A MAÇONARIA E O JOGO DE XADREZ

Por José Maurício Guimarães
A palavra "silêncio" está associada a segredo e sigilo. Segredo é aquilo que não pode ser revelado, o que existe de mais recôndito na pessoa, a significação oculta de seus sentimentos, desejos e pensamentos. Substituam a letra E pela letra A e a palavra segredo torna-se sagrado - algo inviolável, puríssimo, santo; aquilo que não deve ser violado e que não se deixa corromper.
O jogo de xadrez muito se assemelha à vida maçônica, não apenas pelo tabuleiro de casas alternadamente brancas e pretas ‒ como o Pavimento Mosaico. Há passos para cada peça e regras imutáveis para o ataque e captura de determinadas posições. Há a promoção dos peões que alcançam a oitava fileira e todo esforço se resume na proteção do rei, peça chave ou landmarkiana.


O sigilo, por sua vez, pertence à estratégia e ao dever ético que impede o jogador de bem a revelar táticas confidenciais ligadas a determinado ofício ou condição. O oposto do silêncio é a tagarelice, apanágio dos indiscretos ‒ são os "sapos" que se intrometem no jogo com palpites desarrazoados. Falar muito – quebrar o silêncio – é o primeiro passo em direção à profanação das condições sagradas, dentre as quais a vida e a honra são as mais importantes.

Meu amigo médico, Dr. J.N.F. defende a tese de que falar muito emagrece; todo gordo - diz ele - é um sujeito calado, cheio de segredos. Assim diz aquela música antiga: "Quando eu morrer quero ir em fralda de camisa, defunto pobre de luxo não precisa! Cinquenta velhas desdentadas e carecas hão de ir à frente tocando rabeca; e um velho bem barrigudo irá na frente tocando no canudo... " (Os Originais do Samba*).

Mutatis mutandis, o silêncio tem contribuído para a ocultação da ilegalidade. Amedrontada, a sociedade mantém em segredo fatos que deveriam ser revelados. Inconscientes disso, muitos cidadãos concorrem para as consequências da violência, do crime organizado e da corrupção. Os que comandam o jogo substituem algumas letras da palavra segredo e passam a SEGREGAR – pondo pessoas à margem de seus direitos e deveres. Um apartheid adotado pela minoria esperta a cercear a maioria que paga os impostos e trabalha.

Tudo isso seria mero jogo de palavras se não fosse trágico. Entre quadrados brancos e pretos do tabuleiro de xadrez da vida, as peças movem-se às cegas num combate vital, struggle for life. Os peões em passos lentos e impedidos de recuar, mesmo na iminência de serem capturados ou capturados. Uma espécie de terror os anestesia como sapos diante de cobras. As outras peças aguardam em silêncio, lance após lance, as decisões e movimentos de uma guerra que não lhes cabe discutir. A mão invisível decide e todos – torrescavalosbisposreis e rainhas - contemplam, atônitos, o xeque-mate.

Sou um idealista, um sonhador. Imagino outra partida de xadrez na qual os adversários rompem o silêncio e discutem os planos entre si e a cada lance. No xadrez seria impossível. Mas na vida teríamos uma partida onde teriam voz e voto ativa cada um dos dezesseis peões, brancos ou pretos, desdentados ou carecas, mesmo en passant; onde opinassem retilíneas as torres e com igual valor o parecer em esquadria dos quatrocavalos. E que fosse inquirida a deliberação oblíqua e dissimulada dos bispos; interrogado o entendimento multíplice das desocupadas rainhas e, antes da derradeira jogada, nos curvássemos ao julgamento salomônico dos reis ‒ a Arte Real, o suum cuique tribuere. Nessa hipotética partida, o silêncio seria apenas uma questão de cortesia. O sagrado, uma questão de caráter. E no final, sem vencedor nem vencido, as trinta e duas peças seriam recolocadas em seus justos e perfeitos lugares.

Porque na morte, esse nível incomparável do GADU, todos seremos convenientemente  acomodadas numa numa caixa especial, forrada de veludo azul. Todas, sem distinção ou segregação. E o samba antigo, fundo musical: "Quando eu morrer quero ir em fralda de camisa, defunto pobre de luxo não precisa! Quatro velhas que forem de balão,irão segurando nas argolas do caixão, irão segurando nas argolas do caixão..."

"Vaidade, tudo é vaidade". Não foi isso que aprendemos?



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