A INICIAÇÃO

Sabem todos os Iniciados que não é possível alcançar a Suprema Aspiração, a realização interior, se o discípulo não se apoiar numa tradição organizada, que lhe sirva de base, a fim de poder enfrentar as forças adversas do meio em que vive. Essa tradição não deve ser exclusivamente de ordem social e moral, senão de ordem oculta.
Os que sabem as coisas secretas falam veladamente na Comunhão das Almas Santas, ou na Comunhão dos Santos como diz a Igreja Católica, servindo de eco a um conhecimento mais antigo que ela e cuja sentido verdadeiro lhe escapa completamente. Isto quer dizer que cada Aspirante à Verdade que tenta o Caminho Directo, caminho mais fino que o fio de uma navalha, precisa se apoiar numa Força criada, através dos séculos, pelos seus inumeráveis predecessores nessa vereda espinhosa. Isto porque cada homem que se faz Mestre Perfeito deixa no ambiente terreno o resultado dos seus tremendos e perseverantes esforços, como um Poder Espiritual Consciente que se une aos dos demais Irmãos de todas as épocas, como um Influxo Vivo, verdadeira Torrente Espiritual dirigida para um determinado sentido, constituindo o Poder Espiritual de determinada série de Seres que se sucederam ininterruptamente como Mestre e Discípulo, o que constitui o elemento fundamental de todas as Iniciações. Esse Influxo, essa Torrente Espiritual, remonta à origem das coisas.

Os Gurus, perfeitos conhecedores das Leis da Evolução, dizem não ser possível ao Homem alcançar a Iluminação sem que esteja ligado a essa Torrente ininterrupta, através da qual são comunicados Graus ao discípulo, que variam segundo as Iniciações ascendentes. Essas Consagrações são definitivas, porque ligam o discípulo a um Poder infinitamente superior ao que nele possa existir de mais elevado. Nessas Iniciações são-lhe dados símbolos, palavras e determinados gestos, que são a linguagem que expressa esse pacto tacitamente assumido para com a Tradição Iniciática a que se ligou. Assim, ninguém pode evoluir até à Libertação, num curto período de tempo, sem esse auxílio indispensável. Esse auxílio é uma verdadeira transferência dessa Torrente Espiritual que o Mestre faz ao discípulo, quando lhe confere determinada Iniciação. Por isso mesmo, o Mahatma Kut-Humi diz que os discípulos são envolvidos pelo ambiente do Mestre, para que todas as suas possibilidades, boas ou más, se manifestem.


Certos Místicos do Oriente falam-nos, como já foi dito, no Círculo das Almas Perfeitas, com as quais os candidatos à Iniciação entram em contato para alcançarem proteção e auxílio em suas lutas sempre árduas e cheias de perigos. Esse contato não é o resultado de nenhuma cerimónia de invocação de almas de seres falecidos, senão a elevação do Aspirante ao nível elevadíssimo das Esferas Espirituais onde gravitam essas Almas.

Assim, quanto mais antiga for a tradição esotérica a que se liga o postulante, mais fácil é a sua luta pela conquista da Iluminação. Quando, no entanto, se liga a tradições reconstituídas ou corrompidas, a sua luta se torna mais árdua, não conseguindo, na maior parte dos casos, chegar ao seu elevado objetivo.

Cada Grau que o discípulo alcança é expresso, na Linguagem Universal do Verbo, por uma Palavra que sintetiza todo o Poder da Torrente Espiritual a que está ligado. São as Palavras Sagradas, as Palavras de Passe. Elas são de um enorme poder no Mundo oculto, por isso mesmo só são comunicadas pelo Mestre ao discípulo de boca ao ouvido, na hora da Sagração. Todas essas Palavras derivam de uma única, da Palavra Inefável, a Palavra Perdida, simbolizada pelo AUM (). O verdadeiro segredo ligado a essa Palavra constitui o fruto da mais elevada Iniciação. Mas para que um dia o discípulo possa alcançá-la, é indispensável o apoio da Tradição Oculta a fim de que, assim fortalecido, possa enfrentar, com possibilidade de vitória, as forças antagônicas que tentam afastá-lo do seu objetivo.

Como os Iniciados criaram um Poder Espiritual Ativo, a Humanidade, na sua inconsciência, também gera um Poder incomensurável, formado pelas suas ações, os seus pensamentos, palavras e paixões de ordem inferior. Desse Poder se servem algumas criaturas para a realização dos seus desejos, ódios, vinganças, etc., quando aprendem os processos de entrar em contato com essa Força através, também, de certas Iniciações, tão conhecidas dos denominados Magos Negros. Esse Poder, formado pela coletividade pelos seus impulsos contrários à Lei, considerado Mau pelos espiritualistas, também tem uma consciência, constituída pelos múltiplos agregados das ações nocivas dos homens em todos os planos da sua atividade. Esse Poder é o tão falado Guardião do Umbral, a terrível Potestade que deve ser vencida por todo o candidato à Magia Branca. Como o discípulo, durante milénios sem conta, concorreu mais para esse Poder do que para a Torrente Espiritual da Boa Lei, é claro que fica muito mais ligado a ele pelos poderosos laços das más ações que praticou do que pelas suas vagas aspirações ao Bem Supremo que caracteriza o outro pólo. É este o motivo pelo qual se torna difícil ao Homem libertar-se da soberania do Guardião do Umbral.

É nessa libertação preliminar que se resumem as provas iniciáticas a que é submetido o discípulo. Assim, o discípulo sozinho, tendo apenas por apoio o Poder Espiritual da Tradição a que se filiou, deve cortar, um por um, todos os laços que o prendam à Egrégora Negra.


Podemos agora compreender porque os Iniciados não podem de modo algum interferir nessa luta de vida ou morte em que o discípulo se empenha. Com o choque que ele estabelece com o Guardião do Umbral, todas as más qualidades afloram ao campo do discípulo, do mesmo modo que o contato com a Torrente Espiritual faz desabrochar as sementes do Bem que nele porventura existam, de forma a despertar na sua alma as duas tendências que se defrontam e se degladiam, até que uma delas sucumba para sempre.

Por isso, disse Kut-Humi: “O discípulo deverá, unicamente entregue aos seus próprios esforços, escolher o Caminho da Direita ou da Esquerda, fazendo-se por si só um Adepto da Boa Lei ou um Mago Negro, dependendo exclusivamente de si próprio a escolha do Caminho”.

Publicação da Revista Dhâranâ 142 / 4 – 1951
Fonte: Comunidade Teúrgica Portuguesa

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