MILITARES E MAÇONS FRANCESES – LIGAÇÕES PERIGOSAS


por John Moses Braitberg - Tradução J. Filardo

Entre o exército francês e a Maçonaria existe uma velha história. Tão antigos quanto a maçonaria, existem pontos de passagens simbólicos ente as duas instituições. Mas se ser militar e maçom era óbvio em séculos passados, já não ocorre o mesmo hoje, visto que a prática da Arte Real permanece suspeita em um corpo cuja alta hierarquia continua ligada à franja mais conservadora do catolicismo. No entanto, militares maçons existem ali. E nós os encontramos. Mais discretos do que em qualquer outro lugar, eles têm a missão de fortalecer os laços entre a nação e seu exército diante, principalmente, da ameaça terrorista.

Era 3 de dezembro de 2016 na sede do Grande Oriente da França. O templo Arthur Groussier transbordava de gente, tamanho era o número de irmãos e irmãs interessados em assistir ao colóquio “A Maçonaria diante da ameaça do islamismo radical” na presença do Grão-Mestre do GODF, Christophe Habas. Organizado pela Loja Perspectiva Maçônica cujo venerável é tenente-coronel da reserva, este colóquio tinha como patrocinador trabalhista a Associação de Defesa e República – ADER – ou a fraternal do pessoal da defesa, cujo presidente é um general 63 anos, hoje reformado.

Embora seu nome tenha sido frequentemente mencionado e sua qualidade de maçom tenha sido divulgada, e não de maneira benevolente, este militar na alma tanto quanto ancorado em um republicanismo matizado de conservadorismo, não se atém àquilo por que seu nome é citado. O mesmo vale para algumas centenas de membros da associação Inter obediencial que ele preside, e cujos membros são recrutados principalmente entre os quadros de nível médio das três forças, com exceção da polícia militar que tem em Os Amigos de Moncey a sua própria e muito ativa fraternal.

Discrição rigorosa

Esta discrição, para não mencionar receio, Jean Guisnel, jornalista especializado de Défense à Libération, e depois do Point, tinha experimentado quando, em 2009, tinha investigado os militares maçons (1).

Como ele nos disse, as circunstâncias que o haviam levado a se interessar pelo assunto eram, para dizer o menos, rocambolescas. “Eu fiquei sabendo de um dossiê criado pela DPSD (2) sobre alguns oficiais maçons, com fotos e fichas de dados. A coisa parecia bastante estranha, mas após investigação descobriu-se que se tratava da iniciativa pessoal de um militar perto da reforma. No entanto, isso me permitiu identificar militares cujos nomes figuravam no dossiê e pouco a pouco consegui entrar em contato com alguns deles”.

Mesmo que fosse uma iniciativa individual, o fato de que um oficial de inteligência decida investigar militares maçons denota um estado de espírito, uma mentalidade conspirativa cujas raízes mergulham na forte influência católica conservadora que, desde o século XIX impregna a alta hierarquia militar francesa, em contradição com o estado de espírito secular que permanece majoritário dentro da tropa e do corpo de oficiais intermediários.

“Os militares franceses não escondem muita coisa. Eles podem dizer que são parceiros civis de alguém do mesmo sexo; dificilmente dissimulam suas opiniões políticas, e raramente as suas opções religiosas. No entanto, resta um tabu no exército da ativa: a filiação à Maçonaria. Nos exércitos, os “filhos da luz” se escondem e se calam”, escreveu Jean Guisnel na introdução de seu artigo.

E eles se calam especialmente desde que mesmo quando eles acreditam que têm o benefício da compreensão, ou da proteção de sua autoridade de supervisão, eles são deliberadamente colocados na lista negra. Este foi o caso, sempre de acordo com Jean Guisnel, quando o “irmão” Charles Hernu era ministro da Defesa sob os sete primeiros anos de François Mitterrand: “Quando Hernu era ministro ele excluiu sistematicamente todos os militares maçons, chegando a avisar a Direção de Proteção da Segurança e Defesa (DPSD) antiga inteligência militar, de ter que descartar os interessados de todos os postos sensíveis. Inclusive colocando no dossiê de segurança do oficial um aviso aos seus superiores, não indicando aliás sua filiação a maçonaria, mas sim uma graciosidade do tipo “pederasta.” “(3)

Estamos muito longe, nas forças armadas francesas, da situação que existe entre as tropas britânicas e americanas onde existem muito oficialmente loja ativas, inclusive nos teatros de operações. É assim, conta um oficial francês maçom, que os irmãos do exército francês pertencentes a lojas “regulares” puderam frequentar os trabalhos de lojas americanas durante a intervenção francesa no Afeganistão. Evidentemente, essa participação ocorria no maior segredo e tanto é verdade que no exército francês, um irmão, ou uma irmã, se não está sujeito a penalidades, está pelo menos sujeito ao risco de ver sua promoção retardada, se não bloqueada. O que, a crer nisso, aconteceu com o Presidente da ADER. “Em 2004 fui denunciado como maçom por “Fatos e Documentos “(4). O mais preocupante foi que minha filiação foi revelada com base em documentos do Conselho da Ordem do GO. Eu não posso dizer que isso tenha me prejudicado, mas certamente atrasou minha promoção à patente de general. ”

Um tal fechamento de espírito maculado por crenças conspiracionistas só pode ser explicada pela ignorância do que foram, desde a criação da Maçonaria, as relações entre os militares e a Arte Real.

As lojas militares, uma criação do século XVIII

Os historiadores concordam que a primeira loja militar devidamente autorizada em 1732 era irlandesa. Em seguida, constata-se em 1743 a existência de uma loja da Grande Loja da Escócia no 55º Regimento de Infantaria de Sua Majestade. Quanto à França, a existência de lojas dentro dos regimentos de James II Stuart no exílio em Saint-Germain-en-Laye na década de 1690, parece ter origem lendária. Se uma loja do regimento stuartista de Walsh Égalité existiu realmente sob o nome de Perfeita Igualdade, esta é mencionada somente a partir de 1752.

Sob o Ancien Régime, não havia nenhuma definição oficial do que devia ser uma loja militar. As mais numerosas eram aquelas que estavam afetadas ao oriente de uma determinada unidade. Elas eram chamadas lojas “Regimentais” ou “itinerantes”. Nas colunas encontravam-se tanto membros do regimento ao qual a loja estava ligada, quanto membros de outras unidades. Assim, em 1788, em Estrasburgo, a loja Marechal de Saxe, no Oriente de Royal-Hesse Darmstadt contava apenas 9 oficiais desse regimento entre 31 irmãos; os outros vinham de outros regimentos.

Existiam, em seguida, lojas que não estavam vinculadas a qualquer unidade militar específica. Este tipo de loja que reunia oficiais de todas as armas e de todos os corpos estava sobretudo presente no exército napoleônico no desenrolar de campanhas.

Finalmente encontramos lojas que, sem ser militares no sentido estrito, reuniam um efetivo essencialmente militar. Assim, em 1787-1788 a loja “civil”, a Parfaite Amitié no Oriente de Carcassonne tinha trinta e seis militares em sessenta e quatro irmãos, dos quais, vinte e dois oficiais do regimento de Caçadores das Ardenas.

Esta imprecisão manifesta na definição de uma loja militar esteve na origem de muitos conflitos entre civis e militares, mas também entre militares de diferentes regimentos e orientes. É por isso que, sob o Império, o Grande Oriente da França tentou definir o que devia ser uma loja militar:

“O Oriente constante e determinado de uma loja militar é o lugar onde estão as bandeiras, cornetas ou estandarte do corpo em favor do qual essa Loja foi constituída. As constituições maçônicas devem ser inseparáveis do sinal constituinte do corpo militar. ”

Portanto, a loja militar era uma expressão de unidade, e não de diversidade. O Grande Oriente da França “[…] compreendeu admiravelmente todo o proveito que a Ordem podia tirar da sociedade militar que, mais que qualquer outra categoria social, estava predisposta por seu espírito de corpo, sua coesão, sua disciplina ao fenômeno associativo […]. É dentro de sua unidade ou de seu batalhão que [os militares] devia fazer a aprendizagem mais exata das virtudes maçônicas: solidariedade, fraternidade, tolerância, etc., virtudes que a guerra vai levar, sob o Império, ao seu último grau de realização.

Assim, o militar poderia ser o maçom por excelência, submetido às provas mais duras, sempre pronto para enfrentar dois tipos de inimigos: um de fora, o outro de dentro, o combate maçônico pretendendo ser uma luta no interior de si mesmo e a única vitória uma vitória sobre si mesmo […] (5)

Às vésperas da Revolução, o exército real tem uma centena de lojas. Estas estão presentes em todos os corpos: guardas Suíços, mosqueteiros, cavalaria, dragões, hussardos, artilheiros, engenharia, diferentes infantarias, unidades coloniais e, é claro, a Marinha, onde a Maçonaria esteve desde a origem particularmente presente tanto nos arsenais quanto em navios. Em 1788, a loja La Parfaite Harmonie no Oriente de Toulon tinha 50 membros. Na mesma época, existiam lojas a bordo das fragatas “La Cybele”, “La Vestale”, “L’Union”.

O recrutamento, por sua vez, se fazia quase exclusivamente entre os oficiais da pequena nobreza nas lojas regimentais. Mas nas lojas militares parisienses, a nobreza de corte e de raça era majoritária. Em geral, as lojas eram, então, a imagem de um recrutamento militar baseado em segregação social. Os “platôs” eram ocupados por oficiais vindos da aristocracia, enquanto que os oficiais subalternos e de patente inferior eram muitas vezes relegados ao nível de irmãos servidores.

Nos anos que antecederam 1789, no entanto, nota-se a criação de algumas lojas oficiais de patente modesta, constituídas, mais frequentemente em oposição às lojas de patente superior. Foi preciso esperar até 1790 e a aparição de comitês de soldados para ver sargentos e suboficiais eleitos dignitários de lojas. De maneira geral, nota-se que os oficiais em loja replicam as funções regimentais. Os intendentes são muitas vezes secretários, os cirurgiões hospitaleiros, e os músicos e mestres de harmonia.

Uma sensibilidade ao ocultismo

E do que se fala nas lojas militares? Parece que ao final do século XVIII, talvez em reação ao aumento das luzes e do racionalismo, se seja particularmente sensível ao ocultismo.

Seja no Rito Escocês Filosófico, no Regime Escocês Retificado, na Ordem dos Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa, no Regime dos Filaletes ou na Ordem dos Eleitos Cohens de Martines de Pasqually, essas doutrinas tomam forma no seio da nobreza de espada, como no regimento de Foix onde Louis Claude de Saint-Martin dá corpo à doutrina Martinista. E é outro militar, Alexandre François-Auguste, comte de Grasse, Marquês de Tilly (1765-1845), subtenente no regimento do Rei, que introduzirá na França, em 1802, o Rito Escocês Antigo e Aceito com o seu cortejo de lendas.

Durante o período revolucionário, a maçonaria militar é, à imagem da maçonaria civil, profundamente desigual. A atração dos maçons militares pelas novas ideias, a exemplo de Lafayette, vai se chocar com os excessos do terror. Enquanto muitos maçons oficiais lutarão pela pátria em perigo em Valmy e em outros lugares, muitas dezenas deles optarão por emigrar para se juntar ao exército dos príncipes. E serão muitos, como Stofflet, Lescure, Charette Autichamp ou Scépeaux de Bois Guignot, para lutar contra a República nos exércitos Vendeanos.

A Maçonaria, um seguro contra o infortúnio

O advento do Império vai criar condições favoráveis ​a uma renovação da Maçonaria nas forças armadas. Se, com toda a probabilidade, Napoleão 1o. não foi maçom, seu pai, irmãos, parentes, e até mesmo sua esposa Josephine de Beauharnais o foram. A proliferação de lojas militares visa vários objetivos: fortalecer o espírito de corpo, controlar o moral da tropa, permitir uma sociabilidade agradável nas cidades de guarnição, e sugerir um tratamento preferencial hipotético no campo de batalha, se capturado por outros filhos da viúva.

O período Consulado-Império viu eclodir na França e na Inglaterra, onde foram constituídas lojas de prisioneiros franceses, cerca de 130 lojas puramente militares. No início do Império, encontramos uma loja em um regimento a cada dois. Se oficiais de estado-maior representam cerca de um quarto dos militares maçons, os capitães, tenentes, subtenentes representam, sozinhos, 75,7% dos maçons na infantaria de linha e quase 80% na infantaria ligeira. É razoável estimar de 15 a 18% a proporção de maçons na infantaria durante o Império.

É ao príncipe Joseph, irmão do imperador, que foi confiado, em 1804, o cargo de Grão-Mestre do Grande Oriente da França. A aristocracia militar imperial é representada por 17 marechais: Augereau, Bernadotte, Brune, Jourdan, Kellermann, Lannes, Lefebvre, MacDonald, Masséna, Mortier, Murat, Ney, Oudinot, Pérignon, Poniatowski, Sérurier, Soult. A maioria deles tinha altos graus escoceses. Entre 1792 e 1814, cerca de 400 generais franceses e estrangeiros em serviço na França foram iniciados na Maçonaria, ou seja, pouco mais de 14%. Eles mantiveram, às vezes vínculos com os meios filosóficos. O general Grouchy – que fez falta em Waterloo contra o irmão prussiano Blücher – era o cunhado de Condorcet.

Entretanto, o espírito que reinava nas lojas militares estava bem longe daquele dos filósofos, que ainda prevalecia em 1790 em um panfleto anônimo, sem dúvida de inspiração maçônica intitulado Do militar ou o soldado regenerado. Ali estava prescrito que depois de cada batalha “era preciso por um testemunho solene celebrar seu pesar por ter sido forçado a lutar contra seus irmãos para preservar sua vida e sua liberdade, por isso, vamos ensinar aos homens que eles deveriam amar e não se destruir. “(7)

Os raros casos de confraternização entre adversários não impediram os homens de lutar nem ainda menos alterar o rumo de batalhas. Um subtenente da Guarda Imperial testemunha:

“Quando nós tínhamos que ficar muito tempo em uma guarnição, tínhamos duas grandes maneiras de viver a vida felizes. Se houvesse uma loja de maçons nós nos apresentávamos ali em massa, ou nós formávamos uma só para nós […]. Em muitos regimentos, os oficiais formavam uma loja onde o coronel era o venerável. Em Stettin, quase todos os profanos viram a luz; Franceses e prussianos, éramos os melhores amigos do mundo, exceto por nos darmos tiros de canhão, assim que a oportunidade se apresentava, o que não deixou de acontecer mais tarde. ”

“Sob o reinado de Bonaparte, ela [a Maç.] tornou-se uma sociedade de seguros contra a morte militar. Dos degoladores se garantia a vida; o sinal de perigo era uma oportunidade de proteção nos combates,” pode-se escrever no final do século XIX. (8)

Que a solidariedade maçônica tenha funcionado nos campos de batalha, ainda não foi provado. Assim como nos mares. Mesmo se em 1842 o Supremo Conselho da França do Rito Escocês Antigo e Aceito autorizou os capitães da Marinha para arvorar um pavilhão maçônico marítimo com o sinal maçônico de aflição.

Deploram-se, por outro lado, muitos exemplos em que as paixões e ódio superaram a solidariedade entre irmãos. É o que ilustra tragicamente o processo e a condenação à morte do Marechal Ney sob a restauração em dezembro 1815. Acusado de ter traído a monarquia ao se juntar a Napoleão durante os cem dias, aquele que o imperador tinha apelidado de “o mais bravo dos bravos” tinha sido iniciado em 1801 pela Loja St. Jean de Jerusalém, no Oriente de Nancy. Julgado em 1815, ele teve com juízes os 169 membros da Câmara dos Pares. Entre eles, 36 maçons de 49 votaram a favor da morte.

Antimilitarismo maçônico

Sob as duas restaurações, a Maçonaria militar não deixa de declinar até que em 1845 o velho Marechal Soult envia, em nome do Grande Oriente, uma circular a todos os coronéis de regimentos determinado a proibição de todo militar ser recebido maçom dentro do exército.

Esse foi o fim das lojas militares. E especialmente no século XIX, com a deriva à esquerda republicanista da maçonaria de um lado e de outro à deriva à direita do exército sob a influência católica, um abismo de incompreensão e hostilidade separou a Maçonaria da instituição militar. E mesmo se em 1862, Napoleão III tentou uma reconciliação muito arriscada, nomeando o Marechal Magnan Grão-Mestre do Grande Oriente da França. Magnan, então, nem sequer era maçom e recebeu os trinta e três graus do REAA no mesmo dia …

A partir dos anos 1880-1890, O Grande Oriente denunciou em seu congresso os “Generais de Jesuiteria” e sua vontade de clericalizar o exército. É por isso que um certo número de resoluções foi tomado em diferentes conventos, a fim de “depurar” o exército para fazer dele um instrumento da ordem republicana. A obediência fez assim a confissão do divórcio ocorrido entre a sociedade militar e a obediência. No convento do GOdF de 1889 o irmão orador Dazet declarava: “Resta a destruir no próprio exército, o espírito de casta. Para isso só há uma maneira certa é o poder da lei, de destruir a própria casta. Não é um contrassenso, em um exército nacional e democrático, que pelo menos a metade de seus oficiais e a maioria dos seus chefes nunca tenham servido como soldados nas fileiras? ”

No convento de 1899, Frédéric Desmons, então Grão-Mestre ergue um brinde aos sotaques conflitantes: “A república à qual proponho um brinde, em nome de todos, é em primeiro lugar uma República antimilitarista, uma república na qual ama-se e estima-se, sem dúvida, o exército; mas com duas condições, a saber: que o exército seja nacional e que ele seja destinado a defender o direito e a justiça antimilitarista… A República significa, para mim, antimilitarismo, anticlericalismo, socialismo.”

Uma desconfiança recíproca

A história moderna das relações entre o exército e os maçons é feita de desconfiança mútua. Na virada do século XX, em reação contra o clericalismo do exército, o caso Dreyfus exacerbou o antimilitarismo das lojas mais que as sensibilizou quanto ao antissemitismo. Assim, em 1886 em Angers, enquanto o altamente católico e conservador Baron Leguay escrevia “Todos os membros do sindicato Dreyfus não são judeus ou maçons? “, a loja Trabalho e Perfeição responde por meio de cartazes: “Nós vos abandonamos os judeus, açambarcadores e impostores, de que não temos cura; mas em relação aos maçons nos inscrevemos em massa contra vossas calúnias “.

É neste ambiente que irrompe em 1905 o caso chamado “das fichas”. Sabemos hoje que este caso dividiu profundamente o Grande Oriente entre, de um lado, aqueles que consideravam que o fim republicano poderia justificar os meios de delação e, de outro, aqueles que pensavam que o método utilizado era pelo menos detestável, se não contrário aos valores maçônicos.

Este caso teve consequências desastrosas para a maçonaria. Ele alimentou as teorias de conspiração, amplamente divulgadas pela imprensa e pela hierarquia católica, e contribuiu para banir a Maçonaria até sua interdição por Vichy.

Por outro lado, “O militar que quer ingressar na Maçonaria é muitas vezes percebido como católico e fascista”, relata um oficial reformado que acabou sendo admitido em uma loja parisiense depois de ser recusado uma primeira vez. Antimilitaristas os maçons? A avaliação merece ser qualificada. Philippe Guglielmi, um militar de patente média que pretendia depurar a obediência de seus “esquerdo-trotskistas” não foi grão-mestre do GODF de 1997 a 1999? Quanto aos oficiais de altas patentes é na GLNF onde a elitista Grande Loja da Cultura e Espiritualidade (GLCS), que se pode encontrá-los, com, notadamente, os “peixes grandes”, como o falecido general Jeannou Lacaze que foi chefe do Estado Maior das Forças armadas de 1981 a 1985, ou o general René Imbot, desaparecido em 2007, que foi chefe de estado maior da segurança externa.

A desconfiança maçônica em relação ao militar existe em grande parte na história do Grande Oriente da França e, em certa medida, na da Grande Loja da França e do Direito Humano que em épocas diferentes se alinharam com uma esquerda que via no exército como corpo constituído uma ameaça à república. Não sem razão, é preciso admitir. Do general Boulanger a Petain, passando pelos generais golpistas de Argel, não se pode dizer que durante o século XX, a alta hierarquia do exército francês se tenha distinguidos por um republicanismo ardente. Quanto à figura do General de Gaulle, se ela provoca unanimidade em relação ao homem de junho de 1940, o militar do golpe de estado de maio 1958 gerou um feroz ressentimento no seio das lojas.

Os franceses, sejam maçons ou “profanos” celebram seu povo quando ele consegue vitórias, mas odeia o exército quando ele sofre derrotas. É preciso reconhecer que, após a vitória em meio-tom de 1918, a derrota de junho de 1940, a catástrofe de Dien Bien Phu e da guerra suja na Argélia, as oportunidades de celebrar a glória de nossos exércitos foram e continuam a ser raras. Tão raras que fora do desfile militar de 14 de julho, o povo francês não se comunga mais com suas forças armadas a não ser quando a República presta homenagem aos seus soldados mortos em teatros de operações distantes onde o sentido e o interesse não são objeto de nenhum debate político real sob pretexto de consenso.

O abandono do serviço militar obrigatório em 1996 não provocou nenhum protesto sério, tanto da parte da opinião quanto de diferentes instâncias maçônicas. Isso mostra bem que a velha ideia de um exército de cidadãos, consubstancial com a ideia republicana, assim como o imposto, o secularismo e o ensino obrigatório tiveram vida curta. Assim, o exército francês é a melhor visto como um mal necessário e, na pior das hipóteses, como um peso de que se deve descarregar para melhor se concentrar em outras tarefas. Por outro lado, desde os atentados terroristas de 2015, a operação Sentinelle que torna visível o papel protetor do exército sem dúvida ajudou a aumentar se não seu prestígio, pelo menos, a necessidade de contar com ele para garantir a segurança dos franceses. Uma reflexão sobre o tipo de exército que queremos e o que nos destinam não é, por enquanto, a principal preocupação das obediências maçônicas. Para nos limitarmos somente ao GODF, nenhum dos temas propostos pela obediência ao estudo das lojas não abordou esses últimos exércitos sobre assuntos militares. Esperemos que isso vá acontecer no futuro, se só para ver nascer nas obediências, um verdadeiro debate sobre o papel do exército, que por agora está totalmente ausente na sociedade.

Fraternais militares: uma rede ativa para uma reflexão mundial

A Associação de Defesa e República (ADER) associação Inter obediencial reúne aqueles que pertencem à comunidade de defesa e compartilham os mesmos objetivos de defesa dos valores da República Francesa, do patriotismo e do serviço à Nação.

Podem em ela ingressar militares da ativa ou reformados, ou aqueles que pertencem ou que pertenceram à reserva e, em geral, todas as pessoas preocupadas com questões estratégicas de defesa e segurança. Os seus estatutos especificam que ela tem por objetivo “investigar o aperfeiçoamento intelectual, moral e cívica, a difusão dos princípios de fraternidade para uma sociedade mais humanista no âmbito da suas reflexões e debates sobre questões estratégicas de defesa e segurança”. Ela publica suas reflexões e seus trabalhos.

A associação constituiu um círculo específico para a região de Paris, o círculo Augereau. Ela também constituiu uma loja de pesquisa e estudo dos exércitos, a loja General Mellinet, aberta apenas aos titulares do grau de mestre. Ela traz o nome de Emile Mellinet (1797-1894), que fez uma brilhante carreira militar de Napoleão 1º a Napoleão III e foi Grão-Mestre do GodF de 1865 a 1870.

A ADER possui um site na internet:www.defense-et-republique.org

Desde 2015, a ADER empreendeu uma reflexão aprofundada sobre o tema do fundamentalismo islâmico, propondo aos seus membros participar de grupos de trabalho para refletir sobre as causas do extremismo e da radicalização em uma abordagem multidisciplinar.

Quanto aos maçons marinheiros, eles têm a particularidade de ter duas lojas de pesquisa, a loja La Perouse # 1 e a Loja Le Tellier # 3 que não são especificamente militares, mas agrupam todos os marinheiros. Estas estão agrupadas na Associação Ponantaise de História Marítima (Aspoma).www.rllaperouse.org 

O caso das fichas, um escândalo maçônico

No início do século XX, as relações tumultuosas entre a república e um exército francês ainda marcado pelo clericalismo, desembocava em um escândalo tão devastador quanto o caso Dreyfus, e cuja história reteve a memória sob o nome de Caso das Fichas.

Após as eleições de 1902, que viram o triunfo do “Bloco das Esquerdas” e a constituição do Ministério Combes, o general André, que tinha ficado recuado no caso Dreyfus foi nomeado Ministro da Guerra com a missão de promover a promoção de oficiais republicanos. Para se certificar da sinceridade e confiabilidade desses últimos, pensou ele, embora ele não fosse maçom, em apelar às lojas do Grande Oriente da França, presentes em todas as cidades de guarnição. É assim que obediência cometeu o erro de se transformar em empresa de informações, pedindo aos seus membros que redigissem fichas secretas sobre militares, que, tendo sido enviadas por mãos seguras ao Ministério da Guerra, deveriam favorizar a promoção de oficiais com os quais a República podia contar. Sobre as fichas desajeitadamente redigidas pelos veneráveis, podia-se ler referências como VAM para “vai à missa” ou VAL CL para “Vai à missa com um livro.” Alguns oficiais eram tratados abertamente com “barata clerical” ou “canalha clerical”.

É um dignitário do Grande Oriente, Jean-Baptiste Bidegain, que revelaria o caso a um deputado clerical que alertou a imprensa. O escândalo foi enorme com a publicação das famosas fichas, principalmente pelo Figaro. O caso levou à demissão do general André, antes que a do ministério Combes. Em 1914, diante dos sucessos do exército alemão, a direita nacionalista responsabilizará a incompetência dos oficiais promovidos pelo general André. O caso teve o efeito de reforçar duramente o sentimento antimaçônico e aproximar ainda mais a hierarquia militar da Igreja Católica.


Notas:
1: Jean Guisnel, “O tabu de irmãos militares” Le Point 22/01/2009
2: A Direção para a Proteção e Segurança da Defesa tornou-se em outubro 2016 Direção de Inteligência e Segurança da Defesa (DRSD).
3: Jean Guisnel, Os Generais, investigação sobre o poder militar na França, La découverte 1989.
4: “Fatos e documentos” é uma carta confidencial de extrema direita fundada por Emmmanuel Ratier, um jornalista que morreu em 2015. Este último era o herdeiro “espiritual” de Henry Coston, jornalista antissemita, Antimaçons e colaborador, reciclado na ecologia após a guerra na Associação Os Guias da Natureza, da Vida e da Saúde (AGNVS) ao lado de Henri-Charles Geffroy, fundador de La Vie Claire.
5: citado por Jean-Luc Quoy-Bodin: “O militar na Maçonaria” (séculos XVIII-XIX). in: História, Economia e Sociedade, 1983 2ᵉ ano, n ° 4 pp. 549-576.
6: Id.
8: A Ação Maçônica, jornal da Maçonaria Universal, 1868/12/01.





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