MAÇONARIA E A CONJURAÇÃO MINEIRA – ALGUMAS IDÉIAS


Por José Filardo

Inúmeras vezes, vi e ouvi textos sobre a História da Maçonaria em que o autor, por imprecisão linguística ou, até mesmo, ignorância afirma que a maçonaria surgiu em 1717 e da mesma forma, que a maçonaria brasileira teria surgido em 1822. Confundem a consolidação de lojas em uma organização central, com a própria instituição. É verdade que no Brasil foi um processo meio português, onde na falta de lojas para consolidar, escolheu-se fracionar a única loja existente em três unidades, de forma a atender ao pré-requisito de formação de um Grande Oriente.

Esse “erro” é muito comum devido à tendência da historiografia tradicional se concentrar em datas e personagens históricos, em detrimento do contexto e das forças vivas da sociedade, que são os verdadeiros protagonistas da história.

A história da maçonaria oferece uma dificuldade adicional que é o segredo. Dessa forma, o acesso aos arquivos é difícil pois, muitas vezes, arquivos foram destruídos principalmente como resultado de perseguições ou ameaças de perseguição. Como bem lembrou o Dr. Alexandre Mansur Barata em sua dissertação de doutorado “Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada e Independência”, a falta de documentos pode ser suprida pela análise das consequências dos atos.

Essas “mal traçadas linhas” são baseadas naquele excelente trabalho sobre a maçonaria brasileira no período de 1790 até 1822.

A questão aventada pelo ilustre irmão Jorge Cyrino foi em relação ao rito que seria seguido pelos conjurados. Na realidade, o rito é de somenos importância, se considerarmos que não há possibilidade de se saber se os conjurados maçons pertenciam a uma loja. O que podemos especular é sobre as influências que agiram sobre o movimento, à luz de outras informações sobre a maçonaria no século XVIII.

Mister se faz que se recue até 1717 quando da fundação da Grande Loja de Londres, esta sim, uma consolidação de quatro lojas maçônicas já existentes naquela cidade, a saber, a Loja da Taverna do Ganso e a Grelha, Loja da Taverna da Coroa, Loja da Taverna da Macieira e Loja da Taverna do Copo e as Uvas.

Esta Grande Loja arvorou-se em herdeira “direta e legítima da maçonaria operativa medieval”, e sofreu a influência dos protestantes John Anderson e do Pastor Desagulliers Homem de grande erudição e de forte personalidade foi ele, sem dúvida, quem abriu as portas das lojas aos judeus, muçulmanos e hindus. Até então, os ritos exclusivamente cristãos dos maçons operativos não permitiam essas adesões. É o que explica o aspecto agnóstico das Constituições de Anderson onde apenas se exige do postulante que “professe uma religião com a qual todos os homens concordem”. (Ir.´. Lucas Galdeano in http://www.freemasons-freemasonry.com/galdeano_tratado.html )

Estes maçons da Grande Loja de Londres eram os “modernos”.

Nos anos seguintes, foram fundadas as Grandes Lojas da Irlanda (1725) e da Escócia (1736) que adotaram uma posição mais conservadora e que se recusaram a reconhecer a Grande Loja de Londres, por conta da modernidade desta última, que não exigia a presença do Livro da Lei e permita a adesão de pessoas de diferentes religiões.

Em 1726, a maçonaria foi transplantada para a França por meio de uma loja inglesa que funcionava na taverna AU LOUIS D’ARGEN sob jurisdição Inglesa. Em 1728 é fundada a Grande Loja de França.

Entre 1735 e 1738 surgem, praticamente ao mesmo tempo, os ritos Francês – muito parecido com o “emulation”, mas com um viés jacobino e libertário – e o Escocês que vai pouco a pouco se desgarrando do rito tradicional, por força de influências de nobres católicos fugidos da Escócia e Inglaterra e que não podiam se contentar com a simplicidade do rito tradicional. Precisavam acomodar seus egos e seus títulos em uma ordem que os reconhecesse. Some-se a isso o fato de que as bulas papais tinham assinalado para os inquisidores determinando que “além de seu caráter secreto, a maçonaria era contrária à fé católica porque pressupunha a convivência entre homens de religiões diferentes. Essa ‘tolerância religiosa’ defendida pelos maçons era considerada pelos inquisidores como ‘imoral’, pois negava a religião revelada, caindo sobre aqueles que a defendiam a suspeita de heresia.” (Barata, p. 170). Os maçons católicos franceses preferiram ajustar o rito para ficar mais “soft” e poder ser palatável para a nobreza.

Em 1744, surge o rito Adonihramita, minoritário, originário de um erro tipográfico que gerou uma discussão estéril e, em consequência, mais um rito desnecessário.

Em 1751, maçons ingleses conservadores fundam a Antient Grand Lodge of England que se contrapunha aos “modernos” da Grande Loja de Londres. Eram os “Antigos” (No século seguinte, as Grandes Lojas da Irlanda e da Escócia reconhecem a Grande Loja de Londres – mas, para isso esta tem que ceder em seus princípios e incluir a obrigatoriedade do Livro da Lei – e funda-se a GLUI – Grande Loja Unida da Inglaterra – que se arvora em Vaticano na Maçonaria.

De maneira geral, o panorama da maçonaria européia exibia a polaridade entre a maçonaria inglesa conservadora e a maçonaria francesa caracterizada pelo pensamento libertário que culminaria na Revolução Francesa. Além disso, diferentemente do que ocorria no “environment” inglês que era protestante, rompido com o Vaticano, a presença da Inquisição e da Santa Madre na França funcionou como a lei física da ação e reação.

Há que se considerar que o fluxo de informações nestes tempos era muito lento e a evolução e transferência de influências era difícil. Mas, os deslocamentos militares ofereciam uma agilidade incomum no trânsito de idéias, e muitos militares eram maçons, assim como comerciantes e aventureiros.

O panorama da evolução da Maçonaria tem como pano de fundo a crise do sistema colonial, o surgimento da industrialização inglesa que demandava novos mercados consumidores e a evolução do pensamento que culmina com o Iluminismo onde “baseados na razão (racionalismo), os iluministas contestavam a origem divina do poder real e defendiam a idéia de que o poder deveria emanar do povo e em seu nome ser exercido. Apesar de toda a oposição e censura dos Estados absolutistas, as idéias iluministas se difundiam e empolgavam os intelectuais, quer nas metrópoles, quer nas colônias.”

Portugal se encontrava sob o jugo da Espanha no Sec. XVII. A partir de 1640, a Inglaterra, muito desinteressadamente passa a proteger Portugal, que recentemente recuperara sua independência.

Mais tarde, em 1661, os holandeses assinaram o acordo da Paz de Haia, reconhecendo o domínio português sobre o Nordeste brasileiro e a região africana de Angola. Em troca, os portugueses aceitaram a dominação holandesa em suas possessões do Oriente e pagaram uma indenização de quatro milhões de cruzados (moeda portuguesa) à Holanda.

A Inglaterra, que já se impunha como nova potência marítima, serviu de intermediária nos acordos entre flamengos e lusitanos.

Em troca do apoio a Portugal, a Inglaterra ficou com os domínios portugueses de Tânger (África) e Bombaim (Ásia), e a permissão para o trânsito de mercadores ingleses no comércio português da Índia. Por acordo, que culmina com o casamento entre a princesa Catarina (portuguesa) e o rei Carlos II (inglês), Portugal recebeu da Grã-Bretanha dois milhões de cruzados, suficientes para quitar metade da indenização prometida à Holanda. Pela outra metade, os portugueses tiveram de pagar juros em libras aos britânicos.

Com isso, a Inglaterra passou a influenciar Portugal, com quem estabeleceu uma aliança econômica e política. Através dessa aliança, torna-se o principal fornecedor de manufaturas inglesas às colônias portuguesas. Quebra-se o domínio comercial holandês e os britânicos substituem os flamengos enquanto grande potência pré-capitalista.

A partir do século XVII, após a expulsão dos holandeses, o Brasil tornou-se a mais importante colônia portuguesa. Isso porque a Coroa lusitana perdera pontos comerciais

importantes nos acordos com a Holanda e a Inglaterra, tendo que voltar- se integralmente à exploração econômica na colônia brasileira.

Assim é que em 1703, Portugal enfraquecido e dependente dos ingleses assina o Tratado de Panos e Vinhos, aumentando a penetração da Inglaterra na sociedade portuguesa via comércio, o que leva a um aumento da população de ingleses no Reino, tanto no continente e nas ilhas quanto nas colônias. E estes comerciantes são os arautos da boa nova – a maçonaria.

Assim é que em 1727 é fundada uma Loja Maçônica em Lisboa, alcunhada pela Inquisição de “Hereges Mercantes” composta de comerciantes ingleses e em 1733 funda-se outra loja “Casa Real dos Pedreiros Livres de Lusitânia, composta de católicos irlandeses. Observe-se que o lapso entre a organização da Grande Loja da Inglaterra e a fundação de lojas em Portugal é muito curto, o que poderia indicar que se tratava de maçons ingleses, de lojas organizadas antes da fundação da GL de Londres.

1738. Uma data muito importante para os maçons.

Naquele ano, Clemente XII publica a In Eminentis, encíclica em que determina a excomunhão dos católicos que pertencessem à Maçonaria. Em Portugal, a Casa Real dos Pedreiros Livres, composta por católicos irlandeses imediatamente se dissolve em obediência ao Papa.

Em 1742, é fundada uma loja de influência francesa, presidida pelo suiço Johann Coustos e que seria ferozmente perseguido pela Inquisição.

Os autos da inquisição dessa época estão cheios de incidentes envolvendo Pedreiros Livres, o que indica ter havido uma difusão das idéias maçonicas entre os portugueses.

Em 1751, a Santa Madre volta a atacar com uma segunda bula, a Providas de Benedito XIV que agrava a situação dos maçons que se recolhem para não sofrer consequências.

Nos autos da inquisição, fica evidente que a maçonaria francesa, revolucionária, liberal representava uma ameaça ao status quo. Entre as perguntas a serem feitas às testemunhas, havia:

“Se alguma pessoa afirma que a Confissão Sacramental só se deve fazer para receber o escrito, dizendo com estas palavras – para o Recibo, para se não andar com estórias e abusos da Excomunhão. Outrossim, que louve aos Pedreiros Livres com especialidade os da França, (grifo meu) afirmando que estes eram a melhor gente que havia e que eram bons homens.” (IANTT, Inquisição de Lisboa, Maço 38, n. 411).

Com a ascensão do Marques de Pombal, para muitos um maçom dedicado, cujo governo propiciou grande liberdade aos maçons portugueses e também aumentou a influência da maçonaria francesa, via contratação de mercenários franceses empregados no governo português. Em 1777 cai Pombal cai e os reacionários portugueses retomam o poder.

Mas, retrocedamos ao início do Século XVIII quando o colonialismo e o mercantilismo desmorona e os ingleses assumem a liderança com sua novel indústria.

Portugal havia se enterrado em dívidas e quem havia financiado eram os ingleses, de olho no grande mercado representado pelas possessões portuguesas. Para adicionar mais um problema, Portugal expulsa os holandeses que produziam e comercializavam o açúcar. Os holandeses mudam-se para as Antilhas levando mudas de cana e começam a plantar cana e produzir açúcar ali. Como eles detinham o circuito de comercialização mundial da commodity, os portugueses perderam mercado e o preço desabou, comprometendo a economia portuguesa. A saída foi incrementar a busca por metais preciosos que já ocorria, mas que a partir daí tornou-se crucial. Havia que se pagar as dívidas.

Com a descoberta de ouro em Minas Gerais, o Brasil passa a ser o centro do império português e um grande polo de atração de imigrantes e aventureiros, entre eles muitos maçons.

Conforme Barata, “É bem possível que até o final do século XVIII, a Maçonaria não funcionasse na América Portuguesa, entendendo-se por tal uma organização institucionalizada e com funcionamento regular nos mesmos moldes das outras organizações maçônicas internacionais.”

Durante o século XVIII, portanto, maçons europeus transitavam pelo Brasil e se estabeleciam no norte e no Rio de Janeiro e estavam ligados às lojas-mães, sem que haja evidências, a não ser na tradição oral, de terem constituído lojas locais.

As lojas-mães de alguns destes maçons tinham influência inglesa e, provavelmente, conheciam e praticavam o rito tradicional da Grande Loja de Londres que chegou aos nossos dias como Emulation ou York.

Outra parte desses maçons, todavia, foi influenciada por lojas de origem francesa, mais libertarias e revolucionárias, mas que também, provavelmente, conheciam e praticavam um rito praticamente idêntico ao rito inglês, com traços iluministas de anti-clericalismo e ‘republicanismo’ característicos da maçonaria francesa desde seu princípio.

Tanto em Portugal quanto no Brasil, as referências à ameaça dos Pedreiros-Livres são, na maior parte das vezes, relacionadas com a França, pois a maçonaria inglesa não representava uma ameaça ao status quo da monarquia portuguesa.

Tal receio foi alimentado pela publicação em 1797, em Londres, do famoso livro do Abade Barruel, Memoires pour servir à l’histoire du Jacobinisme, cuja tese principal era que a Revolução Francesa teria sido tramada nas lojas maçônicas. (Barata, p. 48)

Em 1799, na Bahia, procedeu-se um sumário de culpa contra o Padre Agostinho Gomes “tendo em vista que era do conhecimento geral em Lisboa que as ‘principais pessoas’ da cidade de Salvador ‘por uma loucura incompreensível, e por não entenderem os seus interesses, se acham infestas dos abomináveis princípios franceses” (grifo meu) (Barata, p. 44)

Em 1794, Caetano José Pinto foi denunciado por supeita de pertencer à maçonaria, tendo em vista ouvir dizer que ele “conhecera Pedreiros Livres, e que o chegaram a convidar para seu sócio, o que não afirmo com toda certeza, assim como também se ele disse ter-lhe sucedido isto no Porto ou em França por onde viajou (grifo meu)”. (Barata, p. 45)

Segundo Augusto de Lima Junior, in História da Inconfidência de Minas Gerais, “Tiradentes teria sido iniciado na maçonaria no Rio de Janeiro, e os maçons cariocas teriam articulado a aproximação de Thomas Jefferson, embaixador norte-americano na França e o estudante carioca da universidade de Montpellier, José Joaquim da Mata, no sentido de tentar obter o apoio dos Estados Unidos à revolta na colônia portuguesa. José Joaquim da Maia teria se apresentado como um delegado dos pedreiros-livres do Rio de Janeiro“. (Augusto de LIMA JUNIOR, História da Inconfidência Mineira).

Nos Autos da Devassa da Inconfidência surgiu a “suposição da existência de uma loja maçônica formada por comerciantes da praça do Rio de Janeiro que teriam fornecido a credencial maçônica necessária para que José Joaquim da Maia, o Vendek, estudante brasileiro na Universidade de Montpellier se encontrasse comm o embaixador norte-americano na França, Thomas Jefferson, com o objetivo de conseguir o apoio dos Estados Unidos para a revolta que se articulava em Minas Gerais. E também o fato de que muitos desses comerciantes maçons tenham sustentado os inconfidentes mineiros durante o período em que estiveram presos no Rio de Janeiro à espera da sentença final.”

Conforme Alexandre Barata, “A presença de maçons numa vila interior da capitania do Grão-Pará no início do século XIX (1803) sugere que a sociabilidade maçonica estava muito mais dispersa na América Portuguesa. Mas, uma outra surpresa trazia o relato de José Bernardo: a sua iniciação maççônica teria acontecido em Caiena, por ocasião da conquista daquela possessão francesa.” (grifos meus)

Em outro ponto: “Seu crime era o de ser pedreiro-livre. Pelo que consta de sua confissão, teria sido iniciado na maçonaria em julho de 1791 a convite de dois franceses, negociantes como ele.” (grifo meu)

“No início do século XIX, diversas lojas maçônicas começaram a funcionar, ora se filiando à Obediência Francesa, ora à portuguesa. O Rio de Janeiro, a Bahia e Pernambuco se transformaram em espaços de crescente efervescência maçônica.” (grifo meu)

Segundo manifesto de José Bonifácio de Andrada e Silva, a primeira loja maçônica a ter funcionamento regular no Brasil for a Reunião, fundada em 1801 em Niterói e filiada, dois anos depois, ao Grand Orient de l’Ile de France. (grifo meu)

Concluindo e voltando à indagação inicial sobre o rito sob o qual operavam os conjurados da Inconfidência Mineira, tem-se que a maior probabilidade é que fosse o rito de emulação “‘moderno” em sua vertente jacobina e francesa, vez que tanto a maçonaria portuguesa quanto a nascente maçonaria brasileira exibem laços e influências importantes da Maçonaria Francesa.

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