Por Rui Bandeira
A
Maçonaria é uma instituição ancestral e que preza a Tradição. Mas, como todas
as instituições ancestrais bem sucedidas, sabe preservar a Tradição, adaptando
os seus usos e costumes ao evoluir dos tempos e das sociedades. Só assim evita
ser anacrónica e mantém interesse e importância e valor, ao longo da passagem
dos anos, décadas e séculos.
O
século XXI lançou-nos a todos na voragem da Sociedade da Informação. As
chamadas Novas Tecnologias permitem aceder a mananciais de informação que ainda
há poucas décadas - há poucos anos... - eram impensáveis. A Maçonaria não pode,
não deve, obviamente, ser indiferente às consequências desta evolução. Não
deixou de fazer sentido a subsistência do segredo maçônico. Mas a mitificação
do mesmo, essa sim, não me parece que seja vantajosa, nem para os maçons, nem
para os profanos.
A
Maçonaria prossegue objetivos honrosos e louváveis. É frequentemente denegrida
por quem, sendo-lhe hostil, a acusa de prosseguir propósitos menos
recomendáveis e, sistematicamente, esgrime com o segredo maçônico como alegada
prova dos tenebrosos propósitos da Maçonaria. Em época de acelerada circulação
da informação, não basta à Maçonaria seguir o seu caminho, não ligando aos cães
que ladram à passagem da caravana. Porque tanto ladrido de tanta canzoada acaba
por impressionar quem o ouve. A Maçonaria deve continuar a prosseguir o seu
caminho, apesar dos rafeiros e seus latidos. Mas, para bem de si própria e
elucidação de todos, nestes tempos de abertura de informação, deve mostrar e
informar para onde vai, porque vai e como vai. Assim todos verão qual o caminho
e não se impressionarão com a barulheira dos canídeos, que todos poderão ver
ser vã e sem motivo que a sustente.
O
segredo maçônico é um dos objetos dos latidos. Pois bem, é tempo de mostrar, a
quem estiver de boa fé, que esse vozear não tem razão de ser. Não abandonando o
segredo maçônico ou traindo os compromissos assumidos. Mas explicando os
limites, a natureza e as razões do dito segredo. Quem estiver de boa fé
perceberá. Os outros... continuarão a ladrar, mas já impressionarão menos...
Na
minha opinião, não há um segredo maçônico. Há dois. Um exotérico e outro
esotérico. Quero com estes adjetivos significar duas diferentes realidades. No
meu entendimento, o segredo maçônico exotérico é aquele que é constituído por
matéria ou conhecimento que é suscetível de fácil apropriação por qualquer
pessoa, que sem dificuldade de maior pode ser transmitido por quem o sabe a
quem não o sabia. Inversamente, o segredo maçônico esotérico não comunga dessa
facilidade de apreensão e de transmissão. O segredo maçônico exotérico só
existe enquanto e na medida em que for preservado por todos aqueles que o
detêm, os maçons, nos seus respetivos graus e qualidades. O segredo maçônico
esotérico existe independentemente de qualquer esforço de preservação, porque o
seu teor não é suscetível de ser adequada e completamente transmitido por quem
atinge o seu conhecimento (apenas alguns, maçons ou não). Tem de ser
descoberto, num esforço individual, mediante um percurso de autopreparação para
o atingir e reconhecer, em que cada patamar atingido é condição necessária para
poder conseguir-se chegar ao seguinte. Este segredo existe independentemente de
qualquer propósito de preservação por quem o detém. Direi mesmo que existe
apesar dos esforços e das tentativas de partilha por quem o descortinou.
Dito
de outro modo: o segredo maçônico é composto por uma parte que não é sequer
particularmente importante (o segredo exotérico) e subsiste graças e na medida
dos cuidados dos maçons na sua subsistência; e existe também uma outra
componente (o segredo esotérico) que existe independentemente da vontade dos
seus detentores, por impossibilidade de sua adequada e completa transmissão,
seja por via oral, seja por escrito. O acesso a este implica vivência,
experiência, vontade, esforço. Não basta ouvir ou ler. Portanto, o segredo que
se guarda não é especialmente importante e o que importa não se consegue
transmitir...
O
segredo maçônico exotérico é constituído por quatro aspetos:
1.
Reserva
da identidade dos maçons que não se hajam assumido publicamente como tal;
2.
Reserva
de divulgação das formas de reconhecimento entre os maçons;
3.
Reserva
de divulgação de rituais e de Cerimônias;
4.
Reserva
de divulgação do teor concreto e específico dos trabalhos de qualquer reunião
de Loja ritualmente realizada.
5.
Talvez
com exceção da última faceta, o segredo maçônico exotérico é um verdadeiro
segredo de Polichinelo: só não o conhece quem não quiser. Basta um pouco de
esforço e trabalho para apurar o seu conteúdo. Então com as possibilidades
atualmente disponíveis com as Novas Tecnologias de Informação e os potentes
motores de busca universalmente disponíveis, aceder a esse conhecimento é uma
pura questão de perseverança, trabalho e alguma habilidade. Ao contrário do que
vulgarmente se pensa, está tudo publicado. Só é preciso descobrir onde... E -
esta será porventura a maior dificuldade - destrinçar entre o que
verdadeiramente é e o que é falso, ou imitado, ou errada, ou desajustada, ou
intempestivamente utilizado.
O
objetivo primacial do segredo maçônico exotérico é permitir aos maçons saber,
de uma forma exclusivamente a si acessível, quem é e quem não é maçom - e
também que grau detém quem é maçom. Nos tempos de antanho, foi essencial. Hoje,
nem por isso. Outras formas de saber, rápida e eficazmente, quem é e quem não é
maçom existem. Hoje, a facilidade e rapidez das comunicações, particularmente
das telecomunicações e da comunicação eletrônica, permitem, em caso de
necessidade, fácil e rapidamente verificar junto de uma Grande Loja ou de uma
Loja se fulano é seu membro. Antigamente, era diferente. Daí que a importância
do conhecimento da forma de obter essa informação, e a sua preservação, fosse
nuclear. As realidades da vida, da evolução e do desenvolvimento em muito
erodiram a necessidade e importância do segredo.
Sendo
assim, porque continuam os maçons a preservar esse já não tão importante
segredo? Por duas razões, uma acessória, outra essencial. A acessória é que,
embora a necessidade de preservação das reservas de informação tenha diminuído,
seja menos importante, não cessou completa e universalmente, não perdeu TODA a
importância (ainda há locais onde é perigoso ser maçom). A essencial é que os maçons
preservam o segredo maçônico
PORQUE
SE COMPROMETERAM, POR SUA HONRA, A FAZÊ-LO.
Sendo
assim, porque se continua a exigir aos maçons esses compromissos de honra? Não
já pela necessidade de antanho. Ou não já essencialmente. Nem também por um
cego tributo à Tradição, o continuar a fazer agora assim porque dantes assim se
fazia. Antes como um exercício permanente do que é na essência inerente à
condição de maçom. Um maçom é um homem livre, apenas escravo da sua palavra;
sério, sempre preservando a sua honra; cumpridor dos seus compromissos, apenas
porque se obrigou a eles. A palavra de um maçom vale tanto ou mais do que um
contrato escrito, é mais duradoura do que se tivesse sido gravada em pedra.
Independentemente da importância do assunto. Um homem só é honrado e de
confiança se o for nas pequenas como nas grandes coisas. A verdadeira palavra
sagrada de um maçom é a sua palavra de honra.
É
portanto em execução desse princípio inderrogável de que o maçom cumpre sempre
a sua palavra, seja-lhe ou não conveniente, seja o assunto importante ou sem
destaque particular, que este preserva o segredo maçônico. Porque se
comprometeu a fazê-lo. Independentemente de ser ou não ser já importante fazê-lo.
Mesmo que, por esse mundo fora, esse segredo, total ou parcialmente, tenha sido
centenas ou milhares de vezes exposto. Se o não fizesse, sabia-se merecedor do
opróbio e desprezo unânimes dos maçons. E um maçom só o é na medida em que seja
reconhecido como tal pelos seus pares...
O
maçom preserva o segredo maçônico porque se comprometeu a fazê-lo e esse
compromisso continua a ser exigido aos maçons como forma de exercício diário,
constante, permanente, dos deveres inerentes a um homem honrado, livre e de
bons costumes. Outros existem que, diz-se para aí, pontuam a sua pertença à
organização em que buscam a excelência através do cilício, da mortificação do
corpo. Os maçons buscam a excelência do caráter, do espírito, e portanto
exercitam continuamente o caráter e o espírito. Uma das formas de o fazerem é
honrando escrupulosamente os seus compromissos. Independentemente de serem
importantes. Sem questionar a eficácia ou o interesse desse cumprimento.
Sendo-lhes indiferente que outros, mais fracos ou imerecedores, porventura
tenham falhado esse cumprimento.
RESERVA DA IDENTIDADE DOS MAÇONS QUE NÃO SE HAJAM
ASSUMIDO PUBLICAMENTE COMO TAL
Mesmo
nas sociedades mais abertas e com maior inserção social da Maçonaria, mesmo no
Brasil, nos Estados Unidos ou em Inglaterra, existem preconceituosos contra a Maçonaria
que, se tiverem o poder e a posição para tal, podem subrepticiamente prejudicar
um maçom apenas por o ser - embora porventura ocultando o seu preconceito e
usando uma qualquer outra desculpa ou justificação... Também nas sociedades
mais abertas e com maior inserção social da Maçonaria se continua a justificar
uma atitude prudente em relação aos preconceituosos e, portanto, o cumprimento
do princípio de não revelar que alguém é maçom, se esse maçom não assumiu
publicamente essa condição.
Uma
outra razão justifica ainda o cumprimento deste princípio. A Fraternidade
implica o reconhecimento da dignidade do outro em todas as circunstâncias.
Implica o respeito pelo outro, pela sua inteligência, pelas suas escolhas. Se
um maçom divulgasse que outrem tem essa qualidade, sem que o visado tivesse
previamente assumido a mesma publicamente, estaria, sobretudo a desrespeitá-lo,
a desrespeitar essa sua escolha. Se o visado não se tinha assumido publicamente
como maçom, isso resultava de uma análise do mesmo, de uma escolha sua. Análise
e escolha que era seu direito fazer e que só a ele competia fazer. Divulgar que
esse que se não assumiu como maçom é maçom corresponde a substituir, a
desvalorizar, a desconsiderar, o juízo por ele feito, em favor do juízo (ou da
falta de juízo...) do próprio.
A
decisão de cada um se assumir publicamente como maçom a cada um pertence. Não
pode, não deve, ser apropriada por nenhum outro maçom. E não o é. Em nome do
respeito pelo outro, pela sua inteligência, pela sua capacidade de análise,
pelas suas escolhas, que é inerente ao elo que une todos os maçons: o elo da
Fraternidade. Trair esse elo, mais do que trair o outro seria traição ao
próprio e a todos.
RESERVA DE DIVULGAÇÃO DAS FORMAS DE RECONHECIMENTO
ENTRE OS MAÇONS
Antigamente
era, em muitos locais, perigoso ser maçom. Ainda hoje o é, em várias partes do
globo. Os maçons tinham necessidade de se conseguirem reconhecer uns aos
outros, sem necessidade de perguntar. Com efeito, se um maçom perguntasse a
outrem se também era maçom e esse outrem não só não o fosse como denunciasse
quem o inquirira, estava o caldo entornado... Havia, pois, que arranjar maneira
de um maçom se poder assegurar que outro homem também tinha essa qualidade, de
forma que, se assim fosse, o interrogado soubesse que tal interrogação lhe
estava a ser feita e soubesse responder da mesma forma, mas que, se o
interrogado não fosse maçom, não se apercebesse sequer da interrogação. Havia
que criar uma forma de um maçom se dar a conhecer como tal, de maneira que só
os maçons se apercebessem disso e só eles reconhecessem essa forma. Havia que
poder testar se alguém que se arrogava de ser maçom efetivamente o era. E,
sobretudo, havia que tudo isto fazer de forma discreta, apenas perceptível por
quem devesse perceber. E havia obviamente, que guardar segredo dessas formas de
reconhecimento.
Antigamente,
não havia as facilidades e rapidez de comunicações e de deslocação que há hoje.
Os agregados populacionais eram fechados, muito mais isolados do que agora e,
sobretudo, mais distantes, em termos de tempos de viagem. Ir de Lisboa ao Porto
demorava dias. Ir de Lisboa a Londres demorava semanas. Ir da Europa à Ásia, a
África ou à América demorava meses. Um viajante que chegava a um qualquer local
era um desconhecido e desconhecia todas ou quase todas as pessoas desse local.
Se se arrogava qualquer título ou condição, não havia meios de comunicação
rápidos que permitissem verificar, em terras distantes, se o afirmado era
verdade.
Viajar
era demorado e perigoso. Os maçons em viagem podiam beneficiar do auxílio de
seus Irmãos. Muitas vezes sendo - viajante e residente - desconhecidos um dos
outro. Não bastava ao viajante dizer que era maçom. Tinha de comprovar essa
qualidade.
Antigamente
era, pois, essencial que existissem formas de reconhecimento discretas,
eficazes e de conhecimento restrito aos maçons. Que deviam ser e eram avaramente
guardadas em segredo.
Essas
formas de reconhecimento eram e são constituídas por determinados sinais, por
certas palavras, por específicos toques. Os sinais permitiam que os maçons se
reconhecessem como tal no meio de uma multidão, se preciso fosse, sem que mais
ninguém se apercebesse. As palavras permitiam confirmar esse reconhecimento,
constituindo uma segunda forma de verificação, que confirmaria a identificação
ou permitiria desmascarar impostor que, por conhecimento ou sorte, tivesse
efetuado corretamente um sinal de identificação. Os toques, discretos,
permitiam, além de uma fácil identificação mútua absolutamente discreta e
insuscetível de ser detectada por estranhos, também desmascarar impostores,
pois não bastava, nem basta, usar um certo toque: é preciso saber quando o
usar, para quê e que deve suceder em seguida...
Sempre
os sinais de reconhecimento foram objeto de curiosidade profana. Por quem
perseguia a Maçonaria e os maçons, por razões evidentes. Por quem, não sendo
maçom, gostaria de se infiltrar entre os maçons ou, viajando, beneficiar da
ajuda que os maçons residentes davam aos maçons viajantes. Ou, simplesmente,
por quem era curioso...
Milhares
e milhares de maçons conhecem os sinais de reconhecimento. Ao longo do tempo,
milhões de maçons acederam a esse conhecimento, nas quatro partidas do Mundo.
Houve zangas. Houve dissensões. Houve abandonos. Houve traições. Houve
inconfidências. Um segredo só é verdadeiramente secreto se for conhecido apenas
por um - e, mesmo assim, se este não falar a dormir... Era inevitável que as
formas de reconhecimento dos maçons fossem expostas. Existem livros. Existem
filmes. Existem vídeos. Existem panfletos. Existem, hoje em dia, inúmeros
suportes em que estão expostas aos profanos as formas de reconhecimento dos maçons.
Mas também existem publicados nos mesmos suportes formas de reconhecimento
falsas ou inventadas ou simplesmente ultrapassadas... Quem está de fora tem o
magno problema de descobrir o que é verdadeiro e o que é falso, de distinguir o
certo do inventado, de descortinar o que se mantém vigente e o que foi
ultrapassado...
Por
isso, ainda hoje, as formas de reconhecimento vigentes, apesar de conhecidas
por milhões, apesar de repetidamente expostas, continuam a ser úteis e
eficazes.
Mas,
mesmo que algum profano consiga conhecer os sinais, palavras e toques certos e
consiga descobrir quando os utilizar e como o fazer corretamente, ainda assim
só logrará, quando muito, enganar alguns maçons durante algum tempo e acabará -
porventura mais cedo do que mais tarde - por ser desmascarado como impostor.
Porque não basta executar o sinal certo na hora precisa, pela forma correta,
nem dizer a palavra adequada, pela forma prescrita, a quem deve ouvi-la, nem
dar o toque acertado, no momento asado e sabendo o que se deve passar a seguir.
Tudo isso já é suficientemente complicado - mas não basta! Tudo isso, ainda que
porventura executado de forma atinada, constitui ainda uma determinada
informação: que quem o fez tem um determinado nível de conhecimentos, uma certa
postura e compostura, um exigível comportamento, um específico nível de
desenvolvimento pessoal, social e espiritual. Ser maçom e ser reconhecido como
maçom não é só conhecer e saber executar sinais, palavras e toques. Isso é o
que menos importa. É, sobretudo, saber fazer um percurso, utilizar um método,
avançar num caminho.
As
formas de reconhecimento são apenas sinais exteriores básicos e nem sequer
particularmente importantes. Isso também, mas sobretudo muito mais, é que faz
com que um maçom seja reconhecido como tal pelos seus Irmãos.
Reservo
o segredo dos sinais, palavras e toques que constituem as formas de
reconhecimento dos maçons, porque a isso me comprometi. Mas digo e afirmo:
podíamos divulgar, publicar, mostrar, explicar, exemplificar, ensinar, filmar e
exibir o filme, executar todos os sinais, palavras e toques de reconhecimento;
podíamos ensinar a toda a gente como e quando e por que forma utilizar cada um
deles. Ainda assim, pouco tempo e apenas um razoável cuidado bastariam para
reconhecer quem efetivamente é maçom e quem, ainda que perfeitamente executasse
todos os sinais, palavras e toques, não o é!
Porque
ser maçom é muito mais do que saber sinais, palavras e toques. Ser reconhecido
como tal implica muito mais do que essas minudências, pois não basta saber
sinais, palavras e toques para ser reconhecido maçom. É preciso efetivamente
sê-lo e vivê-lo e praticá-lo.
Que
nunca ninguém se esqueça disto. Seja profano ou tenha sido iniciado.
Especialmente estes!
RESERVA DE DIVULGAÇÃO DE RITUAIS E DE CERIMÔNIAS
Os
maçons estruturam o seu trabalho em Loja mediante rituais. A abertura e o
encerramento dos trabalhos são sempre executados da mesma forma, a maneira
como, durante os trabalhos, cada um fala ou se movimenta em Loja está
tipificada, etc.. Os maçons assinalam também diversas situações, individuais ou
coletivas, consideradas significativas com Cerimônias meticulosa e ritualmente
executadas. Assim sucede com a Iniciação, a Passagem, a Elevação, a Instalação,
a Consagração de Loja, etc..
A
preservação do segredo sobre os rituais e Cerimônias é uma das obrigações dos maçons.
Quanto aos rituais, porque são parte integrante da identidade da instituição,
que só fazem sentido no âmbito da mesma. A pior coisa que se pode fazer a um
conceito, uma informação, uma declaração, é descontextualizá-la. A
descontextualização atraiçoa o espírito, o propósito, o aspeto, do conceito, da
informação, da declaração. Torna-o, ou pode torná-lo, inentendível.
Desvaloriza-o. Quiçá, submete-o a ridículo. No entanto, no seu devido contexto,
os rituais maçônicos, não só são entendíveis, como são fonte de estudo e
iluminação. Não só têm valor, como são fonte de união. Não só são seriamente
tomados e executados, como são fonte de fortalecimento do espírito de grupo e
da fraternidade entre os maçons.
Os
rituais só fazem plenamente sentido se e quando executados no local e pela
forma próprios, por e perante quem está apto a compreendê-los. Expô-los aos
olhares profanos seria permitir que juízos turvados pela ignorância, obnubilados
pelo preconceito, prejudicados pela distância, extraíssem conclusões erradas,
perfunctórias, vãs.
Quanto
às Cerimônias, acresce ainda um outro motivo para o seu teor e o seu desenrolar
ser reservado não apenas aos maçons, mas aos maçons do grau em que são
executadas, ou superior. É que é importante preservar o fator surpresa, em
relação àquele ou àqueles em benefício de quem cada Cerimônia é executada. A Maçonaria
destina-se a propiciar um terreno apto para o aperfeiçoamento moral e
espiritual dos seus membros. Coloca ensinamentos, princípios, máximas, à
disposição destes. Faseadamente. Um pouco de cada vez, para que os
ensinamentos, os princípios, possam ser detectados, descobertos e
interiorizados pelos interessados. A Maçonaria nada ensina. Apenas possibilita
que se aprenda. Mas essa aprendizagem não é efetuada apenas com o recurso à
memória e ao elemento racional. Essa aprendizagem, essa melhoria, esse avanço,
resulta também da marca deixada em cada um, através da respetiva inteligência
emocional e seu desenvolvimento. Daí que as noções obtidas não sejam apenas
adquiridas, mas realmente entranhadas. Daí que se dê valor ao tempo, ferramenta
indispensável à construção da melhoria de cada um. Todo este processo se
desencadeia através da disponibilidade de apreensão de algo que se desconhece.
Daí a importância do fator surpresa. Muitas vezes o que se transmite não é
novo. Já foi centenas de vezes lido, milhares de vezes visto. Mas nunca foi
visto ASSIM, nunca foi contextualizado DESTA forma, nunca tinha sido introduzido
COMO tal.
O
maçom a quem uma Cerimônia é dedicada é sempre o centro da mesma. Para que a
viva e não apenas a ela assista. O objetivo é VIVER a cerimônia. Não revivê-la.
Por isso a deve desconhecer antes de dela beneficiar. Por isso devem as Cerimônias
maçônicas permanecer secretas, de conhecimento reservado a quem o deve ter - e
só a esses.
Mas
há dezenas de versões de rituais publicados através dos quais se pode ler o
texto de diversas Cerimônias. Qual então o interesse de continuar a preservar o
sigilo sobre rituais e Cerimônias? Duas razões avanço: em primeiro lugar, muito
do que está publicado não é já atual. Pode ter semelhanças com o que atualmente
se pratica, mas também tem diferenças, algumas significativas. Em segundo
lugar, um ritual, uma Cerimônia, não é - longe disso! - apenas um texto que se
lê ou recita. É muito mais que isso. É movimento, é entoação, é gesto, é
interpretação. Muito do que ritualmente é executado não está escrito. É
aprendido pela observação, aperfeiçoado com o auxílio dos que antes aprenderam
a executar. Por isso é importante o trabalho de aperfeiçoamento ritual de uma
Loja. Como um meio. Nunca um fim em si mesmo.
Preservar
o segredo quanto a rituais e Cerimônias é preservar a essencialidade da cultura
maçônica, da sua diferença em relação ao mundo profano. É preservar o método de
transmissão e apreensão de conhecimentos. É, enfim, proteger o cerne da Maçonaria.
RESERVA DE DIVULGAÇÃO DO TEOR CONCRETO E ESPECÍFICO
DOS TRABALHOS DE QUALQUER REUNIÃO DE LOJA RITUALMENTE REALIZADA
Os
maçons comprometem-se finalmente a não divulgar o teor concreto dos trabalhos
de uma reunião de Loja, ritualmente realizada. À primeira vista, isto parece
excessivo. Sobretudo, se tivermos em conta que, de cada reunião, é elaborada
uma ata que, depois de aprovada, é conservada na documentação e no arquivo da
Loja. Por essa ata se alcança que assuntos foram tratados na reunião, que
deliberações foram tomadas. E uma ata existe para ser consultada - senão, para
quê fazê-la? Independentemente da delicadeza dos assuntos tratados, a ata é
elaborada e preservada. Eu publiquei no blog A Partir Pedra um documento
histórico, uma ata que registou os trabalhos da sessão de 18 de setembro de
1835 da Loja brasileira Philantropia e Liberdade. Essa ata registou, nada mais,
nada menos, do que a preparação e planificação de um movimento revolucionário,
a Revolução Farroupilha!
Porque
então guardar sigilo sobre os sucessos de uma reunião, ao mesmo tempo que se
regista, e se guarda escrupulosamente esse registo, o que se passou,
elaborando-se uma ata formal? Se é certo que o acervo documental constituído
pelas atas das reuniões das Lojas maçônicas pode constituir - e constitui! -
precioso material de investigação histórica, nem sequer é esse o principal
objetivo do registo em ata. Como referi, uma ata serve para ser consultada. Cem
anos depois ou dois dias depois...
Esta
aparente incongruência esclarece-se se tivermos a noção de que uma Loja maçônica
é uma organização - que deve registar os seus eventos e deliberações mediante
atas, até em obediência às leis civis e em cumprimento dos bons costumes
sociais -, mas uma organização com uma característica bem distintiva: é uma
fraternidade. Enquanto fraternidade, cultiva e desenvolve especialmente as
relações de confiança mútua entre os seus elementos, em estrito espírito de
igualdade, sem prejuízo dos graus e qualidades de cada um e dos particulares
deveres e meios que cada grau ou qualidade confira a quem os detém.
Enquanto
organização, uma Loja maçônica cumpre as regras civis e, portanto regista quem
esteve em cada reunião, o que se tratou nela, o que ficou decidido. E guarda e
preserva esse registo, que, a qualquer momento, pode ser necessário nos mesmos
termos em que qualquer ata de qualquer reunião de qualquer associação ou
sociedade pode ser necessária.
Enquanto
grupo fraternal, procura-se que cada elemento se sinta, no interior do grupo,
completa e absolutamente livre de expressar as suas ideias, opiniões, projetos,
preocupações, sem constrangimentos de qualquer espécie. O espaço de uma Loja em
reunião ritual é um espaço em que todos e cada um podem baixar completamente as
suas defesas e guardas, em que não necessitam de manter a sua "máscara
social", em que todos e cada um podem ser e comportar-se e aparecer como
realmente todos e cada um são, com suas forças e fraquezas, virtudes e
defeitos. Porque, neste espaço, todos e cada um sabem que devem aos demais a
mesma tolerância que dos demais recebem. Porque todos e cada um sabem que todas
as opiniões, ideias, contribuições, são analisadas e consideradas pelo seu
valor intrínseco, sem argumentos ad hominem, sem acrescentar ou retirar valia à
opinião expressa em função de quem a expressa.
Enquanto
grupo fraternal, cultiva-se a absoluta confiança mútua, a cooperação, o auxílio
a todos na medida das possibilidades de cada um. Procura-se criar um laço forte
e duradouro entre todos. Que por isso se consideram Irmãos. Ao criar-se um laço
desta natureza, está-se a criar um espaço onde a crítica é aceite, porque a
aceitação existe ainda que haja lugar a crítica. Preserva-se um espaço de
cumplicidade imensa, em que cada um está à vontade junto dos demais, porque
confia nos demais como nele mesmo.
Num
espaço assim, de Fraternidade, pode desabrochar sem peias a Liberdade. A
Liberdade de opinar, de arriscar testar uma ideia, sem medo de que ela seja
apoucada por disparatada. Se o for, assim será considerada. Mas isso não
diminui quem a teve. Porque se sabe que ela só foi expressa porque se estava à
vontade e porque é em espaços assim que livremente se pode testar a real valia
de ideias, opiniões, propósitos. E aperfeiçoar. E limar arestas. E - quantas
vezes! - transformar uma balbuciante e hesitante ideia num projeto sólido e com
mérito, através do contributo de todos. Um espaço assim é potencialmente um
espaço de criatividade e cooperação sem paralelo - porque ninguém teme o juízo,
ou a troça, ou o apoucamento, dos demais. Porque todos sabem que ninguém tem só
excelentes ideias, que só expondo todas - as péssimas, as sofríveis, as
regulares, as boazinhas, enfim, todas - é possível peneirar delas as que têm
efetiva valia. Porque todos sabem que um bom projeto só raramente é produto do
valor de apenas um qualquer iluminado, antes resulta da concatenação de ideias,
que se acumulam e organizam e dão forma, muitas vezes diferente no final do que
fora o lampejo inicial.
Num
espaço assim não se tem medo de ser ridicularizado, apoucado, magoado. Mesmo
que se use o direito ao disparate. Num espaço assim, sabe-se que o juízo sobre
o valor de cada um não depende de uma excelente ou uma péssima ideia, antes
resulta do Todo que cada um é e que os demais vão conhecendo, cuja evolução vão
constatando.
Um
espaço assim é um espaço de intimidade intelectual sem paralelo. E só subsiste
porque blindado numa confiança mútua absoluta. O que se diz ali, fica ali. Seja
a ideia do século, seja o mais profundo disparate. Quer uma, quer outro, são
ali vistos na correta perspectiva, de procura de contribuição para a melhor
decisão do grupo, de experimentação, de sugestão, sem reservas, sem cuidados,
sem temores de ridículo ou de crítica.
Um
espaço assim propicia a mais livre da Livre Expressão do Pensamento. Porque livre
da necessidade da pior das censuras, a autocensura. Um espaço assim, baseado na
confiança, na Fraternidade, só pode subsistir se todos e cada um souberem que o
à vontade em que se expressam não é traído por juízos exteriores feitos por
quem, descontextualizando o paradigma em que as ideias são expostas, possa vir
a apoucar a ideia, o pensamento, a opinião.
É
para preservar esse espaço intimista de Liberdade que se preserva o que de
concreto se passa numa reunião maçônica. Porque fora julga-se segundo os
critérios de fora, não se atendendo às condições que se criam para que todas as
contribuições sejam bem-vindas. É preciso garantir que todos e cada um possam,
no decorrer de uma reunião ritual de Loja, expressar sem quaisquer
constrangimentos, de qualquer natureza, as suas ideias e convicções e opiniões.
Para que essa Liberdade absoluta exista, mister é que todos e cada um saibam
que o que se passa em Loja fica em Loja. E portanto, cada um guarda
cuidadosamente para si o que em Loja se passou. Quem quiser saber e tenha o
direito a saber... consulte a ata!
O SEGREDO MAÇÔNICO ESOTÉRICO: O VERDADEIRO SEGREDO MAÇÔNICO
Na
minha opinião, já hoje aqui o disse, o verdadeiro segredo maçônico vai muito
além da discrição sobre identidades, modos de reconhecimento, rituais, Cerimônias
e trabalhos efetuados. Na minha opinião, o verdadeiro segredo maçônico, o que
importa, o que releva, existe, não porque os maçons o queiram preservar, mas
porque não o conseguem revelar. Porque é insuscetível de plena transmissão.
O
verdadeiro segredo maçônico, aquilo a que muitos chamam de Palavra Sagrada ou,
muito simplesmente, de Luz, é aquilo que o maçom aprende através do contacto
com seus Irmãos, do convívio e busca de entendimento dos elementos simbólicos
que a Maçonaria profusamente coloca à disposição dos seus elementos, do método
de análise, de trabalho, de esforço, de meditação, de extenuada conquista,
passo a passo, degrau a degrau, patamar a patamar, sobre si próprio, a pulso
desbastando suas imperfeições, despojando-se do interesse sobre toda a ganga
material que obnubila os nossos espíritos, indo-se cada vez mais longe em épica
viagem, com começo e fim no fundo de si mesmo e aí descobrindo a resposta que
procura.
Esta
busca, esta viagem, esta procura, tem um começo e um fim, mas nem um nem outro
serão porventura os esperados. O começo será sempre depois do meio dia, a hora
a que os maçons iniciam os seus trabalhos, quando cada um está efetivamente
apto a começar a trilhar o caminho sem marcos, bordas ou fronteiras, que
conduzirá não sabe onde. O fim, esse, tem hora marcada, aquela em que os maçons
pousam as suas ferramentas, a meia noite. Como em muito do que tem valor, tão
importante é o resultado como o trabalho para o obter, tão atraente é o
destino, como o caminho que a ele conduz. E muito raramente o caminho mais
curto entre o ponto de partida e o de chegada será uma reta...
Em
bom rigor, duvido mesmo que haja apenas um verdadeiro segredo maçônico, um
único segredo esotérico. Nesta altura do meu entendimento, propendo a considerar
que cada maçom atinge a sua própria Luz - a deste com mais brilho, a daquele
mais baça, a daqueloutro, qual bruxuleante chama de longínqua vela, mal se
vendo -, cada maçom encontra e resgata a sua própria e individual Palavra
Perdida - a de um bela e cristalina, a de outro sonora e estentória, a de um
terceiro suave e quase inaudível murmúrio.
Cada
um encontra o que procura e o que trabalha e se esforça por encontrar. Cada um
encontra Segredos, Luzes, Palavras, diferentes ao longo da sua busca. Porque
esta nunca termina. Cada resposta encontrada dá origem a novas perguntas,
nascidas de mais lúcida compreensão, em perpétua evolução e aprofundamento de
compreensão. É por isso que tenho para mim que eu não posso, não consigo, não
sei, partilhar a minha Palavra, com mais ninguém, nem sequer com o meu mais
chegado Irmão. Não só porque não consigo descrevê-la em toda a sua extensão e
complexidade, como porque o mero enunciar do ponto do caminho em que me
encontro me abre novos horizontes de busca, para lá dos quais nem sequer sei se
não terei de pôr em causa e de reformular tudo ou parte do que me levou a
percorrer esse preciso caminho, quer ainda porque cada viagem, mesmo a do meu
mais chegado Irmão, seguiu rumos diversos dos meus, levando a linguagens
distintas, a conceitos diferentes, a complexas variantes.
Cada
um, em cada momento, encontra diferente Palavra, vê diversa Luz, preserva
variado Segredo, porque cada um viaja para destinos diferentes: cada um viaja
até ao fundo de si mesmo e cada um é todo um Universo diferente do parceiro do
lado.
Nessa
viagem, nesse trabalho, nessa busca, cada um procura coisa diversa. Eu só posso
definir o que neste momento busco. Já me reconciliei - há muito! - com a
finitude da vida neste plano de existência, já abandonei, por estulta e
estéril, a busca do imenso Porque, a mim nunca me interessou particularmente
interrogar-me sobre o cósmico como. Por agora, desde há muito e não sei até
quando, concentro-me na busca do sentido da Vida e da Criação. Tenho uma ideia
rude e imprecisa desse sentido. Busco o melhor ângulo para obter mais Luz.
Espero que consiga obter o Brilho suficiente para, através do sentido da
Criação, entrever o Criador... E tudo isto eu - neste momento - busco, em
fantástica viagem, sem outro veículo que não eu próprio, não consumindo outro
combustível senão tudo aquilo de que me interiormente despojo, sem outro
destino e caminho senão o fundo de mim mesmo. Porque é o conhecimento de mim
mesmo, em todas as complexas vertentes que condicionam o meu Eu, que me
habilitará a conhecer o Outro, o Mundo e quem o criou e Porque e para quê e
como. Eu sou a pergunta, a pergunta sem resposta, a pergunta buscando a
resposta e, simultaneamente, a resposta contida na própria pergunta, que me
levará a nova pergunta, que gerará nova resposta, em contínuo alargar de
horizontes, que espero me permita entrever o que está para além do horizonte e
contém todos os horizontes...
Confuso,
não é? Pois é! Eu bem avisei que o segredo maçônico esotérico é aquele que
existe porque não se consegue transmitir...
*Rui Bandeira - Mestre Maçom
Lido em sessão no grau de Aprendiz da R:. L:. Mestre
Affonso Domingues, n.º 5, em 13 de abril de 6011, E:. M:.
FONTE: http://www.rlmad.net/
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