As revoluções e os escritores

Hélio Moreira
*Por Hélio Moreira
Quando se fala em revolução a primeira coisa que pensamos é em violência, tanto a que antecede o ato como a que se mantém após o mesmo, agora com o intuito de “segurar”  na sua direção os que a fizeram.
A história registra que grande parte das revoluções que foram feitas na tentativa de provocar mudanças na sociedade, terminam de maneira trágica pela impossibilidade de se controlar o seu ritmo, acabando por dizimar, inclusive, os que a fizeram; a história está repleta de exemplos, cabendo destacar, como a mais notória delas, a Revolução francesa de 1789 que na sua voragem de violência acabou levando para a guilhotina duas de suas grandes lideranças:  -  Robespierre e Saint Just, em processos sumários, aliás, igual aos que eles propunham para os seus adversários. 
Lenin e Stalim
Quase todas as revoluções têm como “mote” a conquista da liberdade; a este anseio, Karl Marx acrescentou a necessidade de se utilizá-la, não somente para a conquista da liberdade, mas também e, principalmente, para a conquista de justiça social, com a intenção de fazer uma ruptura com a velha política, social e econômica, colocando em seu lugar novos padrões de relações sociais, que teriam por princípio não só a conquista da liberdade, mas, principalmente,  a igualdade social entre os homens. Leia mais

Estas atitudes de violência (foram guilhotinados entre 30 a 40 mil franceses no período imediato à tomada do poder pelos revolucionários, em processos sumaríssimos) são justificáveis, segundo seus perpetradores  (Robespierre dizia que  “O país precisava mais de guilhotina  que de juízes”, Saint Just, no processo contra Luis XVI profere frases que jamais serão esquecidas: “Não se pode reinar inocentemente” e “ Todo rei é um rebelde ou um  usurpador”).

Sempre existiram e continuarão a existir figuras de proa da cultura que apoiaram, a seu tempo,  as revoluções, considerando inclusive alguns atos de violência  como necessários em prol de um bem maior; alguns destes, ao perceberem o desvio do rumo dos acontecimentos (geralmente a violência), passaram a criticá-las.

Cito, para exemplificar, o caso de Georg Forster (1754-1794), crítico de arte, professor e escritor alemão, pertencente ao grupo de iluministas; que deixou muitas cartas refletindo sobre a revolução francesa (in Antologia humanística Alemã, Wolfgang Langenbucher, 1972).

As cartas de 1789 até 1790 revelam, ainda,  grande entusiasmo pela revolução, porém, a partir de 1793, quando ele passou a residir em Paris, conhecendo os aspectos negativos da revolução, passou a imagem de certo pessimismo com o futuro, porém tenta justificar o que vê, usando do pragmatismo; vejam um trecho da carta que ele  enviou a esposa em 26.6.1793 .
“A maior vergonha para a revolução é o tribunal da morte, não quero nem pensar nele. Estes excessos serão esquecidos pela História, graças aos resultados positivos que não foram alcançados por meio deles, mas pela revolução”.

Alguns outros, como Jean-Paul Sartre, mesmo sabendo das atrocidades praticadas por Stalin, que as fazia, segundo ele, Stalin,   em defesa da revolução russa,  defendia o stalinismo, com melancólica desculpa: -  “Já que não somos  membros do Partido, não era obrigação nossa escrever sobre  os campos soviéticos de trabalhos forçados; desde que nenhum fato de importância sociológica tivesse ocorrido, estávamos livres para permanecer  distantes das desavenças sobre a natureza do sistema; acho esses campos execráveis, mas acho, igualmente execrável, o uso que todos os dias se faz deles na imprensa burguesa”.

Para concluir, gostaria de falar sobre a atitude assumida por outro escritor francês, André Gide que, em posição política semelhante a esta de Jean-Paul Sartre (defensor do regime socialista soviético), mostra-se bem mais autêntico, como veremos a seguir.

Em julho de 1934, sob a iniciativa do poeta e exímio articulador político russo, Illya Ehrenburg, foi organizado um congresso internacional de escritores em Paris, em apoio ao socialismo soviético e contra o fascismo. (A Rive Gauche, Herbert R.Lottman, 1987).

André Gide foi indicado para presidir o congresso (cerca de 3.000 congressistas), cuja lista de oradores foi adrede organizada (Bertolt Brecht, Máximo Gorki, Ehrenburg, Gide, Malraux, Aldous Huxley, Louis Aragon e Breton do movimento surrealista), dentre outros; foram cinco dias e cinco noites de frenéticas discussões.

No entanto, apesar da temática do congresso ter sido inteiramente em defesa do regime soviético, pairava no ar uma aura de desconfiança contra Stalin, cuja política  repressiva aos livres pensadores, portanto aos escritores,  ecoava na imprensa ocidental;  quando Boris Pasternak, já bastante conhecido no ocidente, antes mesmo da publicação do livro que lhe deu o prêmio Nobel de Literatura, Doutor Jivago, discursou sob imensa ovação, muitos entenderam a sua mensagem cifrada: “Falar de política? Fútil, fútil...política? Para o campo, amigos, ide para o campo colher flores”; não havia como ignorar o que estava acontecendo no regime de Stalin.

Erhenburg tentou explicar: “A revolução causara sofrimentos, mas haveria partos sem dor? A União Soviética tinha o direito de se defender dos inimigos da revolução”, Gide complementou: “Nossa confiança na União Soviética é a maior prova de amor que lhe podemos dar”.

Algum tempo depois destes acontecimentos, André Gide, que havia se declarado comunista de coração, foi à União Soviética, voltou desiludido com o que viu e escreveu o famoso livro “ Retour de l’URSS”  (retorno da União Soviética), um verdadeiro libelo contra o regime comunista, especialmente contra o  exagerado culto à personalidade de Stalin.


*(Hélio Moreira,  membro da Academia Goiana de Letras, 
Academia Goiana de Medicina, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás)

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