Por Ir.'. João Anatalino
Foi
o filósofo Max Weber que melhor descreveu a relação existente entre crença
religiosa e o tipo de atividade econômica exercida pelos povos. Ele observou
que os proprietários do capital, empresários e maioria dos trabalhadores com
qualificação profissional de maior grau, professavam algum credo de origem
protestante. Enquanto os católicos preferiam seguir uma orientação humanística
no campo da educação, os protestantes optavam por uma educação de tipo técnico.
Esse tipo de orientação acabava gerando, como ele constatou na Alemanha, uma
concentração de renda nas mãos dos protestantes. Situação que até há bem pouco
ainda era razão para muitos conflitos, especialmente na Irlanda, onde católicos
e protestantes se matavam uns aos outros nas ruas.
Max
Weber se perguntava a razão dessa tendência dos protestantes para o
racionalismo econômico e chegou à conclusão de que essa orientação provinha
daquilo que ele chamou de ética protestante em relação à forma de ganhar a
vida. Um exemplo dessa ética estava nas máximas de Benjamin Franklin com
relação ao dinheiro: tempo é dinheiro, quem tem crédito tem dinheiro, dinheiro
é produtivo, o bom pagador sempre terá crédito, o comportamento pessoal afeta o
crédito, etc. É uma clara definição do credo capitalista liberal, Nestas regras
ele via a manifestação de certo espírito moral ou uma ética particular, no
sentido de se ter uma ideia da profissão como dever e da necessidade do
indivíduo de se dedicar ao trabalho produtivo como fim em si mesmo. Algo
diferente da velha tradição bíblica, adotada pela teologia da Igreja Romana,
que via o trabalho como castigo dado por Deus ao homem em razão do chamado
pecado original. E da equivocada interpretação da teologia católica que via na
ambição um pecado capital, embora nunca a proibisse nem criticasse quando se
tratava de seus papas, bispos e prelados.
A
riqueza do Vaticano e a hipocrisia do clero católico foi causa de Reforma
Protestante. Isso explica, por exemplo, o fato de povos como o da Inglaterra,
Alemanha, Holanda, Suiça, etc, nações que ostentam uma maioria protestante,
terem construído países de economia forte, alicerçadas no sistema capitalista e
outras, como Espanha, Portugal, Itália, estarem patinando em termos econômicos
até hoje. E a ambiguidade da França, que nunca se definiu por uma corrente ou
por outra. E explica também porque Estados Unidos e Canadá são o que são e a
nossa pobre América Latina ser o que é.
Os
Estados Unidos da América, país capitalista por excelência, foi construído em
cima da chamada ética protestante (especialmente a chamada ética calvinista),
aliada ao pensamento maçônico. Este último, se analisado exclusivamente do
ponto de vista histórico-filosófico, nada mais é que uma inspiração calvinista
enxertada de algum gnosticismo e uma larga dose de chauvinismo sionista.
O
que aliás, também sempre esteve presente no pensamento calvinista, expresso na
sua tese dos "escolhidos" de Deus. Ideias que refletiram no campo
economico, como se pode ver.
Percebe-se
isso claramente quando Weber analisa as raízes religiosas da forma de pensar e
agir dos povos que adotaram a religião protestante, especialmente as populações
que imigraram para a América do Norte. Essas raízes, Weber as identifica no
"conceito de vocação” desenvolvido por Lutero, conceito esse que ele extraiu
da tradução que fez da Bíblia e do termo "profissão" ou
"vocação" (em alemão Beruf) que ele definiu como sendo a de uma
missão dada por Deus a cada homem. Conceito que a Maçonaria moderna apropriou,
diga-se de passagem, quando fez do maçom o “obreiro construtor do mundo
moderno”, ideia que se traduz na metáfora “construir templos á virtude e cavar
masmorras ao vício”, que constitui a divisa mais significativa da Maçonaria.
Não
é segredo para ninguém que Lutero, históricamente um místico que flertou com o
movimento Rosa-Cruz, teve um papel fundamental na origem do espírito do
capitalismo ao dar uma nova interpretação ao conceito do trabalho. Com isso ele
trouxe a prática ascética dos monges, antes dirigida para uma vida
contemplativa e puramente espiritual, para a lida cotidiana, na qual a
preocupação com a economia e o bem estar social passaram a ser tão importantes
quanto a própria questão espiritual. E os mosteiros, as igrejas, os conventos e
demais unidades que sediavam o exercício da religião passaram a desenvolver
atividades produtivas, tornando-se importantes núcleos de desenvolvimento de
tecnologia e fomento das atividades econômicas. Dessa forma Lutero conferiu um
valor religioso ao trabalho, ideia que, a priori, já se cultivava na antiga
Maçonaria operativa, que via no exercicio da profissão de pedreiro uma forma de
ascese que, mais que uma maneira de ganhar a vida, era uma atividade que
elevava o espirito do seu praticante ao território da divindade. Assim, a
disciplina que o monge praticava fora do mundo (ascese extramundana) passou a
ser exigida de todo e qualquer leigo cristão dentro do mundo (ascese
intramundana), pois segundo o próprio evangelho “todo operário era digno do seu
salário”. Isso quer dizer que mais do que a conquista, pura e simples, de um
lugar no mundo das coisas divinas, objeto da prática gnóstica e ideal ascético
dos monges católicos, o homem devia, em primeiro lugar construir o próprio
mundo em que ele vivia com seu trabalho. O anjo com asas, da tradição
escolática e agostiniana foi substituido pelo trabalhador qualificado com suas
mãos e ferramentas de trabalho.
É
nesse sentido que a Reforma protestante passa pela Maçonaria e desemboca no
espirito do capitalismo, embora Lutero ainda visse o tipo de profissão exercido
pelo indivíduo sob uma ótica bem tradicionalista. Com efeito, não era objetivo
de Lutero dar sustentação ideológica ao capitalismo nascente, pois a influência
de suas ideias sobre o valor do trabalho e do capital é concebida por Weber
como uma consequência não premeditada por ele, ou melhor, ele não previu as
consequências que elas teriam sobre a ética que os seus seguidores viriam a
desenvolver nesse sentido. Não obstante, Weber enxerga uma sensível
"afinidade eletiva" entre a moral protestante e a conduta capitalista.
Essa ”afinidade” seria observada de uma forma bastante visível na teoria do
“destino manifesto” com a qual os líderes da nação americana forjaram a
filosofia de vida dos americanos. Líderes esses, que como é de domínio público,
eram, em sua maioria, membros da Maçonaria e estamparam em seus símbolos
nacionais vários ícones adotados pela Ordem.E também pode ser observada com
bastante ênfase nas teorias que fundamentam o liberalismo econômico,
consubstanciadas principalmente nas teses de Adam Smith, que ao justificar a
riqueza das nações, sustentou que ela está fundamentada na liberdade com que as
pessoas dispõem para executar o seu trabalho e aplicar os seus capitais. Nesse
sentido, a chamada “mão invisível” que Smith define como uma espécie de lei natural
organizando o fluxo de capitais e a produção mundial nada mais é do que uma
adaptação do conceito de “vocação” de Lutero, pois nessa ótica cada nação e
cada indivíduo tem uma “vocação” particular e é com o exercício e a aplicação
eficiente dela que a riqueza é construída.
Há
muita verdade nas teses weberianas, embora algumas constestações possam ser
levantadas. É claro que não são apenas as raízes protestantes e católicas das
nações da Europa e da América que podem ser invocadas para justificar o desenvolvimento
econômico de umas e o atraso de outras. Há questões históricas, sociológicas e
principalmente politicas que talvez sejam mais importantes que essas.
Mas
o tema merece reflexão. Principalmente em uma época em que parece, pelo menos
no Brasil, que a palavra ética, moral, decência, comportamento, fidúcia,
elementos que fizeram a espinha dorsal da chamada “Novum Ordo Seclorum” (Nova
Ordem do Século) , construída em cima da ética calvinista e da utopia maçônica
perderam o verdadeiro sentido. Vemos isso principalmente no nosso meio político
onde a bancada evangélica e vários parlamentares maçons comungam com a
indecência, a corrupção, o crime e a imoralidade. Principalmente o chamado
grupo do deputado Eduardo Cunha, composto, em sua maioria, por pastores
evangélicos, que com a iniquidade do seu comportamento devem estar fazendo
Calvino e Lutero se remexerem no túmulo. É mais do que tempo de os tempos se
reencontrarem. Maçons e protestantes têm uma História e um passado a honrar.
Seria bom não se esquecerem disso.
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