Por João Anatalino
Enoque, o patriarca, entre os homens bons,
Ainda era vivo. Mas por Deus foi chamado
Para que fosse o primeiro entre os maçons,
Na sublime Arte do Demiurgo ser iniciado.
Então, pelos canteiros da obra divina viajou,
Com mestres-arcanjos servindo como guia;
E os dez céus do universo ele contemplou,
Com eles adquirindo essa magna sabedoria.
Viu que o mundo é como se fosse o edifício,
Que embora não tenha chão, parede e teto,
Nós o construímos como pedreiros de ofício,
Trabalhando nessa obra um pouco cada dia.
Tendo Deus como Grande Mestre-Arquiteto
Fazemos o que se chama de pura
Maçonaria.
Quem foi Enoque
Enoque é o sétimo patriarca citado pela Bíblia
na descendência direta de Adão e foi o bisavô de Noé, o da Arca. Entre os
patriarcas antediluvianos foi o que menos viveu, sendo de 365 anos a sua idade
quando, segundo a Bíblia, desapareceu.
O fato de o livro sagrado não se referir á
sua morte, e dizer que ele “andou com Deus e Deus o levou”, tem feito muitos
comentadores dizer que Enoque não morreu, mas sim, foi levado ao céu vivo, como
acreditam os cristãos que Jesus também foi e os muçulmanos dizem ter acontecido
a Maomé, que foi “arreba- tado” da terra para o céu.
Lendas á aparte, o fato é que esse Enoque é
um dos mais misteriosos personagens da Bíblia e sua figura tem se prestado ao
desenvolvimento de uma rica mitologia que tem resistido aos séculos. Essa
mitologia provém em grande parte de dois escritos cabalísticos encontrados
entre os chamados apócrifos- conjunto de livros antigos censurados pela Igreja
e excluídos da literatura cristã acreditada- chamados O Livro de Enoque e o
Livro dos Segredos de Enoque.
Esses livros, escritos provavelmente por um
judeu de Alexandria em fins do século I, apresentam uma visão apocalíptica do
mundo e do destino da humanidade. No Livro dos Segredos, Enoque passeia pelos
dez céus da arquitetura celeste e vê o sofrimento a que são submetidos os que
não alcançaram a salvação de Jesus Cristo. É uma visão semelhante á de Dante na
Divina Comédia. No Livro de Enoque ele descreve a arquitetura cósmica, com seus
anjos e toda a simbologia a eles associada. Mostra também, de forma
apocalíptica, a escatologia do universo físico e da humanidade, numa visão
semelhante á do Apocalipse de João.
As duas obras contém visões tão semelhantes
que é difícil saber quem influenciou quem. Possivelmente ambas devem ter sido
influenciadas pelos escritos essênios, já que tais visões eram próprias dos
membros daquela seita.
Os escritos de Enoque são essencialmente
cabalísticos, abusando de símbolos e metáforas muito a gosto dos cultores dessa
tradição. Tanto é que na Cabala, Enoque tornou-se o arcanjo conhecido como
Metraton.
É também na Cabala que encontraremos boa
parte da inspiração maçônica para a sua visão da arquitetura celeste, que se
funda na idéia de que o universo é uma estrutura pensada por Deus(que atua como
se fosse o seu mestre arquiteto) e é construída por anjos e homens atuando como
mestres e pedreiros.Essa cosmo visão encontra uma certa confirmação nas obras
do personagem Enoque e vai de encontro ás visões dos filósofos gnósticos e
cabalistas que forneceram a base da Maçonaria espiritualista.
A Lenda de Enoque
A lenda de Enoque, tal como é desenvolvida
pela Maçonaria, é uma alegoria sobre a qual se assentam os ensinamentos
dos graus doze a quatorze do Rito Escocês Antigo e Aceito e também é cultivada
em outros ritos, com algumas variantes. Sua melhor performance ocorre no Rito
do Arco Real, que tem em Enoque um dos seus mais importantes arquétipos.
No Rito Escocês Antigo e Aceito essa lenda
aparece no ritual do grau treze. Em resumo ela diz o seguinte:
“ Enoque, durante um sonho que teve, foi
informado que Deus tinha um Nome Verdadeiro que aos homens não era lícito
saber, porque se tratava de uma palavra de grande poder. Esse Nome, Deus
comunicou aos seus ouvidos, mas proibiu que o divulgasse a qualquer outro
homem. Deus lhe informou também sobre o castigo que iria ser lançado sobre a
humanidade pecadora, através do dilúvio.
O Inefável Nome de Deus era a chave que
poderia proporcionar aos homens todo o conhecimento secreto e um dia, quando
fossem merecedores, ele seria revelado. Mas para que o Inefável Nome de Deus
não fosse perdido após a catástrofe que destruiria a humanidade inteira através
do dilúvio, Enoque gravou-o numa pedra triangular, numa língua só inteligível
aos anjos e a ele próprio. Portanto, mesmo que alguém descobrisse um dia a
grafia do Nome de Deus, isso de pouco adiantaria, pois pronúncia dessa Palavra
Sagrada somente ele, entre os homens, seria capaz de dar.
Antes do dilúvio havia sobre a terra
civilizações bastante desenvolvidas em termos de artes e ciências. Era uma
civilização dos gigantes, filhos dos anjos caídos (os nefilins) com as filhas
dos homens. Essa civilização era má, arrogante e descrente. Por isso Deus
anunciou a Enoque que iria destruí-la. Para
preservar os conhecimentos dessas antigas civilizações (a Atlântida,
segundo a Doutrina Secreta, ou a civilização dos anunnakis segundo
a literatura suméria), Enoque fez com que vários textos, contendo conhecimentos
científicos fossem gravados em duas colunas, e em cada uma delas esculpiu o
nome sagrado.
Uma delas era feita de mármore, a outra
fundida em bronze. Essas colunas ele as pôs como sustentáculo em um
suntuoso templo que mandou construir em um lugar subterrâneo, só dele e de
alguns eleitos, conhecidos. Esse templo tinha nove abóbadas, sustentadas
por nove arcos. No último arco Enoque mandou gravar um Delta Luminoso, que
simbolizava o Nome Inefável, e fez um alçapão onde guardou a pedra onde ele
havia gravado esse nome sagrado.
Com a vinda do dilúvio, todas as antigas
civilizações foram destruídas e seus conhecimentos científicos e artísticos
foram perdidos. Noé e sua família, os únicos sobreviventes dessa catástrofe,
nada sabiam das antigas ciências. Das colunas gravadas por Enoque, somente a de
bronze pode ser recuperada pelos descendentes de Noé. Nela constava o
Verdadeiro Nome de Deus, mas não a forma de pronunciá-lo, pois essa
sabedoria estava escrita na coluna de mármore. Assim, essa pronúncia
permaneceu desconhecida por muitos séculos, até que Deus a revelou a Moisés em
sua aparição no Monte Sinai.
Mas Moisés foi proibido de divulgá-la, a não
ser ao seu irmão Aarão, que seria, futuramente, o principal sacerdote do povo
hebreu.
Deus prometeu a Moisés, todavia, que mais
tarde o poder desse Nome seria recuperado e transmitido a todo o povo de
Israel. Segundo a tradição cabalística isso só aconteceu nos tempos de Shimon
Ben Iohai, o codificador da Cabala, mas nem todo o povo de Israel compartilhou
dessa sabedoria, uma vez que ela continuou sendo transmitida apenas aos rabinos
que atingiam os graus mais altos na chamada Assembléia Sagrada.
Moisés, no entanto, conforme a lenda, havia
mandado que o Nome Inefável, com a pronúncia correta, fosse gravado em uma
medalha de ouro e guardado na arca da Santa Aliança juntamente com as tábuas da
lei. Dessa forma, o Sumo Sacerdote, em qualquer tempo, poderia compartilhar
dessa sabedoria e invocar o Grande Arquiteto do Universo na forma
correta. Porém, a Arca da Aliança foi perdida numa batalha que os
israelitas travaram contra os sírios. Mas, guardada por leões ferozes, os
sírios nunca conseguiram abri-la e mais tarde ela foi recuperada pelos
sacerdotes levitas. Durante as batalhas que o povo de Israel travou contra os
filisteus pela posse da Palestina, a Arca foi perdida mais uma vez, sendo
capturada pelo exército inimigo. Os filisteus, que não sabiam do poder que
tinham nas mãos, fundiram a medalha de ouro com o Nome Inefável e a
transformaram num ídolo dedicado ao Deus Dagon. Esse foi um dos motivos pelos
quais O Grande Arquiteto do Universo instruiu Sansão para que este praticasse
seu último ato de força no Templo dos filisteus em Gaza, matando um grande
número deles.
Entretanto, de tempos em tempos, Deus
comunicava a algum profeta o segredo dessa pronúncia, com a condição de que ele
o mantivesse em segredo. Assim, durante longo tempo a forma de pronunciar o
Nome Inefável ficou oculta, até que Deus o revelou a Samuel e este o transmitiu
aos reis de Israel, Davi e depois a Salomão.
Após construir o Templo de Jerusalém, (que
reproduzia a forma e a estrutura do templo construído por Enoque, inclusive com
os nove arcos, onde, no nono se erguia o Altar do Santo dos Santos, no qual a
Arca da Aliança estava depositada), Salomão determinou a Adoniran, Stolkin e
Joaben a construção de um templo dedicado á Justiça. Estes, após escolher e
preparar o terreno, verificaram que aquele era exatamente o lugar onde Enoque
havia construído o antigo templo. Após demoradas pesquisas e árduos trabalhos
escavando as ruínas do antigo templo, descendo a diversos níveis subterrâneos,
os mestres destacados por Salomão, sob o comando de Adoniran, descobriram a
coluna onde o sagrado Delta estava gravado.
Dessa forma, o Verdadeiro Nome de Deus foi
recuperado e pode ser transmitido ao povo de Israel na sua forma escrita, mas a
forma de pronunciá-lo permaneceu um segredo compartilhado por poucas pessoas,
pois a coluna de mármore, onde estava essa sabedoria estava inscrita, foi
destruída pelo dilúvio. Somente Salomão, o Rei de Tiro e os três mestres que
desceram ao subterrâneo detinham esse conhecimento. Com o desaparecimento daqueles
personagens, ficou perdida novamente a pronúncia da Palavra Sagrada.[1]
Esse é o conteúdo da lenda maçônica, que
revela um conhecimento iniciático de grande relevância, pois o personagem
Enoque não é exclusivo da tradição hebraica. Ele, na verdade, é um arquétipo
presente na mitologia de vários povos antigos e cultuado como “mensageiro dos
deuses” e arauto do conhecimento divino, transmitido aos homens na terra.
No Egito ele era associado ao deus Toth, que
teria trazido aos homens o conhecimento da escrita, da metalurgia e da
agricultura. Na Grécia foi conhecido como Hermes, o Senhor da Magia e do da
ciência. Na tradição celta havia um personagem análogo, que ficou conhecido na
mitologia daquele povo como Merlin, o mago, guardião dos portais do conhecimento.
Entre os maias ele foi Quetzacoatal, o civilizador, que trouxe para aquele povo
o conhecimento que ostentava aquela antiga civilização. Provavelmente foi nessa
fonte da tradição maia que os autores da literatura mórmon se inspiraram para
compor suas escrituras.
Em todas essas tradições, o personagem
aparece como guardião das chaves do conhecimento, que antigas civilizações
ostentaram e perderam em virtude do mau uso que fizeram deles.
O paralelo com a lenda mórmon.
A lenda maçônica, tal qual ela aparece nos
rituais, não será encontrada nos chamados apócrifos de Enoque. Ela
provavelmente foi inspirada nos textos dessas obras, mas não consta
textualmente delas. Vale registrar que ela encontra um curioso paralelo no Livro
de Mómon, onde um personagem chamado Mórmon, referido como profeta-historiador,
registra os conhecimentos de uma antiga civilização que teria sido a
antecessora dos maias, astecas e incas, as grandes civilizações da América.
Um desses livros registra o ministério
pessoal que Jesus Cristo teria desenvolvido junto aos índios americanos logo
após a sua ressurreição, ensinamentos esses que teriam sido registrados por
Mórmon, que os entregou ao seu filho Morôni, que os ocultou num Monte chamado
Cumora. Durante cerca de dezoito séculos esses ensinamentos, que haviam sido
gravados em placas de ouro, ficaram perdidos. Mas em 21 de setembro de 1821,
Cumôni teria aparecido a um maçom-profeta de nome Joseph Smith, e mostrado o
lugar onde as placas estariam escondidas. Depois ensinou ao mesmo Smith como
decifrar e traduzir para o inglês os referidos escritos.
Assim nasceu o Livro de Mórmon, Bíblia da
Igreja dos Santos dos Últimos Dias. Trata-se, como se vê, de uma curiosa versão
da lenda maçônica das Colunas de Enoque, é não é possível saber no que uma
influenciou a outra. Considerando que tanto o profeta-historiador Joseph Smith,
quanto seu sucessor Brigham Young no comando da seita mórmon eram maçons, bem
como um bom número de seus primeiros líderes, pode-se especular que eles tinham
conhecimento dessa fonte e a utilizaram para compor o seu curioso trabalho.[2]
A interpretação da lenda
As instruções dos graus se referem ás viagens
que o iniciando tem que fazer, a exemplo dos três Mestres, para encontrar a
Palavra Sagrada. Simbolicamente, para o maçom essas viagens equivalem a uma
descida dentro de si mesmo a fim de liberar a luz que existe dentro dele. Aqui
temos novamente a evocação, tão cara aos gnósticos e aos alquimistas, da
necessidade de encontrar “dentro de si mesmo” aquela energia que faz o homem
integrar-se à divindade.
Pois outra coisa não é a Palavra Perdida. O
Inefável Nome de Deus é o principio que libera o espírito de suas amarras
materiais e o torna livre para galgar as alturas e penetrar no reino da luz.
Essa tradição freqüenta a mística de todas as religiões do mundo, desde o
Budismo tibetano até á Cabala, que a desenvolve através da metafísica dos
números e suas relações com a divindade.
Diz a lenda que com a perda do verdadeiro
significado, este substituída pelas iniciais IHVH que, depois de
pronunciada, é coberta com três Palavras Sagradas, três sinais e três palavras
de passe; somente após o cumprimento desse ritual se chega ao Nome Inefável. De
acordo com a tradição maçônica, os cinco primeiros iniciados no grau de
Cavaleiro do Real Arco foram os próprios reis Salomão e Hiram, rei de Tiro, e
os três Mestres que descobriram o templo sagrado de Enoque. Um juramento de não
pronunciar o Verdadeiro Nome de Deus em vão foi feito pelos mestres recém
eleitos, juramento esse que se repete na elevação ao grau 14.
Diz ainda a lenda, que mais tarde outros
Mestres foram admitidos no grau, até o numero de vinte e sete, sendo a cada um
deles distribuído um posto. Outros Mestres, que tentaram obter o grau sem o
devido merecimento receberam o justo castigo, sendo executados e sepultados no
subterrâneo onde a pedra gravada com o Nome Inefável foi originalmente
depositada .
A prece final de encerramento dos trabalhos
do grau nos dá bem a significação do conteúdo iniciático da lenda.
“Poderoso Soberano Grande Arquiteto do
Universo. Vós que penetrais no mais recôndito dos nossos corações, acercai-vos
de nós para que melhor possamos adorá-lo cheios de vosso santo amor.
Guiando-nos pelos caminhos da virtude e afastando-nos da senda do vicio e da
impiedade. Possa o selo misterioso imprimir em nossas inteligências e em nossos
corações o verdadeiro conhecimento de vossa essência e Poder Inefável, e assim,
como temos conservada a recordação de Vosso Santo Nome, conservar também em nós
o fogo sagrado de vosso santo temor, principio de toda sabedoria e grande
profundidade de nosso ser. Permiti que todos os nossos pensamentos se consagrem
á grande obra de nossa perfeição, como recompensa merecida de nossos trabalhos
e que a União e a Caridade estejam sempre presentes em nossas Assembléias, para
podermos oferecer uma perfeita semelhança com a morada de vossos escolhidos,
que gozam do vosso reino para sempre. Fortalecendo-nos com vossa Luz, para que
possamos nos separar do mal e caminhar para o bem.Que todos os nossos passos
sejam para o proveito da nossa aspiração, e que um grato perfume se desprenda
no Altar de nossos corações e suba até vós. Ó Jeová, nosso Deus! Bendito
sejais, Senhor. Fazei com que prospere a obra feita pelas nossas mãos, e que
sendo vossa Justiça o nosso guia, possamos encontrá-la ao término da nossa
vida. Amem”.[3]
Por fim, cabe considerar que a maçonaria
cristã se apropriou dessa lenda para aproximá-la da tradição associada com o
magistério de Jesus Cristo. Essa transposição iniciática foi feita pelos
adeptos da filosofia rosa-cruz, que incorporaram nela a mística da paixão,
morte e ressurreição de Cristo. Assim, a Palavra Perdida passou a ser soletrada
pelas iniciais da inscrição que Pilatos mandou botar na cruz de Jesus: INRI.[4]
_______________________
do livro ' LENDAS DA ARTE REAL- TITULO
PROVISÓRIO- NO PRELO
[1] Exerto da nossa
obra Conhecendo a Arte Real- Madras, 2006
[2] O Livro de
Mórmon- 1995
[3] Conforme o
ritual do grau 14.
[4] Sobre esse assunto veja-se o nosso trabalho publicado neste site, denominado A Rosa Mística.
João Anatalino
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