Por João Anatalino
O PATRIARCA ABRAÃO
“Sai da
tua terra e da tua parentela, e da casa do teu pai e vai para a terra que eu te
mostrar. E eu farei de ti um grande povo e te abençoarei e engrandecerei o teu
nome (...) Gênesis 1;12.
Foi na
terra dos magos que o patriarca Abraão,
Ao
buscar por entre estrelas a luz da sabedoria,
Teve
nesse dia uma sagrada e divina inspiração:
A de
que no universo um Deus somente havia.
Mas
aqueles sacerdotes que viviam na Caldéia,
Estavam
enriquecendo no comércio da religião;
Daí não
gostaram nem um pouquinho da idéia,
E foram
logo expulsando o sábio mago Abraão.
Foi
então que ele saiu daquela terra dos caldeus,
E se
fixou no vale verde cujo nome era Hebron,
Onde
fundou a tribo conhecida como hebreus.
Foi na
Palestina dos ferozes e ímpios cananeus,
Nesse
vale sagrado por onde corre o rio Jordão,
Que o
mundo conheceu o seu verdadeiro Deus.
ABRÃO, O INICIADO
A Bíblia informa que o primeiro nome do
patriarca fundador da nação israelita era Abrão. Esse era um nome comum entre
os pastores da Mesopotâmea. Abrão era um pastor de cabras e ovelhas, até que
Deus o escolheu para ser “pai de uma multidão”, ou seja, o patriarca genitor de
vários povos que se espalharam pelo Oriente Médio, e especialmente do povo de
Israel, povo que mais tarde seria escolhido por Deus para ser o seu modelo de
nação. Então, depois dessa escolha e da aliança que foi firmada entre Deus e Abrão,
quando este tinha noventa e nove anos, este passou a chamar-se Abraão, que
significa “pai de multidões”.
Essa é uma propriedade que a língua hebraica
tem. As palavras, em hebraico têm valores numéricos que são interpretados
segundo as disposições das letras e dos sons que elas formam. A simples adição
de uma vogal ao nome de uma pessoa faz com que ela mude completamente de
significado. Assim, Abrão, que era apenas o pai de um clã, com a adição de um
a, passou a ser Abraão, o pai de uma multidão.
Até os noventa e nove anos(número que também
tem suas implicações cabalísticas), Abrão foi um homem comum, embora já desde
criança tivesse sido escolhido por Deus para uma importante missão. Mas ao que parece,
antes de receber de Deus a consagração e o prêmio de sua missão, ele teve que
realizar uma longa jornada iniciática pelas terras que receberiam sua semente,
e não raras vezes teve que intervir pessoalmente para garantir os resultados da
tarefa que lhe fora confiada aos setenta e cinco anos de idade, quando saiu de
Haran, cidade onde morava com sua família, para se estabelecer na terra de
Canaã, por ordem expressa de Deus.[1]
99 é o número que antecede o 100, múltiplo de
10, o número perfeito. Abrão não poderia ser consagrado antes de atingir a
“idade da perfeição”. Daí suas experiências e aventuras, conforme narradas na
Bíblia se assemelharem à uma verdadeira jornada iniciática, as quais constituem aventuras espirituais realizadas
justamente para aprimorar o caráter do indivíduo para levá-lo a um estado de
superação de sua condição material. Esse é o estado que todo místico precisa
obter antes de receber a sua “iluminação”.
Quem era Abrão antes de receber a promessa da
Aliança e qual realmente teria sido a sua real importância no contexto geral da
história da civilização e das idéias que influenciaram a formação do espírito
universal, especialmente entre os povos do ocidente?
Tudo que sabemos sobre ele é o que consta das
crônicas bíblicas e dos comentários que sobre esses textos os intérpretes e
comentadores da Bíblia fizeram. Nenhum documento escrito, nenhuma referência
arqueológica, nenhuma outra informação que sequer informe quando e onde teria
vivido esse que teria sido o primeiro patriarca do povo que mais tarde, já nos
tempos de Moisés, teria sido escolhido por Deus para ser um modelo de perfeição
entre as nações.
A Bíblia registra que Abraão é um descendente
de Noé, tendo nascido na décima geração desse patriarca, após o dilúvio. Embora
não de modo explícito, ela sugere que Abrão já era um devoto da divindade que
mais tarde iria ser cultuada pelo seu povo como sendo o verdadeiro e único Deus
do universo. Esse era o mesmo Deus que teria instruído Noé para fazer a arca, e
teria mantido com a família do patriarca uma relação de amizade, fidelidade e
favorecimento, distinguindo o clã de Abraão entre todas as famílias da terra.
Não é sem propósito que Abrão tenha nascido
na décima geração dos descendentes de Noé, pois dez é o número perfeito, como
já se informou. Assim, dez gerações teriam que ser contabilizadas até que o
descendente adequado para a missão que Deus queria realizar entre os homens
nascesse. Essa tradição, de contar as gerações de dez em dez, para situar os
acontecimentos marcantes da linhagem de Israel, parece ter sido uma orientação
fundada em alguma crença astrológica que via os acontecimentos cósmicos
benéficos ocorrendo conforme esse
segmento de tempo, da mesma forma que a seqüência de seis era maligna. Dessa
forma, encontraremos dez gerações(do bem) de Adão até Noé e dez gerações de Noé
até Abrão. Destarte, são seis as gerações do mal, contabilizadas a partir de
Cain. Curiosamente, o evangelista Mateus passou a contar as gerações sagradas
de quatorze em quatorze desde Abrão até Jesus. Não conseguimos identificar uma
possível fonte de suas informações pois elas não constam do Velho Testamento
nem da literatura rabínica produzida paralelamente. Todavia, Lucas contabiliza
72 gerações a partir de Adão até Jesus. Onde ele conseguiu essas informações
não fazemos a menor idéia, mas se lembrarmos que 72 é o número dos anjos
(semanphores) ou espíritos, que servem na presença de Deus, talvez possamos ter
uma pista dessa curiosa genealogia sagrada que resultou na pessoa de Jesus
Cristo, chamada pela Cabala pelo sugestivo nome de Shekinah[2).
ABRAÃO E A TRADIÇÃO MAÇÔNICA
Os comentários rabínicos posteriores,
constantes do Talmude e principalmente dos textos cabalísticos retratam Abraão
como sendo um sábio imerso em contemplações metafísicas ou um visionário, muito
próximo dos magos caldeus retratados na literatura mesopotâmica. Segundo esses
textos ele, ainda jovem, intuiu a existência de uma só divindade e passou a
integrar toda a realidade divina num único conceito que seria o de Jeová, deus
acreditado pelos povos pastores do norte da Mesopotâmea, e que era
representado, não por espíritos da natureza ou por qualidades humanas, como
faziam os demais povos, que através de seus ídolos, reverenciavam as forças da
natureza e o poder dos seus reis, mas sim por um conceito abstrato, que
encarnava hierarquia, poder e origem sobrenatural do homem. Essa idéia
simbolizava, ao mesmo tempo, o patriarca da família, na sua natural posição
hierárquica e a ascendência divina da família, representada por uma origem
recenseada a partir do primeiro homem que Deus colocou na terra, ou seja, Adão.
Isso dava força á pretensão de Israel, pois sua linhagem se originava na
própria divindade e seu direito de propriedade era oriunda do próprio Deus, por
que Ele prometera aquela terra á Abraão e sua descendência. Nasceria, dessa
forma, o conceito de fratria, ou seja, a idéia de um clã unido pelos laços do
sangue e da tradição,que mais tarde daria sedimento ao conceito de
Fraternidade, que Moisés iria usar para dar ao povo de Israel uma organização
de verdadeira maçonaria. [7]
O proto-estado de Israel, antes de se tornar
um reino, pode ser considerado como uma espécie de vivência maçônica bastante
peculiar. Tanto é que o rito do Arco Real se refere à Loja presidida por Moisés
no Monte Horeb como sendo a primeira Loja maçônica do mundo.
Essa é a razão pela qual os maçons adotaram
tantos símbolos e referências à cultura israelita e também o motivo de os
encontrarmos disseminados por todos os graus do moderno catecismo maçônico.
Essas inferências não se devem apenas a admissão de judeus na Ordem, como de
ordinário acreditam alguns autores, mas porque a própria cultura maçônica
desenvolveu-se a partir do núcleo israelita e busca recompor, no simbolismo e
no objetivo contido na idéia de fraternidade praticada pela Maçonaria moderna,
os mesmos sentimentos que motivaram a fundação da antiga nação de Israel. Dessa
forma, podemos dizer que se existe um arquétipo inspirador para a Arte Real
hoje praticada, esse é a Israel bíblica. A nação que ele fundou constitui um
verdadeira obra de Arte Real, cuja estrutura seria, mais tarde, construída por
Moisés e receberia o acabamento feito por Salomão. Mais tarde esse edifício
seria reformado por Zorobabel, o Aterzata, e sofreria depois uma reforma total
através de Jesus, o mestre carpinteiro de Nazaré.
É por isso que tanto a tradição gnóstica,
derivada dos ensinamentos da Cabala, quanto a sabedoria contida nos textos
gnósticos, cultivados pelas vertentes espiritualistas da Maçonaria e da Teosofia,
vêem em Abraão um mago conhecedor dos grandes segredos arcanos, especialmente o
Verdadeiro Nome de Deus. Para os místicos o Nome de Deus é uma palavra que
contém, no número formado pela sua composição gráfica, somado ao valor numérico
resultante do som produzido pela sua correta pronúncia, um poder
extraordinário.
A idéia de que certos sons contém poder é uma
antiga crença existente em quase todos povos antigos. Na Ìndia, por exemplo, a
palavra Om, é um mantra poderoso. Foi, aliás através do som das trombetas que
as muralhas de Jericó ruíram para que o exército israelita pudesse invadi-la.
Segundo os cultores da Cabala mística foi com
esse poder, emanado da escrita e da pronúncia do seu Nome, que Deus teria dado
surgimento á matéria universal, a partir da sua própria essência espiritual,
sendo o seu grito inicial “Haja Luz”, o chamado Big-Bang dos cientistas. A
partir daí todas as manifestações de criação divina no mundo das realidades
manifestas são precedidas da pronúncia desse Nome Inefável. Por isso o próprio
Deus o proibiu de ser pronunciado em vão em um dos mandamentos do Decálogo,
pois essa ação dá impulso a um ato criador, que somente a Deus é permitido.[8]
Para os cabalistas, foi Abraão quem
transmitiu ao povo de Israel as informações sobre a criação do mundo, que
constam do Gênese, as quais teria obtido junto aos sábios mesopotâmicos quando
ainda habitava em Ur dos caldeus. Essas informações seriam aquelas contidas na
literatura suméria, mas somente Abraão conseguiu entender o verdadeiro significado
dessas lendas da criação e registrou as suas observações no chamado “Livro da
Criação”, ou Sefer Yetzira, obra cabalística por excelência, que desvenda o
segredo da criação do mundo. Nessa obra, escrita em códigos só entendidos por
verdadeiros iniciados, Abraão revela que Deus criou o mundo a partir das
combinações feitas com as letras e o som do seu Verdadeiro Nome, que resultou
nas dez emanações da Árvore da Vida, que são as dez famosas sefiroths.(9)
Embora Abrão não seja citado na Maçonaria como
autor de obras arquitetônicas de vulto, que lhe conferisse um lugar de destaque
entre os mestres maçons cultuados nas lendas maçônicas, como Seth, Enoque,
Ninrode, Salomão e Hiram Abiff, o nome do patriarca hebreu não pode ser
esquecido quando se tradição maçônica. Abraão é o pai da nação de Israel, obra
maçônica por excelência, e em termos de espiritualidade, a verdadeira essência
da Arte Real.
Desenho da Árvore Sefirótica, em analogia com
o corpo humano, representado pelo Homem vitruviano, que segundo a Teosofia e a
Gnose é o arquétipo do homem celeste, que serviu de modelo para a criação de
Adão.
[1] Gênesis, 12;4
[2] Shekinah é o termo cabalístico que
designa a presença divina no mundo da matéria. No cristianismo místico é a
encarnação do Verbo no corpo de uma mulher, no caso Maria, dando como resultado
o Cristo.
[3] Zecharias Sitchin- O 12º Planeta- Ed.
Best Seller 1986.
[4] Gênesis, 14;17
[5]George Shodde, "The Book of Jubilees,
Translated from the Ethiopic, 1888, pp. 8-
[6] Como os camelos, por exemplo, que só
seriam domesticados em fins do primeiro milênio a C. mas aparecem na história
de José, supostamente ocorrida cerca de mil anos antes. Também os filisteus,
povo inimigo de Israel, historicamente só apareceu na Palestina no século XII
a. C. mas a Bíblia já fala em interação de Abrão com esse povo.
[7] Ou seja, a geração de Abraão é a 36 º a partir de Adão, da mesma forma que Jesus
Cristo seria a 36º depois de Abraão. Essas correspondências numéricas, que
Lucas aproveitou no seu evangelho, são muito próprias dos místicos cultores da
Cabala. Foram elas que permitiram ao
inefável Bispo anglicano James Usher, em 1654, calcular que Deus teria criado o
mundo no dia 6 de outubro de 4.004 a.C.ás
9,00 horas da manhã. Curiosamente, o autor do Evangelho atribuído ao apóstolo
Mateus também usa mesma matemática para justificar a linhagem messiânica de
Jesus, mas contabiliza 42 gerações de Abrão a Jesus e não 36 como Lucas.
[8] Do nosso livro "Tesouro
Arcano"- Madras, 2012
9- “ Não tomarás o Nome do Senhor teu Deus em
vão; porque o Senhor não terá por inocente aquele que o fizer(..) “Êxodo, 20:6
[9]
Para melhor compreensão dessa matéria veja-se o nosso estudo publicado
neste site, denominado “ A Árvore Sefirótica
do livro O TESOURO DOS SÁBIOS, NO PRELO
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