PESQUISA E RUM CREOSOTADO

José Maurício Guimarães



Pesquisa realizada de 21 de fevereiro a 18 de março de 2018 entre maçons deste nosso país (o melhor dos países imagináveis) teve por objetivo auscultar nossa opinião sobre o estado das coisas.

Já era tempo! O mínimo que nossas instituições podem fazer a bem da Ordem e de nossos augustos quadros é perguntar:

“‒ E os Obreiros?! estão satisfeitos!?”

Não pretendo reler o relatório cujo link disponibilizo no final deste texto. Nem quero dissecar esses resultados coligidos com excelente perícia e método. Todos sabem ler e que cada um tire suas próprias conclusões. Vou me deter, porém, nalguns busílis que pelo meu entendimento deveriam nos preocupar, e muito.

Na apuração das respostas percebi o adejar de quirópteros noturnos bastante perigosos, um tom preocupante (pessimista, talvez) e apreensivo sobre a maçonaria de hoje; e incertezas sobre o restante deste século XXI. (Só para esclarecer: uso maçonaria com “m” minúsculo para o fazer-maçônico habitual; e Maçonaria com “M” maiúsculo quando me refiro à ciência ou conhecimento tradicional da Ordem Maçônica).

Na Tabela 1 do Relatório é curioso o percentual dos membros das Potências/Obediências que se dispuseram a participar da pesquisa:

Em 1º lugar, vem o Grande Oriente do Brasil com 14,25% do total de respostas;

Em 2º lugar, a Grande Loja Maçônica de Minas Gerais (da qual faço parte) com 11,36%;

Em 3º lugar, a Grande Loja de Santa Catarina, com 9,66%.

Segue, em ordem decrescente, o Grande Oriente Paulista (9,12%), o Grande Oriente de Minas Gerais (6,90%), a Grande Loja Maçônica do Mato Grosso do Sul (6,04%), a Grande Loja do Paraná (4,85%), a Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo (4,82%).

As demais 24 Potências/Obediências pontuaram entre 3,43% e 0,15%.

Pausa para meditação, pois uma coisa é certa: quem está na zona de conforto, com égua amarrada na sombra, nunca participa de pesquisas; aliás, não participa de nada que não seja ágape, fotografia abraçando políticos e rodinha após as sessões para falar mal da vida dos outros. Outros espécimes composta por gente que está “no poder” (salvo honrosas exceções) não entram nessa ‒ nem para responder pesquisa, nem para avaliar os rumos que elas apontam. É preciso considerar que os entrevistados mediante o questionário eletrônico não são meros palpiteiros: 49,60% têm 10 anos ou mais de filiação.

Houve perguntas específicas e diretas; por exemplo:

“O que a maçonaria deveria fazer e não está? (ou está fazendo pouco)...”

Trata-se, salvo melhor juízo, de uma interrogativa pelo ponto de vista negatório. Eu perguntaria também: “o que a maçonaria está fazendo bem?” ‒ inferência inócua, talvez, e que não mudaria muito o panorama geral. Sendo assim ‒ confiram ‒ três respostas mais frequentes apontaram, em ordem decrescente:

1) a maçonaria deveria fazer melhor seleção de seus membros; 2) a maçonaria deveria promover educação maçônica de melhor qualidade; 3) a maçonaria deveria preservar melhor seus rituais e seus segredos.

Noutras palavras: nossa Ordem escolhe mal seus candidatos, educa mal os que são iniciados e não preserva a integridade do sistema maçônico.

Outra pergunta relevante:

“O que mais lhe desagrada na maçonaria atualmente?”

Também aqui uma interrogativa pelo ponto de vista negatório. Eu perguntaria também: “o que mais lhe agrada na maçonaria de hoje?” ‒ mas de igual modo isso não mudaria muito nem a paisagem, nem a moldura.

A pergunta, da forma que foi formulada, motivou três respostas mais frequentes, em ordem decrescente: 1) conflitos entre as Potências/Obediências maçônicas; 2) brigas pelo poder nas Lojas e nas Potências/Obediências; 3) “profanos de avental”.

Conflitos e brigas são velhos conhecidos nossos, consequências óbvias da péssima seleção de membros (qualquer pessoa serve, desde que seja “um cara legal” ou “gente fina prá caramba” ‒ a palavra é outra, me desculpem). As instruções maçônicas são deficientes (para não dizer “um caos”). Não exigem o mínimo comprometimento humanitarista, nem formação da inteligência, da transcendência ou da ética. Não estou inventando nada: esses são os pilares do pensamento maçônico. Tão certo quanto “a noite surge após as horas do dia”, as sindicâncias somadas às instruções mal feitas fazem germinar os “profanos de avental”, aves de vistosa plumagem para as quais não dispomos de controles que possibilitem sua exclusão. Achamos até engraçado dizer “profano de avental”, virou moda; reclamamos, mas muitos deles se candidatam e vencem eleições; quando não são “bons de voto”, recebem um cargo administrativo no “terceiro escalão” da maçonaria.    

Outra apuração que me deixa de queixo caído e a face sulcada por profundas rugas de preocupação:

“O maçom brasileiro não sabe o que é a Maçonaria” ‒ menos de 5% dos maçons brasileiros sabe o que é a Maçonaria. Noutras palavras: numa Potência/Obediência que tenha 10.000 membros, apenas 500 (quinhentos) sabem o que é a Ordem e o que deveriam estar fazendo em nossas fileiras. Assustador, pois 9.500 devem estar fazendo apenas uma espécie de turismo, batendo papo, pedindo emprestado e criando problemas nas Lojas. No meio dessa turba estão aqueles que buscam votos para vereador, para deputado ‒ nunca são eleitos pela força da maçonaria, já notaram isso? ‒ sem falar dos mais bonitinhos que vivem cercando os fotógrafos nas festas e nas assembleias para posarem de “papagaio-de-pirata” na terceira fila atrás das “autoridades”. O maçom brasileiro pode não sabe o que é Maçonaria, mas sabe uma porção de espertezas pró sobrevivência.

Num dia desses ouvi a tresloucada afirmação de um sapo-entíssimo maçom que afirmava: “Maçom de Grande Loja não gosta de ler; quem gosta de ler é maçom de Grande Oriente” ‒ por aí vocês avaliem o desastre que se aproxima de nossas Lojas neste restinho de século XXI. Evitei perguntar ao sapo-entíssimo o que ele entendia por “maçom”, “Grande Loja”, “Grande Oriente” e “leitura” ‒ certamente ele é um expert em “linguiça”, “sola de sapato”, “cabo de vassoura” e “maçaneta de janela”. 

Ser ou não ser maçom, eis as questões, meus caros watsons!

Esperamos mais de um século para que alguém tivesse a coragem de fazer circular uma pesquisa dessa natureza e publicar seu resultado. Se o Grão‒Mestre Guatimozim (Dom Pedro I) tivesse dado um potente chega prá-la na dupla Zé Bonifácio e Gonçalves Ledo por ocasião das primeiras querelas e desordem que criaram na maçonaria brasileira, e mandasse fazer uma pesquisa de satisfação entre os maçons do Império, as coisas hoje seriam outras.

Mas não. Ao invés disso, aprendemos a brincar de “poderosos” e imitamos os passos da República que se avizinhava. Criaram poder legislativo, poder judiciário, tribunais, ministérios públicos ‒ só faltou a polícia e o maçônica.

Conclusões:

A primeira ‒ que não decorre necessariamente dos termos da pesquisa ‒ é “tão-velha-quanto-a-serra”  ‒ a discussão sobre CONTRAPARTIDA, necessária conexão entre direitos e deveres ‒ seja das instituições para com os membros, seja destes para com as instituições. Todo mundo sabe que “maçonaria é coisa cara”; cada maçom contribui com dinheiro e trabalho voluntário para a sobrevivência da Ordem. Nada mais lógico, portanto, que fossem espontâneas as PRESTAÇÕES DE CONTAS ‒ no mínimo trimestrais ‒ de todas as Lojas, Potências/Obediências, Corpos Maçônicos, entidades paramaçônicas, Academias, etc.

Felizmente a maioria de nossas instituições trabalha com transparência e demonstram quanto dinheiro entrou quanto foi gasto (e em quê), quanto sobrou ou quanto deve, e assim por diante. Mas é “apenas a maioria”.

A segunda questão refere-se ao VOTO. A Maçonaria defende o sufrágio universal: um papelzinho dobrado em quatro, chamado “cédula”, que periodicamente enfiamos num buraquinho chamado urna a fim de manifestarmos nossa vontade, nosso contentamento ou descontentamento, a opinião sobre quem deve ser o primeiro da hierarquia, e assim por diante. Infelizmente, também nesse aspecto “apenas a maioria” dos segmentos maçônicos consulta seus membros, ou contribuintes, sobre quem deve estar no topo (primeiro escalão) ou nos degraus subsequentes da escada (que não é a de Jacó). Muita coisa ainda permanece sendo decidida no “Petit comité” (expressão francesa para “panelinha”).

Diante desse talvez triste quadro, tenho a audácia de dizer que SOMOS UMA ORDEM VITORIOSA!

Sim, pois havendo aqui e ali falta de prestações de contas; havendo ali e aqui as “panelinhas” em substituição ao voto; grassando pelos quatro cantos da terra as sindicâncias mal feitas; instruções deficientes proferidas por “inventores de maçonarias”; a falta de leitura e de estudo, a profanação dos segredos e desvirtuamento dos rituais; havendo frequentes conflitos, arranca-rabos e autofagia pelo poder; existindo uma epidemia de “profanos de avental” e o quase total desconhecimento dos membros sobre o que é Maçonaria e seus objetivos..., já era para termos desaparecido da face da terra brasileira há 196 anos e mais. NO ENTANTO, AQUI ESTAMOS NÓS!, como rezava a propaganda colada nas paredes dos bondes de antigamente:

Veja, ilustre passageiro, o belo tipo faceiro
que você tem ao seu lado.
No entanto, acredite: quase morreu de bronquite!
Salvou-o o rum Creosotado”.

OBSERVAÇÃO:
 Se você ainda não leu o
 RELATÓRIO DA PESQUISA,
                                                                                                              

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