Por Yves Bomati - Tradução José Filardo
Fonte: Bibliot3ca
Em 6 de janeiro, a
Epifania celebra os três reis magos vindos do Oriente para prestar homenagem ao
Cristo, recém-nascido em Belém. A viagem deles não é questionada, mesmo se a
festa que ela gera consista na partilha alegre de um bolo de “Reis”. O que é a
“Epifania”? Quem são estes magos guiados por uma estrela? E em que este
episódio está relacionado com a maçonaria?
Doze dias depois do
Natal, a Epifania, palavra que significa, segundo a etimologia grega,
“aparição”, marca o retorno percebido da luz após o solstício de inverno. Que
vêm, portanto, fazer ali os Reis Magos, nem hebreus, nem gregos, nem romanos,
na lenda cristã?
O apóstolo Mateus
(2,1-12) indica que eles chegam do Oriente guiados por uma estrela, sem dar
mais detalhes. Não foi senão a partir do século VI que se fixará o seu número e
seus nomes Caspar, Melchior e Baltazar, e que lhes será atribuída uma tripla
origem, Asiática, europeia e Africana, para promover a universalidade almejada
do cristianismo.
A verdade é mais
direta. Quando do nascimento de Cristo, os únicos magos orientais conhecidos
eram os Medos, originários do império persa, o atual Irã. Eles praticavam o
zoroastrismo, a forma reformada do mazdaismo, e eram especialistas na ciência
dos astros. Sem a estrela brilhante que os teria guiou, eles certamente não
teriam empreendido uma viagem de mais de 1.600 km com o único propósito de
depositar ouro, incenso e mirra aos pés de um recém-nascido. A sua missão é
mais fundamental: eles vieram legar ao cristianismo e ao novo mundo, por seu
gesto simbólico, o melhor de sua religião, proporcionando uma ponte entre suas
próprias crenças e o primeiro cristianismo que a permeará amplamente.
A riqueza moral do zoroastrismo
O Avesta, escrito
por vários séculos é o livro sagrado dele. Seus textos mais antigos, os Gathas,
prosódias de lirismo cósmico, são devidos ao profeta Zaratustra (também
conhecido como Zoroastro pelos europeus), e datam do século XVII aC.
Zaratustra é um
“reformador-filósofo”. Antes de sua pregação, o mazdeismo, religião de Ahura
Mazda, resultou de um amálgama de velhas crenças, incluindo a coexistência de
múltiplas divindades. Entre elas, Mitra parece ocupar um lugar proeminente. A
ele se sacrificavam animais, enquanto que durante a sua adoração se consumia
uma bebida energética feita de efedra, a haoma. Ao lado dele, outros deuses
garantiam as colheitas, nascimentos, fertilidade dos casamentos, as estações do
ano, etc. O fogo (Atar), o símbolo da incorruptibilidade era comemorado em
todos os lugares.
É esse politeísmo
que Zaratustra tem a intenção de reformar. Mudando o foco da divindade para as
leis, ele reverencia apenas o princípio primeiro, o ordenador, Ahura Mazda,
rejeitando os deuses, deixando subsistir as noções ou abstrações relacionados a
eles. O zoroastrismo mais puro vai além das tradições, redefine a relação entre
as pessoas e o princípio soberano, o pensamento que o sustenta trazendo com ele
uma revolução social e espiritual.
Ahura Mazda é o
Único. Conceito espiritual que não pode ser representado, ele é onisciente e
onipotente. Ele tem seis atributos, herdados dos antigos deuses, solidariedade
mútua, o Amesha Spenta (“as forças imortais que fazem progredir”) e interfere
na evolução do mundo. O homem, chamado a desempenhar um papel ativo em seus
desígnios, usa suas energias superiores para acessar o Bom Pensamento, a Boa
Palavra e a Boa Ação. Esta colaboração entre o homem e o princípio superior é
necessária em virtude da luta incessante entre as forças da vida (o bem, a
inteligência, a luz) e a não-vida (o mal, o obscurantismo e a escuridão). O
homem é livre para escolher entre a duas, mas deve arcar com as consequências.
Esta é uma pequena parte
da mensagem revolucionária, ordenadora e moral que Zaratustra oferece à
humanidade e que faz dele o fundador do monoteísmo mais antigo do mundo.
A influência de Zoroastro sobre os fundamentos da
Maçonaria Europeia
Sua mensagem
somente penetra na Europa na virada do século XVIII. Na verdade, as Viagens na
Pérsia de Tavernier (1605 – 1689)
e depois de Chardin (1643 -1713)
onde são evocados os ritos de Guebres – outro nome dos zoroastristas – e a
imagem de Zoroastro, guia dos Magos, despertar o interesse dos intelectuais. A
moda é lançada: a tradução do Avesta, parcial, e completa em seguida, as obras
que aparecem em 1700 em Oxford e depois em 1702 em Paris, onde Pierre Bayle
(1647-1706) acrescenta um artigo sobre Zoroastro em seu Dictionnaire historique
et critique, aumentando consideravelmente a influência do zoroastrismo sobre as
correntes emergentes de pensamento.
Ramsay, Cahusac, Mozart… e outros
O Cavaleiro de
Ramsay, bem conhecido nas lojas maçônicas, capturou a temática em 1727 e
produziu um romance bem-sucedido As Viagens de Ciro e logo após um Discurso
sobre a Mitologia que tornam ainda mais popular o profeta-filósofo. A batalha
se trava entre os sábios: para alguns, o zoroastrismo permanece em uma visão de
mundo “dualista” campo de batalha entre o bem e o mal; para outros, incluindo
Ramsay, ele carrega consigo um monoteísmo cósmico cujas consequências
perturbariam a ordem religiosa. Segundo Jean-Noël Laurenti, “o ensinamento
emprestado de Zoroastro tendia a reconhecer um Deus único, e lhe conferia um lugar
essencial entre dois princípios, o bem e o mal. Como o parentesco de tal
religião com o cristianismo era flagrante, e que assim Zoroastro era
considerado mais velho que Moisés, a tentação era grande de concluir que o
cristianismo representava apenas uma forma entre outras de um monoteísmo
acessíveis todos os homens, independentemente da Revelação. (…) Zoroastro se
tornaria, assim, uma figura emblemática do deísmo. ” Não estamos no coração dos
fundamentos da Maçonaria?
A mania por
Zoroastro se estende a todas as artes. Jean-Philippe Rameau criou em 1749 uma
tragédia lírica Zoroastro, reconstruída em 1756 e repetida com grande sucesso.
Ele escolheu como libretista Louis Cahusac, secretário do conde de Clermont,
Grão-Mestre da Grande Loja da França em 1742, que “defende bastante abertamente
os ideais maçônicos, com uma história abordando a batalha da luz contra as
trevas, que ilustra o hino ao sol, Mil Raios Brilhantes (ato 3, cena 5)”.
Mozart, em 1791,
amplia ele também em A Flauta Mágica, a personagem de Zaratustra, sob os traços
e acentos de Sarastro, em um contexto maçônico ainda mais presente. Ao
contrário de seus antecessores, ele foi capaz de compreender melhor a essência
do Zoroastrismo graças à primeira tradução completa francesa do Avesta. De
fato, em 1757, Anquetil Du Perron (1731-1805) reencontrou os Parsis de Bombaim,
descendentes dos zoroastristas iranianos que fugiram ao domínio árabe do século
IX, que provocou a islamização das terras iranianas e trouxe uma cópia do
misterioso Avesta . Ele publica assim, traduzido, em 1771 o Zend-Avesta, um
livro de Zoroastro contendo as ideias teológicas, físicas e morais do
legislador, as cerimônias do culto religioso que ele estabeleceu e várias
características importantes relacionadas com a história antiga dos persas.
Contra todas as
probabilidades, algumas mentes se decepcionaram com o que descobriram. Voltaire
dedica um artigo irônico em seu Dicionário Filosófico: “Não se pode ler duas
páginas do lixo abominável atribuído a Zoroastro, sem sentir pena da natureza
humana. Nostradamus e
o médico das urinas são pessoas razoáveis comparados a esse energúmeno; e mesmo
assim falamos sobre ele, e voltaremos a falar. ”
Voltaire estava
certo em sua última frase. Não se parará de falar de Zaratustra e seus
pensamentos iluminado, livre da escória que o tempo fez pesar sobre ele.
Assim, Zaratustra,
é uma das chaves do pensamento iraniano, também moldou o pensamento maçônico no
século XVIII, sem ofensa a Voltaire. Sua filosofia moral, diferente da que
Nietzsche revelou em Assim Falava Zaratustra, continua a ser, acima de tudo uma
ode à felicidade e um caminho em direção a melhor viver em sociedade, longe das
trevas. Nossos Reis Magos da Epifania não seriam o elo que continua a nos unir
hoje a ele? Sua palavra original, em todo caso, sempre ilumina o pavimento de
mosaico, ao mesmo tempo em que guia os homens para o Bom Pensamento, a Boa
Palavra e a Boa Ação, quando ele escreve nos Gathas:
“Oh! Ahura Mazda
Zarathustra segue o caminho de teus pensamentos mais evolutivos e produtivos
para o mundo. Que pela irradiação da Justiça e da ação que emana do Pensamento
justo, nossa vida material e espiritual tome força e que a Serenidade ilumine nosso
mundo interior e nos leve a uma vida feliz.”
(Os Gathas, canto
VIII, Yasna, hat 43)
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