Na época, em uma tentativa de se distanciar de um herege acusada de bruxaria, o rei francês Charles VII – que devia sua coroa a Joana e suas vitorias – não fez nenhuma tentativa de negociar a libertação dela.
Depois ser entregue nas mãos do inimigo,
Joana d'Arc foi julgada na fortaleza inglesa de Rouen por um tribunal
eclesiástico composto por bispos ingleses. As 70 acusações contra ela variavam
de feitiçaria a roubo de cavalos, mas em maio de 1431 haviam sido reduzidas a
apenas 12, a maioria relacionada ao uso de roupas masculinas. Foi oferecido a
ela prisão perpétua em troca de uma admissão de culpa, e Joana assinou um
documento confessando seus supostos pecados, negando que alguma vez tivesse
recebido orientação divina e prometendo mudar seus hábitos de vestimenta. Tem
sido especulado que como Joana era analfabeta, ela nunca soube o que assinou.
Vários dias depois, devido a ameaças de violência ou estupro de seus guardas,
ela colocou seu traje masculino de volta e disse aos seus juízes que as vozes
que falavam com ela reapareceram. Isso foi o suficiente para seus inimigos
conseguirem finalmente destruí-la e os bispos a entregaram aos ingleses para
ser queimada.
Em 29 de maio de 1431, o tribunal anunciou
que Joana d'Arc era culpada de heresia. Quando soube que seria queimada, ela
ficou perturbada, mas ninguém lhe deu ouvidos. Na manhã de 30 de maio, Joana
foi levada em uma carroça pelas ruas lotadas até chegar a praça do mercado em
Rouen para queimada na fogueira, diante de uma multidão estimada em 10.000
pessoas. Ainda no castelo, haviam colocado nela um capuz com as palavras
“herege recaída, apóstata, idólatra” e era assim que as pessoas a sua volta a
viam naquele momento. Antes de sua morte, sua guarda de soldados ingleses riu
dela enquanto ela fazia suas orações de última hora. Só um deles teve pena e
lhe entregou uma cruz de madeira apressadamente momentos antes de ser amarrada
à estaca.
Ela beijou e colocou em seu peito. Enquanto
ela queimava, um frade dominicano a consolou segurando um crucifixo para ela
contemplar enquanto morria. Mesmo enquanto o fogo a consumia, Joana não se
retratou. Até o final, ela continuou a afirmar que as vozes que ela tinha
ouvido toda a sua vida eram de natureza divina. Ela morreu clamando por ajuda
aos seus três santos favoritos enquanto queimava, suas últimas palavras foram
um coro: “Jesus, Jesus, Jesus...”. Quando silêncio reinou, os espectadores souberam que a
Donzela de Orleans estava morta. Ela tinha apenas dezenove anos de idade.
Depois da execução, várias missivas foram
enviadas para diversos lugares a fim de relatar as “heresias da mulher a quem o
povo se referia como a Donzela”. Essas cartas descreviam os acontecimentos do
julgamento, afirmando que o mesmo havia “sido conduzido pela Santa Madre Igreja
com grande solenidade e dignidade confiável, para a honra de Deus e a sadia
edificação do povo”. Havia necessidade disso porque, dado o fato que os relatos
sobre as façanhas de Joana se espalharam “quase pelo o mundo inteiro”, era
necessário que seu “justo castigo” fosse publicado da mesma maneira, para
“alertar os fiéis dos perigos dos falsos profetas”.
Mas todos seus esforços para validar a
execução dela foram em vão. Após sua morte, a lenda em torno de Joana crescia.
O carrasco afirmava que o coração dela resistira às chamas e fora encontrado
intacto entre as cinzas. Dizem que o mesmo carrasco confessou a seus amigos e
familiares que temia ser condenado eternamente por queimar uma mulher santa.
Todos os anos eram realizadas celebrações na cidade de Orleans para comemorar a
libertação da mesma pela Donzela. Em Paris, por outro lado, o nome de Joana
permanecia como um espectro rondando a figura do rei. Ela havia surgido como
uma salvadora, vencendo batalhas, coroando-o rei e morrido como uma herege.
Isso era um problema para Charles VII, afinal, se veredito de heresia
permanecesse, então ele devia sua coroa a forças demoníacas e não as bençãos
dos céus, algo que seria inaceitável para a França, cujos reis sempre foram
denominados de “os mais cristãos”. Assim, em 1450, Charles VII finalmente
decidiu começar o trabalho de restaurar a imagem de Joana. Ele declarou que:
“Há muito tempo atrás, Joana, a Donzela, foi levada e aprisionada por nossos
velhos inimigos e adversários, os ingleses, e trazida para a cidade de Rouen.
Ela foi julgada por pessoas que haviam sido escolhidas por eles e recebido
deles essa tarefa, e durante o julgamento vários erros e abusos foram
cometidos, de tal modo que, por meio desse julgamento e pelo grande ódio que
nosso inimigo tinha contra ela, fizeram-na morrer muito cruelmente, iniquamente
e contra a razão”. Dessa forma, um novo processo começou e o mesmo duraria
cinco anos, com alegações de que sua condenação havia sido feita unicamente
pelos ingleses e visto que eles tinham interesses óbvios em destruí-la, deveria
ser retificado de forma “justa”. Por fim, 25 anos depois da execução, em uma
esplêndida cerimônia na principal Catedral de Paris, todas as acusações contra
Joana d'Arc foram retiradas.
A França do século XVI fez de Joana uma
heroína nacional. Os homens dos séculos subsequentes levaram sua história para
suas peças e poemas e sua imagem para suas estátuas. Ela acabaria por se tornar
o espírito da França, a donzela, a guerreira sagrada, o símbolo republicano e
napoleônico de resistência contra a oposição inglesa e para todos aqueles que
protegeriam a França da dominação estrangeira. Séculos mais tarde, em 1920, a
menina queimada viva foi feita santa e ainda mais: tornou-se padroeira da França.
A vida de Joana d'Arc é uma das mais bem
documentadas de sua era. Isto é especialmente notável quando se considera que
ela não era uma aristocrata, e sim, uma jovem camponesa. Isso é, de fato, uma
das maiores ironias da história, pois esses documentos são oriundos em grande
parte dos registros mantidos pelos mesmos indivíduos que tentaram a todo custo
apagar seu nome da História.
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