Por Rui Bandeira
Cada Loja é um
mundo particular. No que tem de bom e no que que tem de menos interessante. A
Loja Mestre Affonso Domingues não foge à regra. Uma das suas características é
que no seu seio tudo (tudo não: religião e política estão excluídas) pode ser
debatido. E o nosso conceito de debate inclui, naturalmente, a livre expressão
da opinião de cada um de nós de forma franca, aberta e cara-a-cara. O que cada
um acha que tem de ser dito, diz. Se se exceder, é chamado à pedra e dá as suas
explicações e, se necessário apresenta o seu pedido de desculpas. Mas disse,
não guardou dentro de si.
Claro que quem diz
sujeita-se a ouvir... Entre nós, portanto, ninguém engana ninguém. Todos dizem
o que pensam, ouvem o que têm que ouvir, toda a gente fica a perceber as
posições, as razões, os sentimentos, os estados de alma de cada um. E depois
chega-se coletivamente a uma conclusão.
Quando há que
debater, debate-se. Estejamos sós ou tenhamos visitantes conosco. Às vezes, surpreendemos
alguma surpresa nos olhos de visitantes... Somos assim, sentimo-nos
confortáveis assim, não há razão para escondermos como somos... Poderemos ser
acusados de muita coisa. De hipocrisia é que, com justiça, não!
Mas o mesmo visitante
que porventura arregale os olhos ao assistir aos debates entre nós, se (ou
quando) nos conhecer bem também percebe outra coisa. Podemos debater, podemos
confrontar-nos, podemos resmungar, mas, se alguém de fora tentar pisar os calos
a um de nós tem de se haver com todos, juntos e sem fissuras.
Nós debatemos este
mundo e o outro. Às vezes, discutimos, resmungamos, desabafamos e atiramos
argumentos como petardos. Mas fazemo-lo assim porque podemos.
Porque os nosso debates, as nossas querelas, têm subjacente que todos somos
irmãos e todos somos iguais. Como os irmãos de sangue, podemos ter brigas
sérias, ultrapassadas e esquecidas trinta segundos depois. Porque todos somos
iguais e nos consideramos e tratamos efetivamente como irmãos é que podemos
esgrimir argumentos como punhais, sem receio de criar situações
inultrapassáveis. Falamos francamente - e, por vezes, com dureza - porque
reconhecemos aos nossos iguais e irmãos o direito de falarem conosco com igual
franqueza e, por vezes, dureza. No final, podemos não concordar todos com tudo
(que aborrecimento de Loja que seria...), mas todos ouvimos todos, todos
podemos perceber as razões, as motivações, as preocupações, dos outros. Todos
nos abrimos perante os demais. Compreendemos os demais e demo-nos a compreender
aos demais.
E depois, plácida e
naturalmente, formamos a nossa Cadeia de União. E não é nada raro, nem incomum,
nem motivo de qualquer espanto, que dois manos que minutos antes bravamente se
digladiaram estejam lado a lado dando-se a mãos nessa Cadeia de União e,
juntos, participem no momento de reflexão e comunhão coletiva.
E também não é nada
raro que, no pico de uma acesa troca de argumentos, alguém largue uma piada e
todos - trocadores de argumentos incluídos - se unam em saudável gargalhada,
prosseguindo-se depois o debate, com naturalidade e à-vontade.
Finda a sessão de
Loja, vamos todos jantar. E todos estão lado-a-lado e frente-a-frente,
descontraídos e confiantes uns nos outros. Por vezes - tantas vezes! - os
mesmos que se atiraram antes argumentos e contra-argumentos ali, à mesa,
combinam estratégias, acertam soluções, para, em conjunto, conseguirem
ultrapassar qualquer problema, resolver uma questão, intervir ajudando um
irmão, o que quer que seja.
Na nossa Mestre
Affonso Domingues, nós não discutimos: afinamo-nos mutuamente; não nos
digladiamos: damos e recebemos incentivos para sermos, nós e os outros,
melhores. Afinal, não fazemos nada de mais: é assim que os irmãos se comportam
enre si...
Às vezes fazemos
coisas boas. Às vezes estamos de pousio. Mas todos juntos! Os últimos quatro ou
cinco anos foram duros e difíceis para a sociedade portuguesa. Foram duros e
difíceis para alguns de nós. A Loja inevitavelmente que sentiu essas
dificuldades. Muito teve de se aguentar. Algo teve de se providenciar. Não
fizemos sempre tudo certo. Tomaram-se decisões com que nem todos concordaram.
Mas agora cá estamos para prosseguir e iniciar novo ciclo. Crendo que o pior já
passou. Mais bem preparados, porque atravessámos tempos difíceis juntos e
juntos seguimos para o que esperamos sejam épocas melhores.
Por isso, se um dia
destes alguém nos visitar e deparar com o nosso à-vontade em, sem pudores,
debatermos algo, não se admire, nem se inquiete. Há muito que procedemos assim.
Afinal, é assim que as famílias procedem. Afinal só quem for filho único é que não
experimentou as brigas de irmãos, tão ferozes como espetacular tempestade, mas
afinal tão inócuas que permitem que, momentos depois, se brinque, se galhofe,
se conviva, se construa o essencial comum sem problemas com circunstanciais
desacordos.
A Loja Mestre
Affonso Domingues é, afinal, uma grande família, já com mais de 25 anos de
história familiar. Onde cada um pode ser, e é, ele próprio e é assim aceite e
respeitado. E aceita e respeita os demais. Mais picardia, menos resmungo, isso
são detalhes, meras estratégias para da individualidade de cada um construirmos
e mantermos a identidade comum de todos.
É das diferenças
entre nós que se cimenta a nossa Força coletiva!
É por isso que, com
a nossa indisciplina, com os nossos acordos e desacordos, debates e confrontos,
cooperações e realizações, todos estamos orgulhosamente conscientes de uma
coisa: pode ser que seja só para nós - mas, para nós, a nossa Mestre
Affonso Domingues é a melhor Loja do mundo - e arredores!
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