O
mito da Fênix é um dos arquétipos mais compartilhados pelo inconsciente humano
em todos os tempos. Iremos encontrá-lo em quase todas as tradições antigas,
geralmente conectado com o anseio humano de imortalidade, ou de um renascimento
em outra forma ou condição de vida.
Diz
a lenda que a fênix (em grego ϕοῖνιξ) é um pássaro que, quando morre, seu corpo
entra em combustão espontânea, e depois de algum tempo, de suas cinzas nasce
outro pássaro. A tradição sustenta que ela é uma ave muito forte, que é capaz
de transportar cargas muito pesadas, e se atacada pode se transformar numa bola
de fogo.
A
lenda descreve a fênix como sendo um pássaro de porte superior a uma águia, com
lindas penas brilhantes, da cor de ouro, com matizes vermelho-lilás. Teria uma
vida bastante longa, podendo chegar a quinhentos anos. Mas houve quem dissesse
que ela poderia viver até 97.200 anos, sendo por isso, o pássaro símbolo da
imortalidade.
O
mito da fênix ficou famoso na mitologia grega, mas provavelmente é bem mais
antigo do que a própria civilização grega. Há registros milenários no Antigo
Egito que falam de um pássaro chamado Bennu, que tinha exatamente essas
características da fênix grega. Ele era o pássaro de Rá, portador da chama do
sol. Diziam que ele era o mensageiro desse deus, e seu ciclo de vida
representava exatamente a duração dos ciclos de vida da natureza, ou seja,
quando grandes mudanças ocorriam na terra. Assim, quando um ciclo estava para
terminar, esses pássaros voavam ao Santuário de Heliópolis, pousavam na pira do
deus Rá e se imolavam na fogueira. Depois de algum tempo, de suas cinzas
nasciam novos pássaros, indicando o renascimento da terra.
Os
historiadores, de uma forma geral, tendem a reconhecer nesse mito um
comportamento natural de certo tipo de garças (hoje extintas) que viviam no
antigo Egito. Quando o ciclo natural das enchentes do Nilo, que ocorriam
invariavelmente de sete em sete anos, diminuía, esse tipo de aves se retirava
para o deserto e botavam seus ovos na areia. Depois morriam em função do sol
sufocante. Os ovos eram chocados pelo calor da areia e dai nasciam os filhotes.
A
lenda egípcia dizia que a ave, sentindo a proximidade da morte, fazia um ninho
com ramos de canela, sálvia e mirra, a qual sendo aceso pelos raios do sol se
transformava numa pira onde ela se imolava. Era um sacrifício natural oferecido
ao Deus Sol (Rá), para garantir o renascimento natural da vida na terra. E das
suas cinzas erguia-se então uma nova fénix, que recolhia os restos mortais da
sua antecessora e os levava até o Santuário de Heliópolis, onde os colocava no
Altar de Rá.
Os
sacerdotes egípcios diziam que as cinzas da fênix tinham o poder de ressuscitar
um morto. Esse mito era tão divulgado entre os povos antigos que o próprio
imperador romano Heliogábalo (204-222 d. C.) quis comer a carne desse pássaro
com o objetivo de conseguir a imortalidade. Mas sendo uma ave mítica, cuja
existência era duvidosa, as pessoas encarregadas de providenciar o bizarro
repasto não conseguiram encontrar um desses pássaros e lhe enviaram uma
ave-do-paraíso, que tinha uma aparência bem próxima da mítica ave.O doido
imperador comeu a ave, mas foi assassinado dois anos depois.
Provavelmente,
a lenda da fênix é uma alegoria adaptada das crenças egípcias a respeito da
morte e renascimento diários do sol. Na religião de Heliópolis, o sol era visto
como um astro-deus que morria e renascia todos os dias. Como ele era sempre o
mesmo, renascido de si mesmo, a analogia com o mítico pássaro ficou
estabelecida e ganhou status de lenda.
Em
algumas tradições ela era identificada com a estrela Sótis. Na Grécia ela era
também reconhecida como o pássaro de Hermes. Na China e no Japão era o símbolo
da felicidade, virtude, força e inteligência. Na tradição cristã, a fénix
tornou-se o símbolo da ressurreição de Cristo. E para os alquimistas era o
símbolo da regeneração da natureza, momento sublime em que a matéria da Obra
começava a sua regeneração para se transformar na Pedra Filosofal.
A
fênix na Maçonaria
No
moderno ritual do Rito Escocês Antigo e Aceito, o mito da Fênix é uma alegoria
que aparece no grau dezoito, consagrado ao Cavaleiro da Rosa-Cruz. Por se
tratar de uma alegoria essencialmente alquímica, ela integra a tradição
hermética da morte ritual e do renascimento em outro nível de consciência, como
acreditavam os alquimistas poder fazer com o material trabalhado em seus
laboratórios e com os seus próprios espíritos.
Aqui,
o recipiendário “perdido nas trevas, na encruzilhada dos caminhos, perto do
total abatimento e da morte, ouve uma voz misteriosa saída do fundo da sua
alma”. (palavras do ritual do grau). É nesse momento que ele reencontra a
Palavra Perdida, oculta sobre as asas da fênix, no instante em que ela renasce
das cinzas. E ele se sente como se “um sopro o penetrasse, no momento em que
murmura, afastando-se, a Palavra que para ele é a revelação de uma nova Luz.” E
dali ele sai reanimado, renovado, porque agora sabe que a Palavra Perdida
significa “ Igne Natura Renovatur Integra”, ou seja que a natureza inteira se
renova pelo fogo, e que essas palavras são justamente as iniciais colocadas
sobre a cruz de Cristo (INRI). É nesse instante que ele tem a revelação final e
fundamental do mistério contido na Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, ou
seja, o vedadeiro significado desse mistério magno da cristandade.
Na
Maçonaria o mito da fênix é invocado em toda sua grandeza iniciática para
mostrar a natureza que se renova em toda sua integridade, pela ação fogo,
que aqui significa tanto o trabalho do
alquimista no seu forno, cozendo e recozendo o material da Obra, quanto o
batismo cristão, conforme preconizado por João Batista. Ambos são analogias que
simbolizam a prática da doutrina renovadora da Maçonaria.
E
rosa mística, centralizada no ponto de encontro dos braços da cruz é esse ponto
crucial do universo, ou da alma humana, onde a Palavra Perdida é recuperada e
faz nascer, da própria morte, a vida renovada. A mística do ensinamento
iniciático se alia à poesia para dizer ao espirito humano que existe uma
esperança, mesmo na mais sombria e aterradora das situações, que é a própria
morte.
Na
tradição Rosa-Cruz, a luz do mundo morre e renasce no centro de uma cruz. Por
isso essa morte e renascimento eram comemorados pelos cavaleiros Rosa-Cruzes
nas vésperas das sextas-feiras santas, em cerimônias que evocavam a última ceia
de Cristo com seus apóstolos, ocasião em que dividiam um carneiro. Nesse
significativo ritual se promove, não só uma evocação á Páscoa hebraica, mas
também o retorno do sol no equinócio da primavera, ocasião em que a natureza
morta pela ação do inverno, recomeça um novo ciclo.
Aí
está, em toda a sua grandeza simbólica e beleza poética, o mito da fênix.
Da
Obra “Conhecendo a Arte Real”, Ed. Madras, São Paulo, 2007.
Por
Ir.'. João Anatalino
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