social dispunha da sua loja
específica. A acentuada diminuição do número total de Lojas explica-se não
somente pelas fracturas de opinião entre os seus membros como também devido a
uma maior participação e intervenção nas múltiplas estruturas políticas
surgidas com a Revolução, o que levou muitos maçons a negligenciar a
participação nas sessões maçônicas.
Mesmo na luta entre os partidos Girondino e
Montagnard existem maçons nos dois campos. Em todos os lados do conflito
político, econômico e social que marcou profundamente a França e todo o
contexto internacional, e que foi responsável por um dos maiores avanços
civilizacionais em toda a história conhecida, estiveram maçons como Chaumette,
Marat, quatro dos membros do Grande Comité de Salvação Pública (Barére,
Couthon, Prieur de la Marne, Jeanbon Saint-André), regicidas, numerosos nobres
que emigraram, aristocratas que morreram na guilhotina, etc...
Um facto elucidativo nos confrontos políticos
mais cruciais e que atesta a referida dispersão pelos vários campos é que o
autor da moção que determinou a queda de Robespierre foi o maçon Louchet,
deputado de l’Aveyron e membro da Loja “La Nouvelle Cordialité”.
O período do governo revolucionário foi
particularmente nefasto para a Maçonaria, tendo conduzido à situação da maior
parte das lojas terem deixado de funcionar devido a múltiplos factores, alguns
deles já referidos, embora isso não tenha sido o resultado de uma ação repressiva sistemática e organizada do Poder contra a filiação maçônica.
Segundo Le Bihan, em Paris somente 4 ou 5 lojas se encontravam a funcionar em
1793 e 1794. Por toda a França a situação das lojas era semelhante.
O próprio Grande Oriente de França conseguiu
sobreviver até ao Verão de 1794 graças à atividade do banqueiro Tassin, que
tinha substituído Luxembourg como administrador-geral. Tassin foi condenado à
morte e decapitado em Maio de 1794.
Na análise de todos os aspectos envolvidos
neste importante processo político e histórico, uma das conclusões que
forçosamente se retira é que a Revolução teve um forte impacto sobre a Maçonaria.
Simultaneamente, pode colocar-se a questão
sobre o impacto da Maçonaria sobre a Revolução. E esta não tem uma resposta
fácil, embora existam alguns aspectos fundamentais da vida das atuais
sociedades que tiveram origem na ação da Maçonaria, enquanto tal e não só de
maçons individualmente considerados. Um desses aspectos é a inequívoca
conquista da liberdade de associação e da liberdade de reunião.
Nessa altura a França monárquica não admitia
a liberdade de associação e de reunião, sendo interdita qualquer reunião sem o
prévio acordo expresso do rei. A insistência com que as lojas maçônicas mantiveram as suas reuniões e as sistemáticas desobediências às interdições
acabaram por conseguir uma situação de alguma tolerância do poder real, apesar
de precária. Aliás, a liberdade de associação não estava consagrada na
Declaração dos Direitos do Homem de 1789-91.
Com a Revolução, essa restrição emanada do
Poder Real desapareceu. No entanto, nos primeiros anos do período Imperial foi
publicada legislação que visou introduzir novas limitações à liberdade de
associação e de reunião. Outro aspecto que resulta da ação da Maçonaria é a
conquista da liberdade de consciência, incluindo a liberdade religiosa.
Durante as sessões das lojas maçônicas, os
maçons, ao contrário do que se passava na sociedade em geral, tinham liberdade
de pensamento e de palavra para expressarem e discutirem livremente as suas
opiniões.
No que se refere à questão religiosa, a
tolerância era uma realidade em muitas das lojas onde conviviam fraternalmente
maçons católicos, protestantes e judeus. Importa ter presente outro aspecto
fundamental implementado pelo Grande Oriente de França: a livre eleição dos
dirigentes das lojas por todos os maçons.
A criação do Grande Oriente de França em
1772/73 é acompanhada desta medida contida nas suas disposições
constitucionais, como por exemplo a seguinte: “ o Grande Oriente de França não
reconhece, daqui em diante, como Venerável da Loja o que não for elevado a esta
dignidade pela livre escolha dos membros da Loja”.
Esta conquista da representatividade livre e
democrática é um antecedente marcante em relação ao conjunto das sociedades
mais desenvolvidas já nesse momento histórico.
Finalmente importa reter um facto histórico
muito claro na evolução das sociedades nos últimos três séculos: sempre que há
intervenção dos maçons “o mundo pula e avança”.
Artigo de José Martí transcrito do nº
867 do JB News de 13.01.2013
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