Todas
as sessões de Lojas maçônicas se processam segundo um ritual padronizado. Cada
sessão de cada Loja inicia-se sempre da mesma maneira, repetindo-se sempre as
mesmas palavras, efetuando-se as mesmas ações. E igualmente termina também
sempre da mesma maneira, com as mesmas palavras e ações que foram ditas e
executadas em todas as vezes que anteriormente a Loja se reuniu em sessão
formal.
Por
que razão homens adultos, alguns homens maduros ou mesmo idosos, pais de
filhos, alguns avós de netos, muitos deles com importantes responsabilidades
profissionais e sociais, semanal, quinzenal ou mensalmente se juntam para
repetir, vezes sem conta, as mesmas palavras e executar sempre e sempre as
mesmas ações?
A
primeira resposta consiste na consideração de que a prática do ritual, o
facto de se iniciar as sessões sempre da mesma forma e igualmente as terminar
com os mesmos procedimentos marca uma diferença, estabelece um tempo e um
espaço próprios, diferentes das experiências pessoais anteriores ao início da sessão
e das que sobrevirão depois do fim desta.
Com
a execução do ritual de abertura, cria-se um hiato, faz-se um corte com o que
se passa no exterior, com o que se vivenciou antes do início da sessão.
Paralelamente, ao executar-se o ritual de encerramento, marca-se a fronteira
entre o tempo e o espaço comuns aos presentes e só a eles e os tempos e lugares
em que cada um, na sua vida normal, interage com a generalidade das pessoas.
Com
e execução dos rituais de abertura e enceramento, os maçons criam como que uma
cápsula do tempo e do espaço que é só dos elementos da Loja e dos visitantes
presentes, diferente em tudo do que se passa antes, depois, em outros lugares,
com outras pessoas. Cria-se um espaço e um tempo de confiança mútua, regido por
regras próprias que ali e então se aplicam, destinadas a permitir que cada seja
e se sinta livre para se expressar como entenda, para abrir a sua alma, para
compartilhar os seus anseios e preocupações, alegrias e receios, sem temer que
essa exposição pessoal seja aproveitada fora dali. O que se passa na sessão de
Loja fica ali. O quer é dito, revelado, proposto, considerado ali e então queda
reservado aos presentes, porque só aos presentes diz respeito.
Com
a confiança estabelecida nesse tempo e espaço, criam-se as condições para a
máxima cooperação entre os presentes. Cada um pode sugerir o que achar melhor,
expor uma ideia e colocá-la à consideração dos demais, sabendo que a sua
sugestão e a sua ideia serão analisadas segundo os seus méritos, sem
preconceitos - e sobretudo sem temer que porventura uma ideia falhada, uma
sugestão desajustada, sejam utilizadas ou expostas fora dali ou a estranhos aos
que ali estavam.
Cria-se
um tempo e um espaço de confiança e cooperação próprios para que cada um
partilhe com os demais o que sabe, o que teme, o que o preocupa, o que o
alegra, e receba dos demais a reação que a sua partilha proporcionar. Cada um
dá ao grupo o que pode dar. Cada um recebe do grupo o que necessita de tudo o
que o grupo está em condições de proporcionar.
Estabelece-se
um tempo e um espaço de confiança e cooperação em que o elogio é sincero, a
crítica é pura, a solidariedade é sentida, o desacordo, quando existe, é
livremente expresso e livremente analisado, possibilitando a determinação dos
pontos de acordo que existem nos desacordos e das vias de superação de
desacordos em acordos aceitáveis para todos.
Com
esse espaço e tempo de confiança e cooperação, criam-se as condições
necessárias para a natural solidariedade e para a criação de sólido espírito de
corpo.
Tudo
isso se constrói dentro de um espaço e de um tempo delimitados pela execução
dos rituais de abertura e enceramento.
Mas
não é esta a única nem, porventura, a principal razão por que homens adultos,
maduros e alguns idosos, pais de filhos e avós de netos, alguns assumindo
grandes responsabilidades profissionais ou sociais, persistem em, uma e outra
vez e ainda outra e sempre, repetir as mesmas palavras, executar as mesmas
ações.
A
repetição semana a semana, quinzena a quinzena, mês a mês, anos e anos a fio,
permite o aperfeiçoamento. Não só da execução do ritual, mas - e sobretudo - de
quem executa o ritual.
O
ritual não é um mero conjunto de palavras destinado a marcar uma diferente
entre o que está de fora e o que fica dentro, entre nós e os outros. O ritual
contem um assinalável conjunto de lições, de lembranças, de normas, de
conselhos, de princípios que nos devem guiar ao longo das nossas vidas. O
ritual é a caixa das ferramentas do aperfeiçoamento de cada um. Quanto mais se
repete o ritual, melhor se conhece o ritual. Quanto melhor se conhece o ritual,
mais se descobre no ritual. Quanto mais se descobre no ritual, mais e melhor se
evolui. É por isso que o que se aprende, o que se surpreende, o que nos toca no
ritual hoje é diferente do que se aprendeu, surpreendeu, nos tocou há cinco
anos. E isso há cinco anos diferente de há dez anos. E aquilo de há dez anos
diferente de há vinte anos. Porque o que se aprendeu, surpreendeu e tocou há
vinte anos foi o que permitiu evoluir para aprender, surpreender e ser tocado
diferentemente há dez anos, diversamente há cinco anos e diferenciadamente
hoje. Porque se foi evoluindo e é em virtude da evolução havida que se está em
condições de notar agora o que se não lobrigava há cinco anos, se não via há
dez anos e nem se suspeitava que estava lá há vinte anos.
O
ritual é uma caixa de ferramentas que pode ser preciosa para o
aperfeiçoamento e a evolução de cada um. Mas atenção que não basta repetir, não
chega papaguear o ritual. O ritual é para ser executado e repetido, mas também
para ser lido, para ser analisado e sobretudo para ser MEDITADO. Porque evoluir
segundo o método maçônico não se resume a comparecer a sessões, a executar
rituais de forma acrítica, displicente ou mecânica. É necessário compreender o
ritual, determinar porque se faz assim e não de outra forma, a razão e o
objetivo de cada ato, de cada palavra ou expressão. Porque é dessa compreensão
que nascem as condições para a mudança em nós. E a cada mudança, a cada
evolução, mais se descobre, mais se compreende.
O
ritual é fonte de Luz, da Luz que todo o maçom (todo o humano?) busca. Mas não
se espere que essa Luz nos apareça escancaradamente defronte de nós. Caramba,
convém instalar e ligar ao fornecimento o quadro de eletricidade, instalar os
cabos pela casa, colocar a lâmpada e ligar o interruptor! Afinal de contas o
ritual é uma caixa de ferramentas, não é uma varinha mágica!
Rui Bandeira
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