Autor: Guilherme Cândido
Eis aqui um termo que chega a nos divertir
diante às criativas especulações sobre sua origem e significados.
A palavra goteira, para nós
maçons brasileiros, indica a presença de alguém que não é maçom tentando
“captar as mensagens” durante uma conversa entre maçons, bisbilhotando sobre
maçonaria na internet, livros e afins, ou no pior dos casos tentando ser um
intruso numa sessão. Aquele cara que sempre te aborda com perguntas sobre
Maçonaria, dizendo que viu não sei aonde que a Maçonaria fez tal coisa, dando o
toque para confirmar se é assim que se dá o “aperto de mão secreto dos maçons”,
dentre outras coisas. Esse cara é “um goteira”.
Antes de prosseguir porém, acho interessante
opinar que não penso serem os goteiras ruins para nossa instituição
(exceto os que tentam entrar em sessões maçônicas, mas estes não considero goteiras e
sim falsários dignos de pena). Muito pelo contrário, talvez devamos interpretar
a aproximação destes homens como uma demonstração sincera de interesse. Se o
irmão souber trabalhar a ansiedade e a curiosidade de um goteira,
transformando-as em vontade de pertencer e trabalhar pela Ordem, dessa goteira certamente
nascerá uma nascente de conhecimento e labor. Tenho dito sempre aos irmãos: de
nada adianta o candidato ser um beato se não tiver interesse pela Maçonaria!
Irá iniciar, muito provavelmente se decepcionar e partir. Muito mais vale um
homem com bons e aceitáveis defeitos a serem lapidados, mas que tenha a vontade
e o interesse verdadeiro de ser um maçom buscador da verdade. Com isso, peço
aos irmãos que vejam com outros olhos quando aquele goteira vier
encher novamente, aí pode estar um grande irmão em potencial.
Mas vamos continuando. Alguns dizem que se
diz goteira porque nossos antigos irmãos reuniam-se em cavernas
e quando viam a aproximação de estranhos e confirmavam não serem verdadeiros
maçons, colocavam-nos de castigo em baixo das goteiras das
estalactites das cavernas. Alguns, um pouco mais sensatos, atribuem ao termo o
fato de um homem não ter respondido o Telhamento de forma
correta, e assim a Cobertura da Loja estaria falha, com uma goteira.
Faz sentido! Se a Loja estiver perfeitamente coberta, não pode haver goteiras em
seu teto, mas ainda não é essa a origem.
Temos o seguinte sobre a função do Cobridor (Tyler),
de acordo com a cerimônia de instalação do Monitor de Webb – Rito de York
Americano (edição de 1865):
“Irmão, você foi eleito Cobridor desta
Loja e eu o investirei com o instrumento de seu ofício. A Espada deve ficar nas
mãos do Cobridor para que ele seja efetivamente capaz de se proteger da
aproximação de COWANS e EAVESDROPPERS (bisbilhoteiros),
e não permitir que ninguém passe a não ser quem esteja devidamente qualificado.
No ritual da Grande Loja de Nevada (EUA),
assim como na maioria das Grandes Lojas americanas, temos na abertura dos
trabalhos um diálogo entre o Venerável Mestre e o 2° Diácono em que se diz em
tradução livre:
“Venerável Mestre:
Qual é o seu dever lá?
2° Diácono: Observar a
aproximação de
COWANS e EAVESDROPPERS
(bisbilhoteiros), e se certificar de que ninguém vá ou venha exceto aqueles
que estejam devidamente qualificados e tenham a permissão do Venerável Mestre.”
Ótimo! Mas antes de prosseguirmos,
vamos procurar nos primórdios da Maçonaria inglesa para ver o que achamos!
Na primeira grande exposição e inconfidência
Maçônica que se tem notícia, Samuel Prichard, em 22 de setembro de 1730 na
Inglaterra, publicou seu “Masonry Dissected” (A Maçonaria Dissecada) contendo
a revelação de vários diálogos ritualísticos e segredos da Maçonaria da época.
Não bastando publicar, ele o fez em um jornal público local. Consequência:
vários goteiras se aproximaram das Lojas! Mas estes tinham o
único interesse de se beneficiar de um fundo de ajuda para maçons existente à
época. Apesar dos pesares, muitos estudiosos agradecem a Prichard, pois se ele
não tivesse exposto o ritual desta forma, talvez nada saberíamos das práticas
maçônicas de outrora.
Na publicação de Prichard, entre perguntas e
respostas do Grau de Aprendiz Admitido, consta:
“Question: Where stands the Junior Entere’d ‘Prentice?
Answer: In the North.
Question: What is his
business?
Answer: To keep off all
COWANS andEAVESDROPPERS.
Question: If a Cowan (or
Listner) is catch’d, how is he to be punished?
Answer: To be placed under
the eaves of the house (in rainy weather) till the water runs in at his
shoulders and out at his shoes.”.
Traduzindo para o bom português:
“Pergunta: Onde ficam os
Aprendizes Admitidos mais recentes?
Resposta: No Norte.
Pergunta: Qual é a sua
função?
Resposta: Manter afastados
todos os COWANS e os BISBILHOTEIROS.
Pergunta: Se um Cowan (ou um
bisbilhoteiro) for pego, como ele deverá ser punido?
Resposta: Deverá ser colocado
embaixo do beiral da casa (enquanto estiver chovendo) até que a água corra
entrando por seus ombros e saindo pelos seus sapatos.
Certo! Temos aqui a origem das coisas! Além
de, supostamente (porque convenhamos que muito provavelmente isso não deva
ter acontecido de fato), um invasor ser punido ficando embaixo da calha durante
a chuva, temos aqui duas palavras cruciais para entender porque os lusófonos
que nos antecederam decidiram adotar o termo goteira: Cowan e Eavesdropper.
Segundo o blog Masonic Dictionary,
as definições são:
Cowan: de origem
desconhecida, mas possivelmente da antiga Escócia, é um termo exclusivamente
maçônico (por isso não tem tradução para o português), que indica um homem que
praticava Maçonaria (operativa) mas que não tinha sido formado e iniciado para
exercer a profissão. Tendo portanto aprendido e exercido a profissão de modo
ilegal, este homem era classificado como um Cowan;
Eavesdropper: Tem tradução
literal deBISBILHOTEIRO no idioma inglês. É alguém que espia a Loja
ou pode ter aprendido algo sobre Maçonaria mesmo sem ser Maçom.
Entendido que o termo cowan não
possui uma tradução literal, mas tendo compreendido seu significado, atentemos
agora à definição em inglês (tradução livre) da palavra eavesdropper.
Segundo o dicionário Webster: “Eavesdropper (eaves.drop.per):
bisbilhoteiro; aquele que fica embaixo do beiral (eaves), ou perto de uma
janela ou porta de uma casa, para ouvir secretamente a conversa de outros”.
Notemos que a palavra eavesdropper,
tem origem na palavra eavesdrop que é, segundo Webster: “Eavesdrop
(eaves.drop) 1. Ficar embaixo do beiral perto de uma janela ou porta de uma
casa, ouvindo o que é dito dentro da casa em privacidade; 2.A água que cai
em gotas do beiral de uma casa”. Estamos quase lá!
Eavesdrop, por sua vez é
formada por duas palavras: eaves e drop,
e novamente segundo o dicionário Webster: “Eaves: As bordas inferiores
do telhado de um edifício, que pendem sobre as paredes e arrematam a água que
cai no telhado.” e “Drop: quantidade de líquido que desce em
uma pequena massa esférica; um glóbulo líquido; uma gota.”.
Fica evidente portanto que eavesdrop é
a água que cai em forma de gotas, que goteja, do beiral ou da calha de um
telhado, ou seja, uma goteira (inclusive alguns tradutores trazem eaves como
sinônimo de goteira, vide Google Tradutor). Fica explícito também que
esta palavra tem, em inglês, a conotação de bisbilhotar. Concluímos portanto
que eavesdropper tem dois significados, tanto de espiar
quanto de gotejar água do telhado, fazendo ambos sentido para nosso termo em
questão.
Está resolvido! Um goteira é
originalmente um eavesdropper, um intruso, um enxerido que
tenta ouvir e conhecer aquilo que não lhe diz respeito, e sua origem em inglês
indica que essa pessoa ficava embaixo do beiral do telhado, do lado de fora da
casa, para ouvir a conversa alheia. Da exposição de Prichard vemos também que,
maçonicamente, seu castigo seria ali ficar para receber umas boas gotejadas na
cabeça!
O motivo pelo qual nossos antecessores
lusófonos não adotaram simplesmente a palavra bisbilhoteiro, não sabemos.
Talvez por terem traduzido eavesdropper apenas como a
água que goteja do telhado, ou talvez para criarem um linguajar maçônico e não
serem óbvios na hora de alertar a aproximação de um enxerido. Quem sabe? O que
sabemos é que o termo pegou.
Em alguns rituais simbólicos do Rito de York
que temos no Brasil, aquele mesmo diálogo na abertura dos trabalhos entre o
Venerável Mestre e o 2° Diácono, já citado anteriormente através do ritual da
Grande Loja de Nevada, ficou como “Intrusos e Profanos” (Rituais emitidos pelo
Supremo Grande Capítulo de Maçons do Real Arco do Brasil, ou pelo Grande
Oriente do Paraná por exemplo) ou “Profanos e Goteiras” (Rituais da Grande Loja
Maçônica do Estado da Paraíba).
FONTE: PAVIMENTO DE MOSAICO
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Referências Bibliográficas
BLOG
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Acesso em dez. 2015.
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Acesso em dez. 2015.
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Acesso em dez. 2015.
______. Eaves. Disponível
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Acesso em dez. 2015.
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Acesso em dez. 2015.
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WEBB, Thomas Smith. Webb’s
Freemason’s Monitor: including the Three First Degrees. Editora C. Morre,
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