Por João Anatalino
Uma palavra sobre a
alquimia
Cabe aqui uma
palavra sobre a alquimia. Simultaneamente arte, técnica e ciência do espirito,
essa misteriosa ocupação tem desafiado a argúcia dos historiadores, provocado
perplexidade nos cientistas e alimentado a imaginação dos amadores do insólito
desde tempos imemoriais. Fonte inesgotável de tesouros literários, rendeu
algumas obras primas da literatura mundial, entre os quais o clássico de
Rabelais, As Aventuras de Gargântua e Pantagruel. Segundo alguns autores, os
romances do Graal são alegorias alquímicas que procuram transmitir aos adeptos
da arte de Hermes o seu magistério. Inspirou também famosos contos de fadas,
como O Gato de Botas, Ali Babá e os Quarenta Ladrões, O Pequeno Polegar, As
Viagens de Guliver, etc.e algumas boas obras modernas como as estórias de Harry
Potter, O Alquimista, de Paulo Coelho, os Cem Anos de Solidão de Gabriel Garcia
Marques e outros. Segundo Pawels e Bergier, mais de cem mil livros foram dedicados
a essa prática, o que no mínimo a eleva a fenômeno cultural dos mais
significativos.[1]
Somente essa
constatação já nos parece suficiente para que a alquimia não seja levada na
conta de pura divagação de espíritos fascinados pelo fantástico. Hoje não se
tem muita dúvida que se trata de uma técnica, cuja origem está na prática da
metalurgia antiga - prática essa, como bem demonstrou Ambelain - de caráter
sagrado. Tanto na China, com os taoístas, como no Egito dos faraós, com os
sacerdotes de Heliópolis, ou na Grécia clássica, com os filósofos naturalistas,
foram as técnicas metalúrgicas, aliadas ao pensamento mágico que elas
naturalmente evocam, que deram origem á alquimia. Daí ela se organizou como
ciência da natureza e prática espiritual para o desenvolvimento de uma
consciência superior.
Os trabalhos de
René Alleau e Mircea Eliade demonstraram com muita propriedade que a alquimia,
desde a mais remota antiguidade, é uma arte iniciática, associada aos mistérios
da natureza.[2] Por isso era praticada pelos sacerdotes egípcios e hindus em
seus templos, não só como forma operativa de produção de artefatos preciosos,
mas também como disciplina do espírito para atingir o êxtase espiritual. Mais tarde, os filósofos taoístas e gregos a
elevaram á nível de disciplina acadêmica, organizando-lhe uma epistemologia
própria, fazendo dela uma arte especulativa e empírica ao mesmo tempo. [3]
No Egito essa arte
era própria dos ourives, mestres na fabricação do “ouro falso”, como eram
chamados os artefatos fabricados com metais comuns, submetidos a banhos
dourados para imitar o ouro. Essa atividade era praticada sob a supervisão
direta dos sacerdotes e tida como “arte sagrada”, comparável á arquitetura.
Durante muitos séculos os gregos tentaram descobrir o segredo de tais banhos, e
foi no curso dessas tentativas que eles desenvolveram a forma operativa da
alquimia, especulando primeiro e depois realizando experiências de laboratório,
anotando e analisando os resultados. Com isso deram á essa prática, em
principio uma arte empírica, um caráter de ciência experimental.
Foi na Grécia, já
no século II da era cristã, que apareceu o primeiro tratado de alquimia,
escrito por um filósofo gnóstico de nome Zózimo. Mais tarde, Jâmblico e
Pelágio, mais filósofos do que cientistas, ambos ligados ao pensamento
esotérico, retomaram o trabalho de Zózimo, vinculando a alquimia aos Mistérios
Egípcios e a tradição hermética, com a qual ela ficou identificada desde então.
Associando os símbolos alquímicos á tradição esotérica, fizeram da alquimia uma
ciência do espírito, e mais tarde,
quando ela se integrou á cultura medieval , passou a ser também a Art
d’Amour, pela interação do sonho alquímico com as tradições da Gennete [4]
Foi, portanto, a
partir dos trabalhos de pensadores gnósticos, como Jâmblico, Pelágio,
Olimpiodoro e outros, que a alquimia ganhou o status de arte hermética, já que
foram aqueles autores que divulgaram a lenda que tais conhecimentos teriam sido
legados á humanidade por Hermes Trismegisto, sacerdote que teria vivido três
encarnações no antigo Egito, e em cada uma delas legado aos homens os
conhecimentos necessários para o desenvolvimento da civilização. Na primeira
encarnação Hermes teria ensinado as técnicas de agricultura, na segunda a arte
da escrita e na terceira a metalurgia, com os segredos a ela ligados, entre
eles o da fabricação do ouro e da realização espiritual através da prática
dessa arte. Para os gregos, Hermes foi sucessivamente o deus Osíris, o deus
Toth e o próprio Hermes grego; houve inclusive quem o visse como encarnação de
Moisés e Salomão, já que eram muitas as tradições que atribuía ao rei israelita
a invenção da pedra filosofal.
Entretanto, os
maiores divulgadores da alquimia foram realmente os árabes. Pelos menos, são
muçulmanas ou mouriscas as mais fortes tradições e referências á respeito dessa
prática, em épocas anteriores ao século XII, quando ela penetrou na Europa e
caiu nas graças dos “espíritos de categoria”, na expressão de Pawels e Bergier.
Os métodos da Alquimia
Especializando-se
nas artes da metalurgia, os alquimistas procuravam aprender os processos pelos
quais a natureza produz os minerais. Com esse conhecimento, trabalhando em seus
laboratórios, poderiam repeti-los e realizar transmutações de metais simples em
metais preciosos. Graças a esse trabalho, muitas descobertas no campo da
química, da medicina e da metalurgia foram realizadas.
A possibilidade de
transformar um metal comum em ouro não era um sonho, uma fantasia de loucos
possuídos pelo delírio metafísico, como muitos autores racionalistas o
definiram, mas sim uma prática desenvolvida a partir de uma teoria, que, se
pelo menos não era exata, nada tinha de loucura. Os alquimistas acreditavam que
os metais eram encontrados na natureza na forma perfeita e imperfeita. Os
imperfeitos eram aqueles alteráveis pela ação da natureza. Oxidavam-se,
corroíam-se, alteravam-se pela ação do fogo e outros elementos. Os perfeitos
eram inalteráveis e resistentes a esses elementos. Entre os primeiros listavam
o ferro, o chumbo, o estanho, o cobre; entre os segundos, a prata e
principalmente o ouro.
Todos os metais,
segundo essa teoria, eram formados por dois elementos, que eram o enxofre e o
mercúrio, encontrados em quantidades variáveis em cada metal segundo sua categoria.
O que conferia a cada metal a qualidade de perfeição era a pureza desses dois
constituintes. O ouro era constituído por uma grande quantidade de mercúrio e
uma pequena quantidade de enxofre, ambos muito puros. O estanho, o ferro, o
cobre, ao contrário, eram constituídos por grandes quantidades de enxofre e
pequenas quantidades de mercúrio, ambos mal fixados, ou impuros. Então, para se
alterar as propriedades de um mineral impuro, tornando-o puro, era preciso
submetê-lo a um processo de eliminação de suas impurezas, fazendo-o passar do
estado imperfeito para o perfeito.[5]
O processo pelo qual um metal ordinário pode
ser transformado em ouro é explicado por Ouspensky como sendo uma transmutação
da matéria em seu estado físico para um estado “astral”, por meio da sua
desmaterialização. Dessa forma o metal desmaterializado pode ser “modificado”
pela vontade do operador, retornando ao mundo físico como outro metal, no caso,
o ouro. Esse seria o processo pelo qual os alquimistas realizariam as suas
transmutações. Convenhamos que é uma explicação um tanto imaginosa para uma
operação que ninguém sabe se um dia foi sequer realizada. Só vale citá-la mesmo
em razão do simbolismo que encerra.[6]
Na verdade, no
plano físico, a crença que está no cerne da prática alquímica é simples e pode
ser explicada a nível operacional. Trata-se simplesmente de isolar, pela ação
do fogo e pelas diversas recombinações da sua estrutura, o chamado “DNA” de um
determinado elemento da natureza, que segundo a crença dos alquimistas,
conteria a chamada “alma” dos metais. Isolada essa “alma” e aplicada em novas
combinações atômicas, o metal original mudaria de estrutura.[7]
Maçonaria e alquimia
No plano
espiritual, esse mesmo processo poderia ser tomado como aplicável em relação ao
homem, enquanto ser físico, para transformá-lo num “ser superior”,
espiritualizado ao extremo. Essa seria a fundamentação da ritualística
maçônica, pois, da mesma forma que as técnicas alquímicas realizavam uma
transmutação sobre as moléculas do metal, alterando sua composição, a prática
maçônica obteria o mesmo resultado sobre o espírito de seus praticantes,
alterando-os para melhor.
Os adeptos da arte
de Hermes acreditavam que a matéria bruta, sobre a qual deveriam trabalhar, era
um caos, uma treva espessa, um depositório de energias desorganizadas. Mas no
seu interior habitava a chama divina, a luz dos princípios, o raio, que liberto
das suas amarras físicas, daria ao seu libertador o controle sobre todas as
forças da natureza. Para eles, era também essa energia, que liberada, dava a
todos os corpos, minerais, vegetais ou animais, suas conformações, fazendo
deles um elemento químico, uma planta ou um animal, sendo também responsável
pelos graus em que se organizam seus elementos internos, dividindo-os em
espécies.
Essa energia, que Aristóteles chamava de
enteléquia era a matéria prima do espírito.[8] O espírito, que é luz, habitava
em meio a trevas. Ao ser libertado precisava ser convenientemente dirigido.
Pois assim como os núcleos atômicos de materiais pesados que são rompidos sem
medidas de controle, podem causar explosões imensas, com danos irreversíveis
para o operador e para o ambiente, também o espírito liberado sem
direcionamento, sem “magistério” próprio, pode causar terríveis perturbações.
A alquimia entrou
na Maçonaria pelas mãos dos “maçons aceitos” do grupo rosacruciano, ali pelo
início do século XVII. Ganhou adeptos em todas as Lojas Especulativas,
provavelmente pela analogia que as tradições alquímicas guardavam com a idéia
maçônica, de aprimoramento do espírito através do trabalho manual.
Para os alquimistas,
o trabalho de manipulação da matéria nos laboratórios provocava no espírito do
operador o mesmo resultado que o trabalho de edificação trazia para o
construtor de edifícios. Ambas eram práticas sacralizadas, que levavam ao
êxtase aqueles que nelas eram iniciados. Além disso, a esperança alquímica de
revelação divina, através da manipulação da matéria, estava no mesmo nível da
esperança maçônica, de obtenção da gnose através do simbolismo de um ritual
iniciático. Daí tanto se pode dizer que a alquimia era a Arte Real praticada
operativamente nos laboratórios por filósofos químicos, da mesma forma que a
Maçonaria era uma alquimia espiritual praticada numa Loja maçônica ao invés de
um laboratório. Ambas eram derivações de antigas artes operativas: a alquimia
provinha da prática da antiga metalurgia, a Maçonaria da prática da
arquitetura.[9]
Que tais idéias
fossem associadas a uma disciplina espiritual, visando o mesmo resultado, não
causa nenhuma perplexidade. Afinal, o que pregavam as crenças religiosas e as
tradições iniciáticas de todos os tempos, senão a idéia de que o espírito
humano é um elemento que deve ser expurgado de suas impurezas, para tornar-se
uma entidade “luminosa”, limpa, pura, capaz de alçar-se ao território das
divindades e com elas conviver num nível de igualdade? E não era essa também a finalidade da
religião, a meta da filosofia, a esperança gnóstica e a realização derradeira
de toda experiência mística?
Porque então, pensavam os alquimistas, essa
esperança não podia ser realizada através da manipulação química da matéria,
que ao mesmo tempo realizava a experiência espiritual da prática religiosa e o
conhecimento superior da busca da gnose, de forma especulativa e operativa ao
mesmo tempo?
Foi nesse passo que a Alquimia deixou de ser
apenas a Arte de Hermes, destinada a apreender os segredos da natureza e
aplicá-los na transmutação dos metais, para transformar-se em verdadeira
ciência do espírito, capaz de realizar a iluminação do próprio operador,
levando-o a um estado de consciência superior, que só um verdadeiro iniciado
conseguia atingir. Essa era, pelo menos,
a esperança da grande maioria dos praticantes da Art d’Amour, como ficou sendo
conhecida a alquimia entre os românticos admiradores dessa arte. A esse
respeito escrevem Pawels e Bergier: “ Finalmente pensamos o seguinte: o
alquimista no fim do seu trabalho sobre a matéria vê, segundo a lenda,
operar-se em si mesmo uma espécie de transmutação. Aquilo que se passa no seu
crisol passa-se igualmente na sua consciência ou na sua alma. Há uma mudança de
estado. Todos os textos tradicionais insistem nesse ponto, evocam o momento em
que a “ Grande Obra” se realiza e em que o alquimista se transforma “ num homem
desperto”. Parece-nos que esses velhos textos descrevem deste modo o termo de
todo o conhecimento real das leis da matéria e da energia, incluindo o
conhecimento técnico” [10]
Eis, portanto,
realizada a ascese espiritual, a iluminação buscada pelos místicos de todos os
tempos, a gnose dos antigos filósofos e o “insight” do cientista. O operador
alquímico é agora um Homem Novo, renascido das próprias cinzas, como a fênix da
lenda, como a matéria prima mineral que durante anos a fio triturou, dissolveu,
aqueceu no crisol e cozeu no seu forno, “matando-a’ e “ressuscitando-a”
inúmeras vezes, até que, por um fenômeno de interação entre suas moléculas
modificadas e recombinadas infinitas vezes, produz-se o fenômeno.
E ao mesmo tempo, enquanto o metal se purifica
no decorrer do processo, o operador alquímico torna-se também “purificado”,
como o metal grudado no fundo do crisol. Ele é detentor de todo saber, todo
conhecimento, todos os segredos da natureza e senhor do seu próprio psiquismo.
É o Homem da Terra, feito á semelhança do Homem do Céu, da tradição essênia, o
Homem Desperto das crenças teosóficas, o Homem Universal da esperança maçônica.
Simbolismo alquímico e maçônico
Eis enfim,
realizado o grande sonho da humanidade. Enquanto o alquimista possui agora, um
artefato capaz de introduzi-lo no mais íntimo dos segredos da natureza, que é o
processo pelo qual ela “fabrica” os elementos naturais, ele agora é também,
como homem desperto, um verdadeiro“ eleito” na sociedade em que vive, pois
possui a gnose, a verdadeira sabedoria que tudo transforma.
Essa também é a
simbologia que se aplica ao maçom, homem regenerado pela iniciação, possuidor
de uma consciência superior, que lhe permite “ver” e agir num domínio ampliado
pelo mundo interior que a prática da Arte Real finalmente lhe assegura.
Não é sem motivo
que muitos autores sustentam que o objetivo da Maçonaria é a realização de uma
obra espiritual comparável á grande obra dos alquimistas, representada pela
pedra filosofal. Não é também irracional a comparação que se faz entre a
construção simbólica do Templo de Salomão e a obtenção dessa “pedra”, capaz de
transformar minerais impuros no mais puro ouro.[11]
E não é também, por
acaso que a iniciação maçônica, e o seu próprio catecismo, são pródigos de
evocações a símbolos alquímicos. E tanto se pode dizer que a Maçonaria é uma
espécie de cavalaria simbólica, quanto uma forma de alquimia praticada
especulativamente numa Loja, ao invés de um laboratório, tendo como matéria
prima o psiquismo do praticante, e como finalidade a transmutação do próprio
operador.
Bernard Rogers resume bem essa questão: “O
objetivo que os franco-maçons perseguiam é a construção do Homem, isto é, da
Humanidade Autêntica, concebida como projeto, a partir da construção do
individuo”, escreve aquele autor. “Não causará surpresa”, prossegue ele, “o
fato de que o eixo em torno do qual eles estabeleceram seu simbolismo seja a
construção do Templo de Salomão, sendo o ser humano considerado como a morada
da divindade. A quem venha opor esse propósito a afirmação de que há
franco-maçons ateus, respondamos que nenhum desses, a menos que não mereça sua
qualificação, poderia pelo menos negar sua fé na perfectibilidade do homem,
cuja natureza divina- isto é- luminosa- não pode deixar de ser reconhecida por
quem não tem medo das palavras e se recusa a tornar-se escravo do que esta ou
aquela religião possa exigir dele”.[12]
Por acaso também
não é que a disposição dos símbolos numa Loja maçônica, assemelhe-se, de forma
notável, à quarta prancha do Mutus Líber dos alquimistas.[13] Ambas são visões
simbólicas do universo. Nelas se representa a “energia dos princípios”,
responsável pelas transformações internas e externas que se realizam na
natureza e no homem. É na Loja que a mística da Palavra Perdida, o Verbo
Divino, o Número Único, que na cabala representa o Princípio Criador de todas
as coisas, e na alquimia a “ flos coeli”,“o dom de Deus”, é captada pela alma
humana no momento da iniciação. É essa energia que age, á medida que a
cerimônia avança, para a realização da transmutação do neófito, conferindo-lhe
um status que o eleva de sua condição
anterior de profano á condição superior de iniciado.
O piso da Loja maçônico
Em tudo e por tudo
o magistério alquímico guarda a mais estreita relação com a tradição maçônica.
Tanto é que as cinco telas do Mutus Líber ocupam, na iconografia alquímica, a
mesma posição que o piso mosaico na Loja Maçônica, onde se realizam as
transmutações dos aprendizes, na passagem sucessiva das fases de iniciação nas
Lojas Simbólicas. O piso mosaico, em ambas as tradições, tem a função
específica de “ receber e filtrar a luz” que vem do Oriente, a “ Luz de Rá” das
iniciações egípcias, Principio Criador de tudo que há no mundo. E as cores
desse piso, em preto e branco, repetem as mesmas cores do mercúrio dos
filósofos alquimistas.[14]
Diz-se que o piso
mosaico, na Loja maçônica, é uma representação do piso que ornava o Templo de
Salomão. Mas essa referência histórica é apenas uma informação que não reflete
o seu verdadeiro significado. Na verdade, desde o tempo de Moisés, ou até antes
disso, esse traçado geométrico já representava idéias de alto conteúdo
esotérico. Era utilizado nos templos egípcios, nas antigas sinagogas judaicas e
nos templos greco-romanos como forma de captar e filtrar a luz solar,
orientando-a para um fim determinado. Dessa forma, não é estranho que os
alquimistas tenham utilizado a mesma disposição geométrica para preparar o seu
“filtro”, fundamentados na mesma sensibilidade que tiveram os antigos profetas
e hierofantes.
As antigas
tradições maçônicas dizem que o Templo de Salomão era ornamentado por um piso
mosaico formado por quadrados pretos e brancos, orientados de certa forma. Essa
informação consta de diversos manuscritos antigos, pertencentes ao conjunto que
hoje chamamos de Old Charges ( As Velhas Instruções).[15] É bom lembrar, entretanto, que em nenhuma
parte da Bíblia, ou de qualquer outro documento histórico, esse detalhe foi
realmente informado, o que nos leva a pensar que ele tenha, efetivamente, mais
relação com o simbolismo alquímico do que, propriamente com as antigas
tradições maçônicas herdadas da arquitetura medieval.
O iluminismo maçônico
Por analogia,
podemos comparar o magistério alquímico com a prática maçônica. Há uma
similitude nos objetivos de ambas as tradições e no processo de obtenção de
resultados, que muito se assemelham entre si. Da mesma forma que na prática
alquímica o metal se regenera a partir
de uma conjunção entre a luz e as trevas, na Maçonaria essa regeneração é operada
a partir do sol e da lua. Por isso esses astros estão representados no Oriente
da Loja, atrás do trono do Venerável Mestre. No meio deles, no centro do
triângulo, o “olho onisciente”, reina absoluto.
Essa simbologia,
inspirada em tradições egípcias, é representativa da crença de que tudo no
universo emana da conjunção de dois princípios, resultando num terceiro, que se
propaga por todo o real existente.[16] O sol ali representado é Osíris, ou Rá,
o Principio Criador de tudo que existe no universo. A lua representa Isis, a
deusa-mãe em cujo ventre se opera o milagre da regeneração, e o “olho
onisciente” é o olho de Hórus, o filho que nasce da união de Ísis e Osíris,
após a ressurreição daquele deus. Por ele, a manifestação do Principio Criador
projeta o universo real, dando forma a toda a criação cósmica.
A trindade egípcia,
pintada obrigatoriamente atrás do trono do Venerável Mestre é representativa do
“mistério maçônico” que se opera na Loja, a partir do qual o maçom alcança a
regeneração psíquica pela prática da iniciação. É da luz que vem do Oriente, a
partir da consagração dada pelo Venerável, que o iniciado atinge a qualidade de
homem renascido, após ter sofrido a morte psíquica, simbolizada por sua
passagem pelos subterrâneos e sua descida ao ventre da terra.
Após ter passado um
período perdido nas trevas, realizando diversas provas e viagens, o neófito
“vê” a luz, no momento em que lhe são retiradas as vendas dos olhos. Momento
limite de sua iniciação, ele percebe que essa luz lhe é conferida pelos astros ali
representados, simbolizando que ele, finalmente, superou a primeira fase de sua
jornada iniciática e sabe agora da existência de uma verdade maior que
precisará ser descoberta.
A correspondência
entre o iluminismo maçônico e a tradição alquímica é evidente: o Aprendiz, que
durante longo tempo permaneceu num estado de semente, lançada num profundo
negro, evolui para o branco da regeneração, quando se torna Companheiro e
conhece o vermelho da ressurreição ao tornar-se Mestre. O Mestre que renasce a
partir de Hiram morto, eis o apogeu do processo que simboliza o nascimento de
um maçom na sua plenitude iniciática, pois ao iniciar-se Aprendiz, e ao
elevar-se a Companheiro, ele ainda está em processo de gestação. Será preciso um longo trabalho de manipulação e
aprimoramento do seu caráter até que ele se torne, enfim, o Homem Universal,
alicerce da nova sociedade, justa e
perfeita, que a Maçonaria se propõe construir.
Essa é a alquimia
que se processa no interior de uma Loja Maçônica, que nesse mister, repete o
trabalho feito no laboratório do alquimista.
[1] “Conhecem-se
mais de cem mil livros ou manuscritos alquímicos” , escrevem aqueles autores.
“Essa imensa literatura, á qual se consagraram espíritos de categoria, homens
importantes e honestos, essa imensa literatura que afirma solenemente a sua
adesão a fatos, a realidades experimentais, nunca foi explorada
cientificamente. O pensamento reinante, católico no passado, racionalista
atualmente, manteve em redor desses textos uma conspiração de ignorância e
desprezo. Existem cem mil livros que possivelmente contém alguns dos segredos
da energia e da matéria. Se isso não é verdade, eles pelo menos assim o
proclamam” Pawels e Bergier- O Despertar
dos Mágicos pg. 101
[2] Mircéa Eliade - Ferreiros e Alquimistas – Ed.
Flammarion,1977
[3]
Bernard.Rogers- Descobrindo a Alquimia pg. 28
[4]Gennete é
palavra francesa que designa a instituição da Cavalaria.
[5] Na imagem, o
alquimista moderno em seu laboratório. Fonte: alquimia.blogspot.com
[6]P. D
Ouspensky,- Um Novo Modelo do Universo. pg. 92
[7] Serge Hutin.
História da Alquimia. São Paulo, Cultrix, 1987.
[8] Enteléquia (
em grego entélékhéia) significa a qualidade do ser que tem em si mesmo a
capacidade de promover o seu próprio desenvolvimento. No ser humano pode ser
entendida como a força que o leva a enriquecer o espírito através da aquisição
do conhecimento e também a promover o desenvolvimento do seu organismo em
termos físicos.
[9] Na imagem a 3º
tela do Mutus Liber- Nicolas Flamel, Livro das Figuras Hiroglíficas- Vol 16-
Biblioteca Planeta.
[10] Pawels e Bergier
op citado pg. 99.
[11] Não é sem
razão também que o nome do Rei Salomão sempre foi conectado com as lendas
alquímicas. Dizia-se que esse rei era possuidor da pedra filosofal, que era a
origem da sua incalculável riqueza.
[12] Bernard
Rogers- Descobrindo a Alquimia, pg. 260.
[13] O Mutus Líber
são pranchas ou quadros nos quais se representam, de forma simbólica, as fases
do processo de obtenção da pedra filosofal. É um conjunto de cinco telas
semelhantes as dos painéis das Lojas Simbólicas. Na Maçonaria essas telas têm
como finalidade justamente a representação, através de símbolos próprios, do
processo pelo qual o universo maçônico é construído. É muito difícil não pensar
que tais iconografias não tenham tido uma fonte comum de inspiração. Veja-se, por
exemplo, que os diferentes “quadros”, das diferentes “Lojas” , na Maçonaria
representam cada um, um motivo ligado á uma “ fase” do “iluminismo maçônico”,
que, no seu desenvolvimento e objetivo, equivale, simbolicamente, as diferentes
fases do magistério alquímico. Tal como na Arte de Hermes, a Arte Real se vale desse simbolismo para
transmitir suas mensagens.
[14] Na imagem, o
piso mosaico de uma Loja maçônica.
[15]
Particularmente o chamado manuscrito Dunfries nº 4- que estabelece como
ornamentação necessária de um Templo maçônico essa forma de piso.
[16] Da mesma
forma que na doutrina da cabala, na qual o Princípio Criador se manifesta em
forma de uma esfera de energia chamada Kether e se espalha pelo nada cósmico,
formando a Árvore da Vida, que é o símbolo do universo físico e espiritual.
0 Comentários