Por Ir.'. João Anatalino
Geometria
Assim
como a alquimia, as tradições arquitetônicas, em todo o mundo antigo e
medieval, estavam umbilicalmente ligadas ao espirito religioso dos povos que as
praticavam. Templos, tumbas, palácios e fortalezas, todos esses complexos
arquitetônicos eram construídos obedecendo a um plano que tinha mais apelo ao
místico e ao transcendental, do que ás necessidades técnicas e utilitárias das
pessoas a quem eles deveriam servir. É nesse sentido que a geometria, principal
ferramenta intelectual usada para o desenho desses planos, e a arquitetura,
ciência que transforma em realidade esses planos, passaram à categoria de artes
do espírito, muito mais que do que simples realizações da engenharia humana.
Para
os antigos mestres da arquitetura o ofício de construir sempre foi uma Arte do
Espirito. Construir edifícios com estabilidade e beleza era antes uma
manifestação de transcendência, patrocinada pela divindade a quem o templo era
dedicado, do que uma obra de engenho do seu construtor. É nesse sentido que
Salomão, o patrono máximo de todos os maçons da terra, manda Hiran, seu mestre
arquiteto, fundir duas enormes colunas de bronze para sustentar, com
Estabilidade e Força, o templo que ele resolveu construir para abrigar o culto
ao deus hebreu Jeová.[1]
Em
todos os edifícios antigos, a geometria é a principal ferramenta de construção
do plano estrutural da construção. Por isso, a geometria, na tradição maçônica,
é considerada uma síntese da “alma do universo”. É a fórmula segundo a qual
Deus, o Grande Arquiteto do Universo, constrói o mundo. A analogia, pela qual
Deus é comparado a um arquiteto é uma ideia de Platão, que no seu diálogo com
Timeu, chama Deus de Tecton (arquiteto). Assim, Arch-Tecton, o Grande
Arquiteto, seria o Mestre-Construtor do Universo, aquele que constrói o mundo
usando a geometria. Destarte, para os maçons, a geometria é a fórmula sintética
da “alma da natureza” que é transposta em formas e medidas para dar estrutura á
construção. Ela sintetiza a multiplicidade de formas, números e valores que
Deus espalhou no universo. Destarte, o estudo da geometria é o estudo das leis
fundamentais que regem o universo em todos os seus planos e conhecê-la é
conhecer como o universo é construído e como ele se compõe. Esse é o supremo
conhecimento que a tradição maçônica consagra. De acordo com essa tradição, o
mundo nasceu caótico, informe e desorganizado. Por isso Deus criou a geometria,
a ciência das formas, para que a ordem pudesse ser posta nesse caos (ordo ab
chaos). Assim, a geometria é a ferramenta com a qual Deus organizou e pôs ordem
no caos inicial do mundo. Por isso ela é o símbolo da arte sagrada.
ARQUITETURA
Marcus
Vitruvius Pollio (Vitrúvio) arquiteto romano que viveu no século I a.C.
, no reinado de Otávio Augusto, foi o mais famoso arquiteto da era clássica.
Deixou um grande legado no campo da arquitetura e no estudo dessa arte, que
também para os romanos tinha um sentido sagrado e iniciático. Sua obra,
"De Architectura" (obra de 10 volumes, escrita entre 27 a 16 a.C.), continua sendo uma fonte de
inspiração para os arquitetos modernos.
Vitrúvio
pode ser considerado um dos inspiradores da maçonaria. No século I da era
cristã todos os templos que ele desenhava tinham seus altares orientados para o
Oriente, onde o sol nasce. Ele dizia que o arquiteto, mais que um mero
desenhista de edifícios, devia ser um matemático, ou geômetra, com
conhecimentos de música, filosofia, mate mática e astrologia. Na opinião dele
ninguém poderia ser arquiteto se não conhecesse a fundo a geometria. Essa
mística seria reproduzida na construção das igrejas medievais, onde a aplicação
das regras da geometria deveria combinar com todas essas tradições para fins de
se obter um edifício que transcendesse as necessidades do culto e refletisse a
própria espiritualidade que se pretendia refletir nele. [2]
Dessa
concepção mística da arte de construir os filósofos neo-platônicos derivaram
interessantes concepções sobre o espirito, a matéria e a forma, bem como sobre
os planos divinos de construção do universo e do homem. Para esses filósofos, o
homem, tanto no corpo como no espirito seguia o mesmo padrão de construção que
Deus usava para construir o universo. Por isso, quem conseguisse entender como
um era construido também entenderia a estrutura do outro. Na imagem ao lado, o
“homem vitruviano”, desenho de Leonardo da Vinci, inspirado nas ideias de
Vitrúvio, onde ele mostra que o corpo humano também é construído segundo
proporções geométricas e matemáticas que seguem um padrão que podem ser
identificados na geometria do próprio universo físico.[3]
OS COLLEGIA
FABRORUM
Nenhuma
história da Maçonaria seria completa sem elencar os Collegia Fabrorum entre
suas fontes de influência. É evidente que existem consideráveis diferenças
entre aquelas associações e as Lojas Maçônicas tais como as conhecemos hoje e
mesmo como possivelmente funcionavam na Idade Média e início da Idade Moderna.
A similitude aqui é em nível de aproximação entre objetivos, funcionamento e
estrutura, já que tais colegiados incorporavam muitas práticas análogas ao que
temos nas Lojas maçônicas de hoje.
Alguns
historiadores tem reivindicado uma ligação direta entre os Collegia Fabrorum e
a Maçonaria citando a organização conhecida no mundo romano como Colégio dos
Artífices de Dionísio. Supostamente, essa organização teria sido uma herdeira
dos antigos construtores, que desde a construção do Templo de Salomão
continuavam preservando os segredos místicos da arte de construir. [4]
Essa
hipótese busca confirmação na já bem conhecida teoria Comacine, segundo a qual
alguns egressos desse grupo de arquitetos, fugindo das invasões bárbaras,
buscaram asilo em um mosteiro próximo ao Lago Como na Itália, e ali
sobreviveram vivendo como monges, preservando esses segredos durante séculos.
Foram esses conhecimentos que permitiram os povos da Europa reconstruir suas
cidades destruídas pelas invasões bárbaras. Esses arquitetos comacinos teriam
servido de mestres para esses novos maçons, que viriam a ser os antecessores
dos nossos Irmãos operativos medievais. Segundo essa teoria, os comacinos,
agindo como missionários cristãos, fundaram escolas de arquitetura em vários.
países europeus, principalmente nas Ilhas Britânicas, na França e Alemanha,
onde seus ensinamentos prosperaram com maior vigor.
Por
fim cabe citar aqui a teoria proposta por Robert F.Gould em sua História da
Maçonaria (Londres, 1727). Segundo esse autor os Collegia Fabrorum entraram nas
Ilhas Britânicas através dos exércitos romanos, que deles necessitavam para
construir e reconstruir as cidades que foram destruídas na guerra de conquista.
Quando os romanos foram, enfim, expulsos da ilha, essa instituição tipicamente
romana foi recepcionada por seus sucessores anglo-saxões na forma de guildas
formadas pelos profissionais dos mais variados serviços, entre eles, o mais
importante, os pedreiros profissionais.
Essa
teoria tem vários seguidores entre os historiadores maçons e apresenta uma
certa lógica confirmada pela História da civilização nas Ilhas Britânicas.
Todavia, há bem pouca documentação que a confirme.[5]
Há
também quem acredite que os Collegia Fabrorum tenham, de algum modo,
sobrevivido no Império Romano do Oriente, através das guildas dos construtores
bizantinos. Sua influência se fez sentir na Europa, servindo de núcleo para a
fundação das guildas europeias. Teriam sido, segundo essa crença, um importante
elemento de influência na chamada Renascença, principalmente através das suas
ligações com um famoso grupo de arquitetos florentinos. Teria sido a partir
deste último grupo, aliás, que surgiu a chamada Maçonaria Especulativa, grupo
de pensadores que tem a arquitetura como forma simbólica de expressar a sua
filosofia. Essa linha de pensamento nos leva até Leonardo da Vinci, a Paulo
Toscanelli, famoso arquiteto da Renascença, e ao navegador Américo Vespúcio,
que no início do século XVI fundaram a Academia de Arquitetura em Milão, sob os
auspícios da família Sforza. Reunindo em torno de si uma formidável plêiade de
artistas e intelectuais da época, essa Academia foi o foco irradiador do
movimento cultural conhecido como Renascença. As ideias geradas por esse grupo
influenciaram a Europa inteira e penetraram com mais vigor nas universidades e
academias, que nessa altura já se disseminavam por todo o continente europeu.
Essa influência se espalhou também por outras organizações, inclusive as
Corporações de Ofício.[6]
MAÇONARIA
Evidentemente,
a existência dos Collegia Fabrorum não explica, por si só a origem da
Maçonaria, como também os Antigos Mistérios, nem as guildas dos antigos
construtores medievais. Todas essas organizações e manifestações culturais
constituem ligações que podem ser estabelecidas com maior ou menor grau de
certeza, porém nenhuma delas pode ser efetivamente eleita como a legítima
antecessora da nossa Ordem. A verdade é que a Maçonaria, como todo arquétipo
que habita no inconsciente coletivo da humanidade, não tem, como os demais
institutos que moldam o espírito humano, uma fonte única de referência.
Da
mesma forma que os Antigos Mistérios, as guildas medievais, as seitas
religiosas dos judeus, as seitas gnósticas e os diversos clubes e agrupamentos
de defesa de interesses mútuos que já se formaram no mundo, em todos os tempos,
os Collegia Fabrorum ocupam um lugar proeminente nessa eterna luta em que o
espírito humano se empenha, com o objetivo de organizar suas sociedades. A
idéia de agrupar-se, de procurar juntar-se aos seus iguais é uma necessidade
que o homem tem procurado suprir desde a aurora da sua existência. Ninguém
consegue vencer sozinho os desafios que o mundo nos coloca. Por isso é que nos
reunimos em grupos. Essa á a forma de colocarmos ordem no caos (Ordo ab Chaos),
missão que o Grande Arquiteto do Universo nos confiou.
Por
isso a história da Maçonaria é a história do sentimento de cooperação e da
ideia da fraternidade universal entre os povos. É, em última análise, a
história da Irmandade. Seja ela ligada por laços de uma mística idéia de que um
dia essa união já existiu em seu estado mais perfeito, e que se pode
recuperá-la pelo espírito da egrégora, seja simplesmente pela cultura pura e
simples das virtudes que tornam a vida social mais feliz. Essa é a esperança e
o objetivo de toda Irmandade e é para realizar essa ideia que a Maçonaria
existe.
[1]
As chamadas colunas Boaz e Jakin (B J) símbolos maçônicos de grande
transcendência.
[2]
Ver Fulcanelli- O Mistério das Catedrais- Ed. Esfinge-Lisboa, 1942
[3]
Sobre a mística da arquitetura antiga ver Viollet-Le-Duc- Dictionary of
Medieval Archicteture, no qual esse medievalista discorrre sobre o esoterismo
da geometria usada pelos arquitetos medievais para construir os seus edifícios.
[4]
Hipótese defendida pelo Irmão da Costa- History of the Dionysian Artificers
–Ensaio- Loja The Montana Mason - November 1921,
[5]
Um desses raros documentos é a constituição do lendário Rei Athelstan, da
Inglaterra, que século X, outorgou aos profissionais de construção do país um
estatuto regulando essa profissão
[6]
SUTTON, Ian; História da arquitectura do Ocidente; Lisboa: Verbo, 2004
João
Anatalino
FONTE: RECANTO DAS LETRAS
FONTE: RECANTO DAS LETRAS
0 Comentários