Da Redação
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT)
voltou ao centro das atenções com a ascensão da magistrada Graciema Ribeiro de
Caravellas ao cargo de desembargadora, após mais de uma década marcada por
polêmicas judiciais, afastamentos e uma reintegração que dividiu opiniões.
Nomeada por unanimidade em 2023, sua promoção resgata o emblemático
"Escândalo da Maçonaria", caso que abalou os alicerces do sistema
judiciário mato-grossense nos anos 2000 e que permanece como símbolo de uma das
maiores crises de credibilidade enfrentadas pelo Judiciário estadual.
O escândalo e suas origens
Entre 2003 e 2005, uma série de investigações
revelou um complexo esquema de desvio de recursos públicos no âmbito do TJMT.
Cerca de R$ 1,4 milhão teriam sido desviados para socorrer financeiramente a
Loja Maçônica Grande Oriente do Estado de Mato Grosso (GOEMT), comprometida
após o colapso de uma cooperativa fundada por seus membros. As apurações,
intensificadas a partir de 2008 sob a liderança do desembargador Orlando Perri,
revelaram pagamentos irregulares, sem respaldo documental, diretamente na conta
de magistrados, sob o pretexto de reembolsos salariais e compensações de
impostos.
Dentre os envolvidos estava o então presidente
do TJMT e Grão-Mestre do GOEMT, José Ferreira Leite, acusado de receber mais de
R$ 1,2 milhão. As sanções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), impostas em
2010, incluíram a aposentadoria compulsória de dez magistrados, entre eles
Graciema Ribeiro de Caravellas. As acusações se baseavam na suposta conivência
com a destinação ilícita de recursos públicos a uma entidade privada,
contrariando os princípios da administração pública.
A defesa e reviravolta judicial
Apesar das penalidades, uma decisão proferida
em 2017 pela juíza Selma Rosane Arruda apontou que não havia crime de peculato
configurado. Para Arruda, os pagamentos feitos aos magistrados correspondiam a
valores devidos, ainda que distribuídos de forma desigual e privilegiada a
determinados membros da magistratura. Essa conclusão abriu margem para recursos
que culminaram, em novembro de 2022, na decisão da Segunda Turma do Supremo
Tribunal Federal (STF) de anular as punições aplicadas pelo CNJ.
O STF entendeu que a ausência de provas de
dolo, isto é, da intenção deliberada de praticar um ato ilícito, tornava
desproporcional a sanção disciplinar de aposentadoria compulsória. Essa decisão
resultou na reintegração de Graciema e de outros três magistrados, além do
pagamento de R$ 22 milhões em indenizações pelos salários e benefícios não
recebidos entre 2010 e 2022.
Reintegração e ascensão ao cargo de
desembargadora
Reintegrada ao TJMT, Graciema rapidamente
ascendeu, por antiguidade, ao posto de desembargadora em 27 de outubro de 2023.
Sua nomeação foi marcada pela unanimidade dos votos do Pleno e pelo
reconhecimento de sua longa trajetória no Judiciário. Com isso, tornou-se a
segunda mulher com mais tempo de serviço na corte e integrou um corpo de 11
desembargadoras entre os 32 membros do Tribunal de Apelação, um marco na
representação feminina da instituição.
Em declarações ao site Olhar Jurídico, Caravellas
procurou dissipar qualquer tensão com Orlando Perri, autor das investigações
que levaram ao seu afastamento. Ela declarou manter com ele uma relação cordial
e profissional, destacando sua admiração pela competência do colega.
Uma ascensão cercada de controvérsias
Embora a trajetória de Graciema represente,
para muitos, um exemplo de resiliência, sua promoção se deu em meio a um
cenário delicado. O TJMT foi novamente abalado, no final de 2024, por denúncias
envolvendo a venda de sentenças judiciais, afetando outros membros da corte.
Mesmo não estando implicada nos novos casos, a imagem do tribunal permanece sob
forte desgaste, e a recente aposentadoria de Graciema — obrigatória aos 75
anos, apenas 75 dias após sua promoção — reacendeu o debate sobre a gestão de carreiras
na magistratura e a moralidade das reintegrações acompanhadas de vultosas
indenizações.
Reflexões e desafios para o sistema
judicial
O “Escândalo da Maçonaria” não apenas revelou
falhas na fiscalização dos atos administrativos do Judiciário mato-grossense,
como também expôs a complexa relação entre instituições públicas e organizações
privadas, como a maçonaria. A reversão das punições pelo STF colocou em xeque
os critérios utilizados pelo CNJ para sancionar magistrados, revelando
divergências entre os órgãos sobre o que configura falta ética ou infração
passível de aposentadoria compulsória.
Além disso, a destinação de recursos públicos
para uma entidade privada, ainda que revestida por alegações de legalidade,
lançou dúvidas sobre a imparcialidade de alguns magistrados e a transparência
na administração da Justiça.
Considerações finais
A trajetória de Graciema Ribeiro de Caravellas
é, ao mesmo tempo, uma narrativa de superação e um espelho das fragilidades do
sistema judicial brasileiro. Sua reintegração e ascensão à condição de
desembargadora, após um dos mais emblemáticos escândalos do Judiciário
nacional, desafia as instituições a repensarem seus mecanismos de controle
interno, de responsabilização e de seleção de seus membros.
Num momento em que o TJMT busca reconstituir
sua imagem e sua autoridade moral, o caso de Caravellas serve como alerta para
a urgência de reformas que garantam um Judiciário verdadeiramente transparente,
equitativo e comprometido com o interesse público.
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