Por
Ir.’. João Anatalino
Embora
a crença na reencarnação seja um elemento fundamental na doutrina da Cabala
ninguém precisa acreditar em reencarnação para estar sujeito á lei do Carma.
Porque basta uma única vida para se construir o mérito que torna a alma de um
homem imortal. Pois, pela lei do Carma, as ações humanas, boas ou ruins,
repercutem na eternidade. Para ganhar a iluminação basta, ás vezes, nascer uma
única vez.
Literalmente
a palavra Carma significa “ação”. É uma vontade que inicia um movimento em
algum tempo no passado e tem um efeito em algum outro tempo no futuro. Não
precisa ser o passado anterior a nós nem o futuro posterior a nós. Pode ser o
nosso próprio intervalo de vida, embora a doutrina da Cabala acredite na
existência de vidas passadas e pregue a possibilidade de vidas futuras, com
consequências que se transmitem de uma vida á outras. Isso quer dizer que
podemos estar pagando pecados de vidas passadas e poderemos pagar em vidas
futuras os erros que estamos cometendo agora. Ou ao inverso, se estamos bem
agora, pode ser consequência da nossa virtude anterior, ou então seremos pagos
em uma vida futura pelo bem que fazemos nesta. Assim, inferno e paraíso ficam
mais próximos ou mais distantes de nós e o caminho para um ou para outro fica
bem menos incerto do que na doutrina cristã ou islâmica. Existem mapas bem
precisos que nos levam a um ou outro lugar.
A
lei do Carma não significa necessariamente uma coisa negativa, como usualmente
se pinta. As pessoas costumam dizer, quando acontece alguma coisa ruim “isso é
o Carma de fulano”. Uma grande bobagem. Carma é apenas o resultado de uma
ação. Ele é neutro. Não tem nada a ver com recompensas divinas. Ele é o
resultado do funcionamento da lei do equilíbrio universal, perante a qual todo
movimento, por menor e mais imperceptível que seja, provoca um desequilíbrio em
algum lugar, que por sua vez, terá que ser compensado por outro movimento. É a
lei da ação e reação que funciona no tempo e no espaço. Essa lei foi bem
formulada, em termos científicos, por Edward Lorenz, em 1963, e é hoje
conhecida como a Teoria do Caos. O que serve para estudar a mecânica das leis
universais da matéria serve também para explicar o movimento da energia que
constitui o lado sutil das nossas existências.
Ou
seja, matéria e espírito constituem duas realidades inseparáveis. Um não existe
sem o outro, uma não se desenvolve sem o outra. Assim, a negação da matéria é
negação da própria vida. Por que só vivendo é que se pode praticar a perfeição
que nos fará, novamente, dignos de compartilhar da qualidade do divino. Da
mesma forma que o sagrado se atinge pela transformação do profano, espírito é
matéria que foi sublimada.
Isso
faz do universo um animal único, um organismo tecido por uma rede de relações,
indissociáveis e interligadas por todos os pontos. A lei do Carma atua como um
sistema dinâmico, auto ajustável, que emite um feedback constante que funciona
de acordo com a maneira com a qual nós aprendemos com cada experiência que
vivemos. Assim, a reação que temos com o resultado delas é mais importante do
que a própria experiência. Por que não é o ato em si que se julga, mas como
encaramos o resultado desse ato que importa, porque é esse julgamento que nos
levará ao refinamento da virtude ou ao aperfeiçoamento do vício.
É
por isso que os termos "bom carma" e "mau carma" não são
usados na Cabala no sentido de "bem e mal", mas sim como virtudes a
serem desenvolvidas ou mitigadas no caráter da pessoa. Isso porque as pessoas,
em si mesmas, não são importantes, mas sim os resultados que elas produzem com
suas ações, para o mundo em que vivem. É nesse sentido que a doutrina da Cabala
se assemelha ás modernas concepções desenvolvidas pela chamada PNL (programação
neurolinguística), que vê a estrutura neurológica humana como uma espécie de
Árvore da Vida, subdividida em várias subestruturas, semelhantes ás que foram
desenvolvidas pela Cabala para explicar a construção do universo físico e a
estrutura psico-biológica do homem. [1]
A
Cabala, portanto, é uma doutrina que mitiga as razões do ego em proveito de um
melhor resultado para si mesmo e para a coletividade. Daí a razão dela propor
uma troca de atributos egocêntricos (apego, aversão, ódio, indiferença, inveja,
arrogância) por outros menos egocêntricos, tais como renúncia, desapego, amor,
compaixão, humildade, etc. para que o processo cármico possa ser vivido com
mais inteligência e proveito.
Portanto
karma é resultado de uma ação intencional, consciente, deliberada e voluntária,
e nada tem a ver com destino, fatalidade ou recompensa divina.
Por
isso é que as ações sem intenção, como caminhar, dormir, respirar, que não
geram consequências morais, constituem um karma neutro. Só geram consequências
as ações cujo arbítrio são inerentes á atividade de pensar.
Nessa
concepção, a Cabala e o Budismo chegaram a conceitos paralelos e
complementares. A doutrina budista ensina que existem três portas de entrada
para as atividades prejudiciais ao karma: são o corpo, a mente e a voz. Lista
três ações prejudiciais que podem ser praticadas pelo corpo, quatro pela voz e
três pela mente. As três ações prejudiciais do corpo são matar, roubar e a
prática de comportamento sexual impróprio. As quatro ações prejudiciais da voz
são mentir, incitar a prática de atos maldosos, caluniar e repetir inverdades
sobre ações de outras pessoas. Já as três ações prejudiciais á mente são a
avareza, a raiva e a ilusão. Evitando-se a prática destas dez ações
prejudiciais ao nosso carma, nós não atrairemos consequências similares para
nossas vidas presentes ou futuras.
A
doutrina da Cabala, a esse respeito, vai um pouco além. Para os cabalistas toda
causa tem seu efeito, que é proporcional á energia (física e mental) empregada
na ação e consoante o seu resultado. Isso quer dizer que as condições que
determinam a força ou o peso do carma aplicam-se ao sujeito e ao objeto da
ação. Dessa forma, a lei do carma funciona como se fosse um processo
judiciosamente julgado por uma inteligência superior, cujos parâmetros de julgamento
são:
A
persistência da ação, sem se importar com o resultado; Contumácia.
A
intenção da ação e a determinação com que é praticada; Intencionalidade e
energia empregada.
A
energia mental posta em ação para a estruturação mental da ação. Planejamento.
A
inteligência da pessoa que pratica a ação. Discernimento.
Os
resultados (bons ou ruins) das ações pregressas da pessoa (em vidas passadas ou
na atual). Antecedentes
Então
a questão principal não está na ação propriamente dita, mas na intenção que a
motiva e no resultado que ela trás para o equilíbrio da estrutura cósmica como
um todo. Quer dizer, no livre arbítrio com se age, no propósito egoísta que
impulsiona a ação e no prejuízo que ela causa. Por isso, uma boa definição do
processo cármico está nos versos atribuídos a um filósofo, ou poeta, chamado
Frank OutLaw, que dizem:
“Vigie seus pensamentos; eles se tornam palavras.
Vigie suas palavras; elas se tornam ações.
Vigie suas ações; elas se tornam hábitos.
Vigie seus hábitos; eles formam seu caráter.
Vigie seu caráter; ele se torna seu destino.”[2]
Portanto,
Carma não significa um destino traçado ou um livro de vida escrito, como
acontece na doutrina do Mak Tub. Cada pessoa escolhe seu Carma pelas ações que
realiza na vida. Alinhar-se com nosso Carma significa descobrir qual é a nossa
missão de vida. Uma pergunta útil que se pode fazer nesse sentido é a
seguinte: qual será a consequência da nossa ação para as outras pessoas e
para o mundo em que vivemos? Se tivermos uma resposta positiva para essa
pergunta estaremos no caminho certo para um carma bem alinhado. E então
poderemos repetir as palavras de Plotino com uma boa dose de certeza
científica: “As estrelas em seu percurso combatem pelo homem justo”. Isso é o
que está traduzido na máxima maçônica: levantar templos á virtude e
cavar masmorras ao vício.
[1] Vide capítulo VII, o
desenho da Árvore da Vida e a identificação de cada séfira com a estrutura
física e espiritual do ser humano, . Quanto á PNL ela vê o ser humano como uma
estrutura formada a partir de vários níveis neurológicos que seguem um caminho ascendente
que integra ambiente › comportamento› capacidade› crença› identidade› espirito,
em níveis sequenciais de desenvolvimento. Esse modelo foi criado por Robert
Dilts ( Aprendizagem Dinâmica Vol. 1 e 2- Summus Editorial) para demonstrar os
diferentes níveis neurológicos em que a pessoa reage aos estímulos
(informações) que recebe através dos seus sentidos.
[2] Não se sabe se Frank OutLaw
(fora da lei) é um personagem real ou literário e nem se a frase acima é de sua
autoria. Na verdade, essa frase, ou algo semelhante, é citada constantemente
nos ensinamentos da doutrina budista.
1 Comentários
"Para ganhar a iluminação basta, ás vezes, nascer uma única vez."
ResponderExcluirDiscordo dessa e de outras colocaçõs. Por que, perguntaria alguém interessado?
Pelo simples fato e outras que o autor não levou em consideração que há crianças que vivendo uma apenas uma vida não tiveram oportunidade de progresso. Considere, apenas como exemplo uma criança que viveu algumas horas ou até alguns segundos. Que iluminação é esta conseguida em apenas alguns instantes? Que experiência de vida teve essaa criança? Souza Lima.