Por E. Figueiredo (*)
“Ninguém
nasce a odiar o outro pela cor da pele,
pela
origem ou pela religião. As pessoas aprendem
a odiar e, se podem, aprender a odiar,
também podem apreender a amar!”.
Nelson
Mandela (1918-2013)
Ao término de uma palestra sobre racismo, um grupo (todos Maçons), que assistia ao colóquio, se dirigira a um restaurante, e, lá o assunto versava sobre a exposição do palestrante cujos conceitos ainda ecoavam em seus ouvidos. Um deles estava entusiasmado com as frases, que o orador incluía na sua locução, tendo anotado duas delas, a que mais gostou: “Você pode me disparar com suas palavras, pode me cortar com seus olhos, pode me matar com seu ódio, mas, ainda assim, como o ar, eu me levantarei!” e “O preconceito é um fardo que confunde o que passamos, ameaça o futuro e torna o presente inacessível!” Ambas são de autoria de Maya Angelou (1928-2014), figura extraordinária das letras norte-americanas.
O
racismo é uma chaga social no Brasil. Apesar de mais de um século da abolição
da escravatura, a população negra continua, na maioria das vezes, à margem dos
espaços de influência. A relação de exclusão, com base na cor da pele, está
presente nos ambientes de trabalho, nas universidades, nas rotinas cotidianas. Compreender
como o racismo opera na construção social e como é possível superá-lo é
confrontar uma ferida que marca o nosso país. Foram algumas palavras do
palestrante, que encerrou dizendo “o preconceito tem olhos e não vê, enxerga e
nada distingue!”
A
palavra “racismo” foi criada por Joel Kovel (1936-2018) para descrever os
comportamentos raciais tênues de qualquer grupo étnico ou racial que
nacionalizem sua aversão a um grupo específico, apelando a regras ou
estereótipos. Consiste no preconceito e na discriminação a partir de percepções
sociais baseadas em diferenças biológicas entre os povos, e, não raro, tomando
forma de ações sociais superiores ou inferiores segundo características,
habilidades e por vezes qualidades comuns herdadas dos antepassados. Os mais
rigorosos afirmam que as pessoas de diferentes raças devem ser tratadas de
formas distintas. Isto é, racismo é a denominação da discriminação e do
preconceito (direta ou indiretamente) contra indivíduos ou grupos por causa de
sua etnia ou cor.
O
tema racismo costuma vir à tona quando algo inusitado e trágico acontece com um
negro ou pardo, uma das raças. Quando se levantam vozes contra o preconceito,
com ajuda da imprensa, e, que logo se calam até outro trágico acontecimento
surgir. O preconceito racial e a marginalização dos mais pobres resultam na
morte de milhares de indivíduos da raça negra todos os anos.
É
sabido o quanto o racismo está entranhado na medula da nossa sociedade que é um
atestado do nosso fracasso civilizatório. Não há como desconsiderar o racismo
que perpassa a sociedade brasileira pelo excesso de vidas que destrói.
É
muito tortuoso um branco entender o íntimo de um negro ao meio de uma
comunidade negra. Porém, há quem consiga, pois é um exercício de interpretação
alcançável a todas as pessoas.
Não
há como negar que o racismo existe no Brasil e, provavelmente, por muitos anos,
ainda, acompanhado da eterna indignação daqueles que são contra. Todavia,
parece, cada vez mais, difícil fechar os olhos para o fato de que o racismo
caminha para ser, finalmente, compreendido como um problema de todos.
No
restaurante, o bate papo mantinha entusiasmo sobre o assunto, demonstrando que
haviam gostado da palestra. Um deles perguntou ao grupo:
___
“Por que não tem Papa Negro e nem Grão Mestre negro, na Maçonaria?!”
A
pergunta pareceu mais uma brincadeira e um olhou para outro e ninguém falou
nada.
A
Igreja Católica já teve três Papas africanos: Vitor I (189-198), Melquíades
(311-314) e Gelásio I (492-496) Eles assumiram numa época de relações estreitas
entre a Igreja e o Oriente Alexandria, Cartago e Hipona, que eram cidades
chaves para o domínio Cristão. Até o Século V, houve um forte intercâmbio entre
a Itália e o norte da África. Porém, apesar de africanos, os Papas não eram
negros. Em virtude da mistura de raças na região, alguns estudiosos dizem que
talvez fossem mestiços ou morenos. Não obstante, a confirmação é difícil, pois
não há referências da época.
O
católico negro mais próximo de se tornar Papa da Igreja Católica foi o Cardeal
nigeriano Francis Arinze, muito cotado em 2013 para substituir Bento XVI, o
alemão que anunciou a sua aposentadoria dando lugar ao atual Papa Francisco. Não
estreou um negro na chefia do Vaticano, mas entrou o primeiro Papa
latino-americano.
Quanto
ao Grão-Mestre negro, na Maçonaria, a história é outra!
O
Grande Oriente do Brasil teve um Grão Mestre afrodescendente, o Irmão Marcos
José da Silva, o primeiro negro a exercer esse cargo no país.
O
negro, Irmão José Renato dos Santos, foi Grão Mestre Adjunto da Grande Loja
Maçônica do Estado de São Paulo (gestão 1998 a 2001).
Nesse
caso não há surpresa pois, o fato de um candidato a ingressar na Maçonaria, ser
um “homem de cor” (expressão que caiu em desuso), não o impede de ser Iniciado.
A sublime Ordem, além de combater a Tirania, o Despotismo, a Ignorância, o
Preconceito e os Erros, luta contra o racismo. A Maçonaria tem milhares de
negros, todos com chances de exercer qualquer cargo, inclusive o de Grão
Mestre.
O
objetivo maior da Maçonaria é ser uma escola de vida para aqueles interessados
em fazer um mundo melhor. As reuniões realizadas nos Templos não são cultos,
mas sim, encontros em que são discutidos variados temas, como filosofia,
história, atualidades, visando tornar feliz a Humanidade. Se nos seus
primórdios a Instituição erguia catedrais e monumentos, hoje ela edifica obras
de transformação social. Dentre elas o combate ao preconceito, ao racismo.
Obviamente,
não somente a Sublime Ordem está nessa luta. Outras organizações e associações
também trabalham nesse sentido. O ideal seria se todas se aglutinassem formando
um verdadeiro exército numa luta sem quartel contra o famigerado racismo.
Dentro
do aprendizado, o genuíno Maçom, mentaliza que, para a pessoa afrodescendente,
a consciência da sua raça é fundamental para qualquer ação a ser executada em
sua atividade. Se analisa antes, os problemas que poderão advir serão
reduzidos. Caso contrário, os incômodos serão inevitáveis.
Mesmo
não sendo Grão Mestre ou ocuparem altos cargos, muitos Maçons negros
contribuíram com a História do Brasil! André Rebouças, José do Patrocínio, João
Mauricio Wanderley (Barão de Cotegipe), Luiz Gama, Antônio Carlos Gomes, Rui
Barbosa de Oliveira, Francisco Glicério, Nilo Peçanha, Castro Alves, todos eram
afrodescendentes e Maçons.
O
preconceito, um dos alvos na luta da Maçonaria, é um sentimento hostil,
assumido em consequência da generalização apressada de uma experiência pessoal
ou imposta pelo meio, atada à intolerância. Racismo, implícito no preconceito,
é a discriminação, direta ou indiretamente, contra indivíduos ou grupos por
causa de sua etnia ou cor. A Sublime Ordem dedica grande parte das suas ações
para esse seguimento em sua batalha, que não pode ficar alheia à questão. A esse
racismo insidioso, não explícito e não manifesto que condiciona as ações
individuais e o funcionamento das instituições, que não raro presenciamos. É
importante devolvermos, por meio da nossa cultura e forma de comunicar, a
identidade que foi roubada das pessoas por conta da escravidão e preconceito.
A
cor da pele não deve e não pode ser fator de risco para o ser humano. Num país,
como o nosso, onde parte expressiva da população é negra (sem contar que a
padroeira é uma santa negra!), é inadmissível termos casos brutais, não raro
até com morte, como tem acontecido. Ademais, no Brasil, racismo é crime
(Previsto na Lei n° 7.716/1989 – assinada em 5 de Janeiro de 1989). A
discriminação pode ser declarada ou disfarçada, mas a consequência é a mesma: é
crime! Sabendo-se que sistemas de justiças podem falhar….
Alguns
intelectuais e homens públicos apregoam o absurdo de que não há racismo no Brasil!
A maior expressão do preconceito racial está, justamente, na negação desse
preconceito. Entretanto o negacionismo de alguns não impede o extermínio
constante da população negra; segundo o anuário de Segurança Pública, perto de
67% dos presos e 74% das vítimas de violência letal são pessoas negras. O
discurso que segrega, como pretendem alguns críticos, não é aquele que
reconhece o racismo que se impõe como realidade, mas aquele que nega o racismo
estrutural. Racismo estrutural é o termo usado para reforçar o fato de que há
sociedades estruturadas com base na discriminação que privilegia algumas raças
em detrimento das outras. No Brasil essa distinção favorece os brancos e
desfavorece negros, pardos, e indígenas. O pior do nosso racismo não está no
sujeito que xinga ou maltrata alguém na rua, mas na estrutura invisível que a
impede de entrar nos lugares em que hoje os brancos são maioria. Caímos na
conta de quanto, ainda, precisamos avançar na superação de preconceitos,
injustiças estruturais e violências primitivas; a Maçonaria induz o caminho da
fraternidade e da amizade social para tentar a solução desse problema. A questão
racial é crucial para a sociedade. Porém, não se pode permitir que o negro,
pardo, indígena sejam reduzidos, apenas, a um tema.
Haveria
um “privilégio branco”? Se comprovado seria um disparate e lamentável. Todo
privilegio é odioso. Privilégio é um direito especial de um grupo sobre a
maioria. Uma espécie de vantagem que uma pessoa ou grupo pode receber por
condições várias em face do restante da sociedade. Em nosso país, considera-se
que o racismo estrutura todas as relações de poder, uma premissa distorcida,
que leva a generalizações infundadas como a de que pessoas brancas têm maiores
salários, mais acesso à educação e até mesmo mais possibilidade de se manterem
vivas. Não se trata de privilégio branco. A questão é muito mais profunda e
abrangente. Afirmar que existe privilégio branco, também é racismo. A igualdade
entre todos, como reconhece o artigo 5° da nossa Constituição, não pode ser
garantia para o mal, dando legitimidade ao malfadado “erro communis facit us”
(o erro comum faz o direito) e sim para o bem, sob pena de todas as injustiças
decorrentes das desigualdades imorais, serem enquadradas como crime, não
importando portanto a cor da pele ou a etnia.
O
Historiador e sociólogo Lourenço Cardoso, ao ser perguntado “O que é
branquitude enquanto conceito?”, respondeu: “A branquitude significa a pertença
étnico-racial atribuída ao branco. Podemos entendê-la como o lugar mais elevado
da hierarquia racial, um poder de classificar os outros como não-brancos,
colocando-os assim, como inferiores aos brancos. Ser branco se expressa na
corporeidade, isto é, a brancura, e vai além do fenótipo (características
hereditárias). Ser branco consiste em ser proprietário de vantagens,
privilégios raciais simbólicos e materiais.” Nem todos concordam com essa
assertiva por dar a falsa interpretação de supremacia branca.
Angela
Yvonne Davis, professora e filósofa, nos ensina que “Numa sociedade racista não
basta não ser racista: é necessário ser antirracista. Sem ações intencionais,
amplas e sistemáticas contra o racismo, esse cenário não vai mudar!”. Ela quis
dizer que torna-se vazia em seu sentido, na medida em que o posicionamento de
muitos se restringe a mensagens e frases de efeito. Outrossim, a filósofa
argumenta a necessidade da não hierarquização das opressões, isto é, o quanto é
preciso considerar a intersecção de raça, classe e gênero para possibilitar um
novo modelo de sociedade. E acrescenta dizendo que é preciso refletir bastante
para perceber as intersecções entre raça, classe e gênero, de forma a perceber que
entre essas categorias existem relações que são mútuas e outras que são
cruzadas. Angela Davis é uma negra estadunidense.
Go
From Here: Chaos or Community?” (Para Onde Vamos a Partir Daqui: Caos ou
Comunidade?) Para onde? É a pergunta de Luther King que permanece sem resposta.
E não avançamos quase nada desde que ele morreu. Ainda lidamos com os mesmos
problemas.
No
romance Americanah, da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, (1977- ) que conta a
estória de uma jovem que se muda da Nigéria para os Estados Unidos, num
determinado trecho ela escreve:
“O
único motivo pelo qual você diz que a raça nunca foi um problema é porque
queria que não fosse. Nós todos queríamos que não fosse. Mas isso é uma
mentira. Eu sou de um país onde a raça não é um problema; eu não pensava em mim
mesma como uma negra e só me tornei negra quando vim para os Estados Unidos.
Quando você é negro nos Estados Unidos e se apaixona por uma pessoa branca, a
raça não importa quando vocês estão juntos sem mais ninguém por perto, porque então
é só você e seu amor. Mas no minuto em que põe o pé na rua, a raça importa. Mas
nós não falamos sobre isso. Nem falamos com nosso namorado branco sobre as
pequenas coisas que nos irritam e as coisas que queríamos que ele entendesse
melhor, pois temos medo de que ele diga que estamos exagerando ou que nos
ofendemos com facilidade demais. E não queremos que diga: 'Olhe como evoluímos,
há apenas quarenta anos seria ilegal sermos um casal', porque sabe o que a
gente está pensando quando ele diz isso? Por que foi ilegal um dia, porra? Mas
não dizemos nada disso. Deixamos que se acumule dentro da nossa cabeça, e
quando vamos a jantares de gente liberal e legal como este, dizemos que a raça
não importa porque é isso que se espera que digamos, para manter nossos amigos
liberais e legais confortáveis.”
No
Brasil, as diferenças sociais entre brancos e afrodescendentes são nítidas no
dia-a-dia. Além da questão econômica, na qual pessoas pretas e pardas são
maioria entre as que possuem rendimentos mais baixos, a persistência de
situações de maior vulnerabilidade, indicada por evidência nos campos da
educação, saúde, moradia, entre vários outros, mostram evidente desequilíbrio
na garantia de direitos em prejuízo para a população negra. E isso é possível,
também, observar a sub-representação entre líderes de equipes nas empresas,
entre juízes e políticos. Não somente pela cor da pele, há de se considerar a
questão social.
A
arregimentação de homens de várias raças, na Sublime Ordem, no Brasil, nascidos
livres e libertos, vem desde a segunda metade do Século XIX, desempenhando um
papel importante dentro do cenário de crise escravista. A Instituição estabeleceu, em todos os cantos
do país, difundiu e consolidou-se como espaço da sociabilidade, principalmente,
entre as camadas sociais mais abastadas e a participação de homens provenientes
de camadas mais pobres da sociedade. Na Maçonaria todos são iguais.
Logo
após iniciado, o Aprendiz se integra ao que a Maçonaria se propõe a
desenvolver. Começa pelo intelecto e o espírito de seus membros criando neles
um compromisso com a transformação e o progresso social. É um processo de autoconhecimento e uma tarefa
de lapidação de caráter que o acompanhará até chegar a Mestre Maçom. Com isso,
a Sublime Ordem pretende reduzir os preconceitos existentes na sociedade, que
tornam difícil a consolidação da Paz, da Felicidade e da Prosperidade dos
Homens. Os Maçons passam a acreditar que primeiro é preciso conhecer a si
mesmo, vencer seus vícios e lapidar seu espírito, para só então ser capaz de
contribuir, efetivamente, para o progresso e evolução da Humanidade. Assim
estará integrado a participar do combate contra a ignorância, a superstição, o
fanatismo, o orgulho; a intemperança, o vício, a discórdia, a dominação, os
privilégios e, principalmente, ao preconceito e racismo. Todavia, não basta o
Maçom conhecer esses males da Humanidade; terá também de atuar como promotor da
igualdade racial combatendo de maneira veemente e forte, assumindo a
responsabilidade pela transformação do estado das coisas.
A
Maçonaria sozinha não é suficiente para levar avante essa obra cujo mérito
situa-se em fazer com que qualquer raça, tenha os mesmos direitos na sociedade.
Ela entende que numa política composta, majoritariamente, por pessoas brancas,
é imperativa a participação de todos na luta antirracista. Há de se juntar forças com outras instituições
para que sejamos mais fortes. Se não enfrentarmos o racismo unidos, com o
coração, coragem e urgência, a cor da pele continuará a determinar, não apenas
o tamanho dos sonhos das nossas crianças, mas quem vive e quem morre. Situações
similares anteriores, mostram que as práticas utilizadas não foram
transformadas na profundidade e com a agilidade que se esperava. Evidentemente,
que o poder público também precisa se responsabilizar por legislação e
fiscalização apropriadas, e medidas jurídicas para garantir que essas práticas
sejam adotadas inteiramente e de forma eficaz. Toda atitude deve buscar a
igualdade e abominar a discriminação. Tanto a Maçonaria como o Estado devem
permanecer atentos, em especial organizações e associações que estariam
integradas, num tipo de coalizão, envolvidas nesse movimento, sob um bem
elaborado Plano de Ação, de forma estratégica, visando o futuro, avaliando o
trabalho que precisa ser feito, para a igualdade de direitos e oportunidades
aos negros e a seus descendentes. Um plano consequente que enfrente as
desigualdades e que se consiga uma integração racial bem sucedida. O maior
desafio, o de lembrar dia após dia que vidas negras importam, que o racismo
deve acabar, que o futuro precisa ser justo e perfeito para os hoje,
absurdamente, minorizados. Isto é, igualdade de oportunidades. Se a
desigualdade crescer, então há erro nas nossas instituições. Na nossa história
foi uma constante batalha entre o ideal, de que somos todos criados iguais, e a
dura e feia realidade do racismo, nativismo e o medo que nos dilacera. A Luta é
perene, mas vencer é uma incógnita.
É
importante, também, o próprio negro integrar-se aos movimentos da luta contra o
racismo, demonstrando interesse. A afro-americana Sojourner Truth (1797-1883),
foi uma abolicionista ativistas dos direitos das mulheres negras, considerada
uma das precursoras do feminismo negro. Ela nasceu escravizada, e, quando
conseguiu a liberdade, atuou como abolicionista e pregadora evangélica
itinerante. Em seu discurso famoso “Ain’t I a Woman?” (“Não sou eu uma mulher?”
) Sojourner Truth denunciava as disparidades entre mulheres negras e mulheres
brancas. Trecho do seu discurso:
“Aqueles
homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir em carruagem,
devem ser carregadas para atravessar valas e merecem o melhor lugar onde quer
que estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagem ou saltar sobre
poças de lama. E nunca me ofereceram o melhor lugar algum! E não sou uma mulher?
Olhem para mim! Olhem para o meu braço! Eu capinei, eu plantei, juntei palha
nos celeiros e homem nenhum conseguiu me superar! E não sou uma mulher? Eu
consegui trabalhar e comer tanto quanto um homem – quando tinha o que comer – e
também aguentei chicotadas! E não sou mulher? Eu pari 5 filhos e vi a maioria
deles ser vendida para a escravidão, e quando eu clamei com minha dor de mãe,
ninguém a não ser Jesus me ouviu. E não sou uma mulher?”
Apesar
de mais de 200 anos terem decorridos, a experiência de Sojourner Truth ecoa na
comunidade negra dos Estados Unidos até hoje. Ela encontrou na fé o impulso
para lutar por seu povo. A espiritualidade, em todas as suas expressões, é uma
forma de humanização para o povo negro. O discurso é um marco nas relações
entre o feminismo e o abolicionismo, e é considerado uma das primeiras falas do
feminismo negro.
O
ímpeto, das mulheres negras do Brasil, não difere das norte-americanas. Elas,
também, combateram a escravidão de dentro da senzala, e da casa-grande, onde se
perpetravam estupros coletivos, e, na resistência, o que hoje chamam de
feminicídio.
São
visíveis os avanços ocorridos em virtude das políticas que pretendem promover a
igualdade racial. Todavia, ainda fica evidente a necessidade de ampliação de
medidas ao combate à desigualdade Não obstante, não será a partir de
classificações arbitrárias ou ideológicas que corrigiremos o erro histórico do
preconceito e racismo, que espelham o Brasil de desigualdade. Há necessidade de
sairmos do campo ideológico e teórico com práticas e atitudes positivas e
concretas, cada um fazendo a sua parte, conscientemente. Censurar livros
infantis de Monteiro Lobato (e de outros autores) é um exercício fútil. A
literatura tem, entre suas funções, a de documento histórico de uma época e do
pensamento de seu autor; alterar trechos, não importa por qual motivo bem
intencionado, causará inevitável distorção do conteúdo.
O
debate sobre a questão racial explodiu, mundialmente! Tem havido congressos,
palestras, encontros, seminários, painéis, todo mundo discutindo se o racismo
existe ou não. Porém, o que realmente, de prático, foi realizado até agora? Muito
pouco ou quase nada. Enquanto isso a comunidade negra continua com as
adversidades presentes em nossas vidas. Nesses colóquios muita coisa já foi
dito, mas muito precisa ser realizado, e o denunciar não dispensa o agir.
Nos
debates, por vezes, alguém cita “Democracia Racial”. A Democracia Racial, no
entanto, é desmitificada por sociólogos e antropólogos que estudam o
preconceito e por vários indicadores sociais e econômicos que revelam
desigualdades ligadas à etnia. O preconceito está arraigado na sociedade em
larga escala. Dessa forma, a verdadeira Democracia Racial é uma meta que ainda
está longe de ser atingida e por enquanto é um mito que tenta criar uma imagem
positiva da sociedade, que não coincide com os fatos documentados.
A
versão dominante sobre o passado brasileiro contém imprecisões históricas e
ajuda a manter a supremacia branca viva. Entretanto, não devemos desprezar o
que os homens fizeram no século XX e nos primeiros anos deste. É o ocorrido,
consubstanciado em categorias como sangue, raça, língua e cultura, que forja
uma nação isenta de marginalização racista. Tentarmos verificar que no futuro à
competição das raças, a sobrevivência dos mais aptos significa o triunfo do
bom, do mais belo e da verdade, de que devemos ser capazes de preservar para as
civilizações futuras tudo o que é realmente bom, nobre e forte, e não continuar
estimulando a cobiça, a indecência e a crueldade. Para trazer essa esperança
para proveito, estaremos compelidos, diariamente, num estudo consciente dos
fenômenos que envolvem a convivência entre as raças, porém um estudo franco,
justo e perfeito, não falsificado e pintado com as cores de nossos desejos e
medos. A proposta é bem objetiva: questionar, propor, imaginar a participação
negra na construção do futuro. E estamos vivenciando um momento favorável para
essa empreitada.
Qualquer
que seja tipo de movimento contra o racismo, que for engendrado, deverá evitar
a utilização do “politicamente correto” É uma daquelas expressões que, de tão
enraizadas no senso comum, tornam-se difíceis de delimitar, conceitualmente. Primeiro
por tratar-se de algo muito vago e pode significar várias coisas. Segundo, é uma
maneira útil e poderosa de consolidar algum tipo de identidade política
antidemocrática. O adjetivo “politicamente correto” é usado para descrever
linguagens ou ações que devem ser evitadas por serem vistas como “excludentes”
ou “ofensivas”. Teoricamente, o politicamente correto defende a censura de
ideias que marginalizam ou insultam grupos de pessoas tidos como desfavorecidos
ou discriminados, especialmente grupos definidos por gênero, raça ou transgênicos.
Os
obstáculos para implementar práticas institucionais antirracistas e a
dificuldade de tornar o sistema de justiça mais diversos e igual precisam ser
superados de forma rápida, devendo contar também com o olhar e a experiência
das pessoas negras. Sem dar combate com vigor, o racismo, o preconceito, a
intolerância, a xenofobia e violência, a sociedade, num todo, perde. Agressores
presos, vítimas mortas, famílias negras enlutadas, famílias brancas destruídas,
categorias profissionais coagidas, empresas desacreditadas e com conceito
ridicularizado. E a comunidade agredida e desalentada. Combater a discriminação
racial em todas as suas manifestações individuais, estruturais e institucionais
é premente! Ainda que a diferença racial seja uma dura realidade, é sabido que,
para algo grande acontecer, é preciso envolver iniciativa privada, sociedade
civil, Ministério Público, Judiciário e governo num todo para que seja possível
a construção de um mundo mais justo e perfeito.
É
uma luta de todos nós!
EI.PP.EXEX
Obras
consultadas
Adichie, Chimamanda Ngozi - Americanah
Azevedo, Célia Maria Marinho – Maçonaria,
Antirracismo e Cidadania
Cardoso,
Lourenço – O Branco Ante a Rebeldia do Desejo
Davis, Angela Yvonne – Mulheres Raça e Classe
Du
Bois, William Edward Burghardt = As Almas do Povo Negro
Fanon,
Frantz Omar – Pele Negra, Máscaras Brancas
Figueiredo,
E – A Revolta dos Alfaiates - (Artigo)
King, Martin Luther – Por Que Não Podemos
Esperar
Lima,
Ivan Costa - História da Educação do Negro(a) no Brasil
Ribeiro,
Djamila – Pequeno Manuel Antirracista
Truth,
Sojourner - E não sou uma Mulher?
Voltaire
– Tratado Sobre a Tolerância
Ritual
da GLESP
(*)
E. Figueiredo – é jornalista – Mtb 34 947 e pertence ao
CERAT
– Clube Epistolar Real Arco do Templo/
Integra
o GEIA – Grupo de Estudos Iniciáticos Athenas/
Membro
do GEMVI – Grupo de Estudos Maçônicos Verdadeiros Irmãos/
Integrante
do Grupo Maçonaria Unida
Obreiro
da ARLS Verdadeiros Irmãos – 669 – (GLESP)
4 Comentários
Excelente trabalho. Meus parabéns.
ResponderExcluirA desigualdade social no nosso país é um câncer, e como câncer deve ser retirado mesmo que fique faltando parte de nós.
ResponderExcluirExcelente trabalho. Parabéns
ResponderExcluirTrabalho bom. Mas, na minha humilde e rasteira visão, não vejo, e acho que o trabalho nem tem essa intenção, como verdades certas colocações. Observo que, hoje em dia, e, aí a minha discordância quanto ao que entendi, se assim não for peço vênia, o racismo não é só das classes privilegiadas contra os pobres, e dos brancos contra os negros. Vem dos próprios afrodescendentes, também, o racismo em relação aos de outras cores.
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