Por Raphael Vidigal
Quem poderia imaginar o encontro de Jimi
Hendrix com Asterix, personagem de quadrinhos criado pelos franceses Albert
Uderzo e René Goscinny? A resposta é: “o maior mentiroso de todos os tempos”.
Essas palavras saídas da boca de Guarabyra despertaram no jornalista paranaense
Toninho Vaz o interesse pelo protagonista da biografia que ele acaba de lançar:
“O Fabuloso Zé Rodrix”. “O X ao final do nome artístico do Zé era uma mistura
de Hendrix com Asterix. Ele era um mitômano, mentia por compulsão, mas nunca
para prejudicar ninguém. É porque a realidade para ele nunca era o bastante”,
explica Vaz.
O título é uma alusão a esse comportamento.
“Eram coisas que ele inventava na hora, de graça, sem a intenção de driblar
você, nem nada. O Zé achava que a história tinha sempre que ser a melhor
possível, mesmo que partisse para a fantasia e a fabulação”, destaca. A
constatação, porém, veio depois de conversas com inúmeras pessoas que
conviveram de perto com o biografado, como a viúva Júlia, esposa durante 23
anos, e amigos e parceiros musicais, casos de Tavito, Paulo Coelho,
Thunderbird, Claudia Raia, Ney Matogrosso (é de Zé Rodrix o teclado moog na
faixa “Fala” do disco dos Secos & Molhados), Ronnie Von, Moacyr Franco,
Aquiles Reis (do MPB4), e outros que deram seus depoimentos, além, é claro, de
Luiz Carlos Sá e Guttemberg Guarabyra, com quem ele formou o histórico trio Sá,
Rodrix e Guarabyra na década de 70. “Teve um dia que ele estava andando de
carro com o Guarabyra e eles passaram em frente ao Iate Clube do Rio. Então, o
Zé disse que praticava mergulho e caça submarina. O Guarabyra ficou nervoso e
mandou ele descer do carro, dizendo: ‘como, Zé, se você não sabe nadar, tem
medo de água, não entra nem até os joelhos?’. E o Zé respondeu: ‘mas não seria
mais bonito se fosse assim?’”, conta Vaz. “De outra vez, ele conversava com a
ex-mulher do Tavito, e ela disse para ele que tinha um tio surdo-mudo. O Zé não
perdeu tempo. Respondeu: ‘isso não é nada, eu tenho cinco tios que são
surdos-mudos’”.
Maçonaria. Para Vaz, essa
característica, naturalmente, contaminou a obra de Rodrix. Conhecido pelo
sucesso “Casa no Campo”, lançado em 1972 por Elis Regina, o artista, que era
multi-instrumentista, participou de grupos musicais lendários, como o Momento
Quatro e Som Imaginário, compôs para trilhas sonoras de filmes, criou diversos
jingles (chegou a abrir seu próprio estúdio) e se aventurou na escrita. “O Zé
era um cara destinado a criar o tempo todo. Eu e alguns amigos chegamos à
conclusão de que se ele tivesse se dedicado a uma atividade, teria sido um
gênio”, observa o biógrafo.
Aliás, Vaz se orgulha de revelar um dos lados
menos conhecidos da obra de Rodrix, que no início dos anos 2000 começou a
escrever “A Trilogia do Templo”. “O Zé era maçom e escreveu três volumes com
850 páginas cada um, falando sobre o nascimento da maçonaria. É uma coisa
fantástica, ele se baseou em toda uma tradição oral. O Zé era muito
inteligente, culto, um fenômeno”, elogia.
Por sugestão de Guarabyra, a biografia tem
início com a morte de Rodrix, em 2009. Vítima de um ataque cardíaco, o cantor
foi velado no salão nobre da maçonaria da rua São Joaquim, em São Paulo.
“O velório atrasou mais de cinco horas,
porque queriam fazer a autópsia. Por ser músico, achavam que ele tinha
consumido droga, mas o Zé sempre foi careta. Não gostava de birita, maconha,
nem nada”, afirma o entrevistado. “A Claudia Raia era tão próxima dele que
quando se aproximou do caixão teve um mal súbito e desmaiou”, informa.
Mortes. A última e definitiva é a
primeira das três mortes que servem de fio condutor para a narrativa de Vaz. O
escritor se valeu da palavra de forma metafórica para abordar outros dois
episódios em que Rodrix decidiu abandonar a música. “Quando a Elis (Regina)
morreu, em 1982, ele se culpou muito, entrou numa depressão e ficou anos só
trabalhando com jingles. O Zé estava na casa dela e viu a Elis consumindo
cocaína e uísque. Ficou muito contrariado com aquilo e foi embora. No dia
seguinte, acordou com a notícia da morte dela”, diz.
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