Da Redação
A passagem
bíblica do Gênesis (4 :9-12), que narra o diálogo entre Deus e Caim após o
assassinato de Abel, revela não apenas a gravidade do ato cometido, mas também
a complexidade das relações humanas dentro do núcleo familiar. Essa narrativa
transcende seu contexto religioso e ressoa como uma metáfora universal sobre as
dinâmicas de amor, rivalidade e ódio que moldam os laços mais íntimos. A
Maçonaria, enquanto instituição simbólica e iniciática, apresenta-se como um
microcosmo dessa realidade, uma tentativa de recriar uma "família recomposta"
a partir dos princípios de fraternidade, igualdade e busca pela harmonia.
A Origem
do Mal: No Coração da Família
O relato de
Caim e Abel demonstra que o mal, muitas vezes, não vem de fora, mas germina
dentro da própria estrutura familiar. A traição, a rivalidade e a violência
descritas na Bíblia refletem a fragilidade das relações humanas quando expostas
às tensões do desejo, da culpa e do poder. Essa constatação não é exclusiva do
texto judaico-cristão, mas permeia as tradições culturais e religiosas de
diversas sociedades. A família, longe de ser apenas um refúgio de segurança, é
também o lugar onde os conflitos fundamentais do indivíduo se manifestam e
deixam marcas profundas.
A
Maçonaria como "Romance Familiar"
Sigmund Freud,
em suas reflexões sobre o "romance familiar", destacou a tendência
humana de idealizar ou transformar simbolicamente a família como uma forma de
lidar com frustrações e desejos reprimidos. Na Maçonaria, essa dinâmica é
amplificada pela simbologia dos "Irmãos e Irmãs" e pela encenação
ritualística que remete ao nascimento, morte e renascimento. O Aprendiz, ao
ingressar na Ordem, é convidado a confrontar seus próprios conflitos internos,
simbolicamente representados pelas ferramentas e pelos mitos fundadores da
Maçonaria.
O
Conflito Interno e a Busca pela Luz
A Maçonaria
reconhece que o verdadeiro conflito humano não está no ambiente externo, mas no
interior de cada indivíduo. O ritual maçônico, ao representar cenários de
perda, reconstrução e superação, oferece um espaço simbólico para a projeção e
a sublimação dessas tensões. A jornada do maçom é uma "jihad
interior", um combate contínuo entre forças destrutivas (Thanatos) e
construtivas (Eros).
A Família
Simbólica e Seus Desafios
Na
"família maçônica", os mesmos elementos de rivalidade, projeção e
expectativa que marcam as famílias biológicas aparecem, mas sob o manto do
simbolismo e da ritualidade. A introdução de novos membros (os profanos
iniciados) desafia os limites da aceitação, enquanto a hierarquia e os ritos
demandam lealdade e compromisso. Paradoxalmente, a estrutura simbólica que
busca promover harmonia também pode se tornar palco de tensões emocionais e
inconscientes.
Ética e
Esperança na Maçonaria
Paul Ricoeur
observou que a imaginação e o simbolismo, mesmo em suas dimensões mais
sombrias, não anulam o julgamento ético. A Maçonaria, com seus rituais e
símbolos, oferece um modelo de controle e sublimação da violência humana,
canalizando-a para a construção de um ideal de fraternidade e progresso.
Contudo, ela também reconhece as limitações dessa busca, pois os conflitos
internos e as projeções do inconsciente são inseparáveis da experiência humana.
Conclusão:
A Maçonaria como Luz na Escuridão
A Maçonaria, enquanto "família recomposta", é um reflexo das esperanças e desafios da condição humana. Ela não promete eliminar os conflitos, mas oferece um caminho para compreendê-los, enfrentá-los e, na medida do possível, transcendê-los. Ao buscar a luz cativa na "matriz negra" da alma humana, a Ordem Maçônica torna-se uma vela na escuridão, um espaço de transformação onde a ética, o simbolismo e a fraternidade ajudam a iluminar os passos daqueles que buscam reconstruir não apenas um Templo simbólico, mas também a si mesmos.
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