*Por Edival Lourenço
Três mil anos depois e o
Brasil não aprendeu a lição. Há várias passagens do Velho Testamento que dão
conta de um rei longevo chamado Hiram, que governou Tiro, na antiga Fenícia
(hoje no Líbano) por 34 anos. Seu governo (969-935 a.c) coincidiu parte com
Davi e parte com Salomão, reis de Israel, o grande Império da época.
No início do reinado, o rei
Hiram, juntamente com seus técnicos, fez um estudo minucioso das
potencialidades do pequeno reino. Depois de levantamentos e discussões
acaloradas, chegou à conclusão de que seu país tinha pelo menos duas
potencialidades que poderiam fazer diferença: suas matas de cedros (que vieram
a ser mais tarde os decantados cedros do Líbano) e sua facilidade de navegação,
já que seu terreno tinha características insulares.
Hiram focou nas duas frentes.
Primeiro verificou que a madeira bruta era um produto barato, como ocorre com
as commodities e as matérias-primas até hoje. Se ele fosse vender as toras de
pau, o faturamento seria baixo e em poucos anos suas matas estariam exauridas e
o país ainda mais pobre. Ou pelo menos sem a madeira.
Reuniu novamente seus técnicos
e um deles, o mais tímido e com certa dificuldade para se expressar, acabou
sugerindo, lá do seu jeito, que era preciso agregar valor à madeira. Hiram
sacou logo a novidade e investiu na formação de artífices. Em poucos anos seus
carapinas se tornaram reconhecidos. Eram capazes de fazer qualquer peça
entalhada ou esculpida em madeira, unindo beleza e utilidade como ninguém.
Hiram mandou um diplomata agendar uma reunião com o poderosíssimo rei Davi de
Israel. Esperou muito. Falar com ele não era fácil. Mas quando teve
oportunidade, levou um barco cheio de peças e as presenteou ao vaidoso rei do
grande império. O rei Davi achou a atitude normal, pois era comum receber
bajulação de todo o mundo.
Estava lançada a isca,
portanto. A rainha e as concubinas de Davi acharam aquelas obras tão
extraordinárias que, daquele dia em diante, se precisassem de uma banqueta ou
de um tamborete que fosse, nada servia se não fosse da grife de Tiro.
Ocorreu que o rei Davi estava
projetando a construção do Palácio Real. Precisava importar muita madeira. Não
necessariamente de Tiro. Mas como a diplomacia com aquele reino estava
azeitada, mandou chamar o rei Hiram para adquirir dele as toras de pau.
O dono da madeira, sem muito
trabalho, convenceu o poderoso interlocutor que ao invés de lha entregar bruta,
poderia fornecer as peças já acabadas. Para isso bastava que Israel lhe
fornecesse os pergaminhos com os desenhos das colunas, das vigas, dos tirantes,
dos pontaletes, das portas, das janelas, dos batentes, das alfaias de
ornamentação e tudo o mais. Inclusive, colocou à disposição do rei Davi seus
artífices mais ladinos para verificar se o projeto estava nos conformes, se as
ornamentações estavam dentro das últimas tendências da moda que os carapinas de
Tiro agora ditavam.
Para resumir, Hiram saiu de
lá, levando debaixo do braço, o pergaminho do contrato que lhe abriria as
portas da esperança. Israel compraria todas as peças de madeira manufaturadas e
entregues na obra. Hiram pegou um adiantamento para incrementar a marinha
mercante tirense. (Não seria tirana?) Se não, como faria as entregas a tempo e
a hora? Recebeu cereais para alimentar o povo e mais uns pedaços de terra
agricultável, para ampliar o reino. Em pouco tempo, Tiro se tornou um país
rico, de pleno emprego, de fartura de alimentos.
Com a morte de Davi, assumiu
seu filho Salomão, que queria fazer obras ainda mais opulentas do que as do
pai. (Freud ainda não explicava). Hiram fechou com ele também novos negócios.
Contratou, além da madeira para as obras, a entrega das pedras já entalhadas,
bem como os trabalhos em bronze para o soberbo Templo de Salomão. Como parte do
pagamento, recebeu mais algumas aldeias na Galileia e uma vantajosa parceria no
comércio de navegação exercido por Israel.
A simples atitude do rei
Hiram, de agregar valor à suas toras de pau, marcou o início do grande
movimento colonial fenício: espalhou cidades e mercados na Sardenha, na África
e na Península Ibérica. O resto é a História de um poderoso império.
Em que o exemplo daquele reino
remoto serve para o Brasil de hoje? Nossa madeira vai para o exterior, com
casca e tudo, muitas vezes sem lhe agregar nem mesmo o valor de uma nota fiscal
de exportação. É no contrabando puro e simples. Temos tanto descaso pelo setor,
que até a profissão de carapina caiu no esquecimento. Inclusive o termo
carapina é hoje uma palavra arcaica.
Há suspeitas de que o Brasil
seja o maior produtor de diamantes do planeta. Embora isso não conste de
nenhuma estatística oficial. O aço, o silício, a carne, a soja etc. vão embora
brutos, ou quase, e voltam com beneficiamento fino, dezenas, às vezes centenas
de vezes mais caros, gerando para os outros países emprego e renda. Somos, em
suma, um dos maiores exportadores de matérias-primas do mundo, as chamadas
commodities, com baixo ou nenhum valor agregado.
Para agregar valor às suas
commodities, aquele rei antigo se preocupou logo com a educação do povo. A
nossa a quantas anda? Segundo um recente relatório da ONU, numa comparação
feita com 40 países emergentes, nossos estudantes arrebataram todas as posições
do fim da fila. Ficaram em 40° lugar em matemática, 39º em ciências e 38º em
leitura. Ou seja, uma maravilha para quem aprecia o que não presta. A continuar
com essa administração de jerico, em poucos anos seremos um país ainda mais
pobre, exaurido e mal falado. E ainda insistem em dizer que somos o país do
futuro!
Ó Hiram de Tiro, socorrei-nos.
*Edival Lourenço é escritor
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