por John Moses Braitberg Tradução: Jose Filardo
A Maçonaria e a literatura formam um
velho casal. Seus relacionamentos íntimos, inconstantes, instáveis, foram por
muito tempo passionais. E então, com o tempo, sua relação se acalmou para
atingir a indiferença. Restam antigas lembranças, anedotas, mistérios, velhas
fantasias, a escória de palavras carregadas pela onda da nostalgia.
“Não sei ler nem escrever” … Mas devo
aprender. A leitura e a escrita, exercícios pelos quais sentimos, aprendemos,
conhecemos e descrevemos os sentimentos e emoções de outros, pedem emprestado
os caminhos da iniciação. Entrar em um livro é como penetrar em um templo. Tudo
ali é símbolo. A começar pelas letras. Como a iniciação, a leitura obedece a
rituais e segue uma progressão. O livro inicia e convida à jornada interior ao
longo de um companheirismo que nos conduz, em última análise, a dominar
realidades até então desconhecidas através de palavras encontradas, se não
reencontradas ao longo das páginas.
Em Maçonaria existem rituais que moldam os
contornos de uma prática para melhor excedê-la e compreender seu significado
profundo. Na literatura, há o estilo que toma emprestado das exigências da
disciplina gramatical para ir além das palavras no gozo da narrativa.
Mas, se existem muitas correspondências entre
a literatura e a Maçonaria, um autor maçom não é necessariamente um escritor
maçom. Um autor “profano” pode, assim como o iniciado, desenvolver em suas
obras os valores e noções eminentemente maçônicos. É por isso que, neste esboço
das relações entre literatura e maçonaria, distinguimos três categorias
principais: os escritores maçônicos que escreveram sobre a Maçonaria, aqueles
que nunca falaram sobre isso, e os autores seculares que a evocaram. E uma
coisa é clara: além dos gêneros muito especiais que são a produção maçônica
polar, esotérica e especializada, a maçonaria não é mais mencionada na
literatura francesa a partir da segunda metade do século XX. A perda de
influência das lojas no século resultou se traduziu por uma falta de interesse
por este assunto na literatura. Da mesma forma, além dos gêneros específicos
mencionados acima, nenhum escritor francês contemporâneo proeminente pode ser
visto escrevendo sobre a Maçonaria E se a internet se tornou o grande
vertedouro do ódio antimaçônico, o antimaçonismo literário desapareceu. Em
outras palavras, mesmo que conheçamos a fragilidade das situações adquiridas,
nossas sociedades estão hoje tão penetradas com os ideais de tolerância,
liberdade e escolha individual trazidos pela Maçonaria que isso não é mais um
assunto de inspiração tanto para aqueles que os reivindicam quanto para aqueles
que os combatem.
Escritores sem avental
Às três categorias que distinguimos,
acrescenta-se a dos literatos “intermediários”, que inclui de um lado os
“escritores sem avental” que militaram pelos valores maçônicos sem serem
iniciados e, de outro, aqueles que, apesar de o terem sido, afastaram-se de uma
forma ou de outra. Na primeira parte, é claro, encontramos Victor Hugo, cuja
obra é baseada na ideia de que tanto o homem quanto mundo são aperfeiçoáveis.
Lamartine era da mesma veia. E embora ele não falasse “a língua dos maçons […]”
ele declarava ver “[…] no segredo das lojas somente um véu de modéstia lançado
sobre a Verdade e a Benevolência […]” . Quanto a Arthur Rimbaud, que alguns reconheceram
em uma foto entre seus irmãos em uma loja de Aden, sua obra é às vezes tão
esotérica que alguns viram ali a influência do ocultista Eliphas Levi. Neste
“Entre Dois”, está a categoria dos “verdadeiros falsos” iniciados entre os
quais podemos incluir Voltaire, iniciado na última hora, que não só escreveu
coisas ruins sobre a Ordem no capítulo “Iniciação” da Enciclopédia, mas
produziu uma peça, “L’écossaise”, para ridicularizar o escritor Jean Fréron,
inimigo dos filósofos, defensor do trono e do altar, mas verdadeiro maçom.
Quanto ao nosso contemporâneo Christian Jacq, especialista nos mistérios do
antigo Egito, ele dá em O Monge e o Venerável uma visão tão profundamente
espiritualista da Maçonaria que é difícil encontrar ali um escopo universalista.
A representação da Maçonaria nas obras de
ficção não desapareceu totalmente, longe disso. Pelo contrário. Nunca, sem
dúvida, tantos livros com conteúdo maçônico foram vendidos. Mas enquanto
Tolstoi, Anatole France ou André Gide evocavam uma maçonaria que carregava uma
ideologia que podia ser exaltada ou combatida, a Maçonaria tornou-se nos
romances de Dan Brown ou nas aventuras do Comissário Marcas da dupla
Ravenna-Giacometti, pretexto para atmosferas e digressões esotéricas. Um veio
que os quadrinhos também exploraram.
A cadeia de união que simbolicamente nos liga
no tempo e no espaço é composta de elos que, como as palavras, têm apenas o
significado colocado em perspectiva com outras palavras. É também este trabalho
de ligação pelos elos que libertam que nos convida à literatura.
A Maçonaria vista pelos escritores
maçons
Apenas entre os escritores dos séculos XVIII
e XIX encontramos referências à Maçonaria sob a pena de autores iniciados.
Teria faltado a Giacomo Casanova (1725-1798),
sedutor, vigarista, mago, espião … não ser maçom. Ele também foi um escritor
prolífico cuja posteridade reconheceu principalmente suas memórias em que
lemos: “Foi em Lyon que uma personagem respeitável […] me deu a graça de ser
admitido a participar das sublimes bagatelas da Maçonaria”. A seguir, algumas
reflexões muito bem ponderadas sobre a ordem e seus graus como esta: “O
Mestrado é certamente o grau supremo da Maçonaria; porque todos os outros, que
a seguir me fizeram seguir, são apenas invenções agradáveis, que, embora simbólicas,
não acrescentam nada à dignidade de mestre “.
Na mesma época, na Alemanha, Gotthold
Ephraim Lessing (1729-1781) nos convida a refletir sobre o significado
da iniciação. Aos 40 anos, este filho de pastor saxão foi inicado na loja Zu
drei Rosen – As Três Roas – em Hamburgo. Sua entrada na Maçonaria acrescentou à
sua obra uma dimensão filosófica que o levou a falar abertamente da Ordem.
Ernst e Falk, diálogos maçônicos
Neste livro publicado em 1778, Ernst, o
profano, e Falk, o iniciado, conversam sobre Maçonaria de forma direta:
“Ernst – E você poderia saber o
que sabe sem ser iniciado?
Falk – Por que não? A Maçonaria não é
algo arbitrário, supérfluo, mas uma necessidade da natureza humana e uma
necessidade social. Então, é preciso ser capaz de descobri-la também por uma
pesquisa pessoal, bem como por indicações recebidas de outros.
Ernst – Maçonaria não
é arbitrária? Ela não tem fórmulas, símbolos, ritos que poderiam ser
inteiramente diferentes e, portanto, arbitrários?
Falk – Certamente, mas estas fórmulas,
estes símbolos e estes ritos, não são a Maçonaria. ”
Compatriota de Lessing, Johann
Wolfgang Goethe (1749-1832), curioso sobre tudo e espiritualidade
amorosa foi, como já se disse, um “maçom com eclipses”. Abordado em sua
juventude, Goethe recusou a iniciação por uma questão de liberdade, antes de
integrar, aos 31 anos de idade, a loja Amalia zu drei Rosen – Amalia de três
rosas – de Weimar. Passando da maçonaria “inglesa” para a muito aristocrática e
católica “Estrita Observância Templária”, ele se encontrará entre os
“Illuminati da Baviera” de Adam Weisshaupt.
Goethe mencionou muitas vezes a Maçonaria.
Nos Anos de Aprendizagem de Willhelm Meister, que narra as aventuras de um
jovem comerciante que pensa ter vocação para ator, alguns queriam ver uma
alusão maçônica ao interpretar o nome no título: “Willhem Meister” lido em
inglês como “Will I am a Master?” o que em português se traduz por “Vou me
tornar um mestre?”. Em Afinidades Eletivas, um romance em que ele atribui às
relações de amor uma origem “química”, Goethe escreve sobre um manipulador de
colher de pedreiro: “O trabalho do pedreiro […] é sempre feito em segredo”. Em
1791, ele encenará sua peça O Grande Copta, na qual há uma paródia de iniciação
ao rito egípcio.
Goethe retornaria à sua loja mãe depois de
vinte e seis anos de interrupção. Ele não só se sentava nas colunas, mas
enviava discursos e poemas. No final, ele foi um buscador ao longo de sua vida.
Uma busca que se expressa especialmente em ambas as versões do seu Fausto. Obra
esotérica que toma emprestado ao gesto alquimista, Fausto como “A Flauta
Mágica”, não transmite diretamente uma mensagem maçônica, mas evoca a superação
de si na luta permanente pela vitória da luz sobre as trevas. Goethe morreu em
22 de março de 1822. Suas últimas palavras foram Mehr Licht: “Mais luz”.
Nessa época existe mais leveza no trabalho
poético de Robert Burns (1759-1796). O “Bardo Caledoniano”, o
bardo escocês, foi iniciado em 1781 pela Loja Saint Davis No 174 de Tarbolton.
Ele foi um maçom ativo durante toda a sua curta vida. Sua obra é cheia de
inteligência e conta quase trezentas canções, das quais a mais famosa é “Old
Lang Syne” que os maçons de língua portuguesa conhecem como “Canção de Adeus”.
Não há dúvida de que essa música foi cantada
por seu compatriota Rudyard Kipling (1865-1936). Esse filho de
pastor metodista iniciou uma carreira jornalística na Índia quando ele ainda
não tinha vinte anos. Maçom precoce, ele se beneficiou de uma dispensa de idade
para ser admitido em loja. Em uma carta ao Times de Londres ele escreveu: “[…]
eu fui Secretário da loja Esperança e Perseverança da Loja n º 782 de Lahore
[…]. Eu fui iniciado por um membro do Brahmo Samaj, um hindu, elevado a
companheiro por um muçulmano e exaltado mestre por um inglês. Nosso Telhador
era um judeu indiano.” Essa diversidade um tanto idealizada se reflete no
famoso poema “A Loja da Mãe”, no qual ele escreve: “Quando me refiro a este
tempo / muitas vezes vem à minha mente / que não existem os chamados infiéis /
exceto talvez cada um de nós.”
Publicado na edição 63 de Franc Maçonnerie Magazine
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