Por Kennyo Smail
Afinal,
qual é a origem do Rito Escocês Antigo e Aceito? Ele é Escocês, Francês ou
Americano? Muitos são os maçons que afirmam, sem pestanejar: "É
francês!" Mas veremos que tudo depende do que você considera por
"origem".
Se
você responder que a origem do REAA é escocesa, você não estará de todo errado.
A base do Rito é historicamente tida como levada pelos Stuarts e sua corte,
quando exilados na França. Todos eram de famílias escocesas.
James
VI era rei da Escócia em 1601 quando, com 35 anos de idade, foi iniciado na
maçonaria escocesa, na Loja Petth and Scone.[1] [2] É o primeiro Chefe de
Estado que se tem notícia da iniciação na Maçonaria. Dois anos após sua
iniciação, ele assumiu também o trono da Inglaterra e Irlanda, passando a ser
para esses "James I" e iniciando assim a 'Era Stuaitista", O Rei
James I ficou conhecido por ter idealizado e patrocinado a tradução da Bíblia
para a língua inglesa, a qual até hoje é descrita como versão autorizada pelo
Rei James. Acredita-se que todos os homens da família e nobres de sua corte
tradicionalmente ingressavam na Maçonaria.
Resumindo
um pouco a história, de forma a focarmos no que realmente interessa à
Maçonaria, em 1715, os Stuarts foram exilados na França, mais precisamente em
Bar le Duc.
Nesse
mesmo ano, James Radclyffe, Conde e melhor amigo do pretendente ao trono, James
III, "The Old Pretender", acompanhado de seu irmão Charles Radclyffe,
ambos fiéis declarados à causa Stuart, retomaram à Escócia para participarem de
uma rebelião. A rebelião fracassou e ambos foram presos, sendo que o Conde
James Radclyffe foi executado e Charles Radclyffe conseguiu fugir e retomar à
França
Dez
anos depois, Charles Radclyffe, então secretário do Príncipe Charles Edward
Stuart, conhecido como The Young Pretender", na França, atendendo o desejo
do príncipe e de sua corte, funda a primeira Loja Maçônica "Escocesa” em
território francês. [3] Através de sua liderança, as Lojas jacobitas, logo
chamadas na França de Lojas Escocesas rapidamente se proliferam em território
francês. E, na mesma intensidade da proliferação de Lojas, ocorreu a
proliferação de graus e de ritos.
Em
1745, apoiando uma frustrada tentativa dos Stuarts de retomada do trono da
Inglaterra, o Conde Charles Raclyffe é capturado e executado em Londres. Porém,
sua iniciativa maçônica foi o embrião do que viria a se tornar, dentre vários
ritos maçônicos, o Rito de Heredom.
Já
a partir do Rito de Heredom, se você responder que a origem do REAA é francesa,
isso não será de todo um equívoco. Os 25 graus do Rito de Heredom e sua difusão
nos Estados Unidos é que deram origem ao REAA. Entretanto, temos aí uma
diferença de 8 graus entre o Rito de Heredom (25 graus) e o Rito Escocês Antigo
e Aceito (33 graus). Que Maçom nunca se perguntou quais seriam esses 8 graus,
não é mesmo?
Para
desvendar esse mistério, apresento a tabela na página anterior, comparativa
entre os 25 Graus que formavam o Rito de Heredom e os 33 Graus que formam o
Rito Escocês Antigo e Aceito.
Interessante
observar que, originalmente, o grau de Intendente dos Edifícios precedia o grau
de Preboste e Juiz, ao contrário do que se tem hoje. O mesmo ocorreu entre o
grau Cavaleiro Prussiano, que precedia o Grande Patriarca (atual Mestre
Ad-Vitam], e que também foram invertidos quando da organização do REAA. Os
graus que surgiram nos Estados Unidos e foram acrescentados entre os graus do
Rito de Heredom, formando o sistema do Rito Escocês Antigo e Aceito como o
conhecemos, são os graus hoje numerados entre o 23º e o27º, e os graus 29, 31 e
33.
Mas
do Rito de Heredom, O REAA não herdou apenas os graus. Para isso, precisamos
retomar à França do Século XVllI.
Nos
anos 1750, o Rito de Heredom, então popularmente chamado entre os Maçons
franceses de Maçonaria Escocesa, estava se desenvolvendo rapidamente, dominando
a política interna da Maçonaria naquele país.
Foi
então que, em 1756, surgiu o Conselho dos Cavaleiros do Oriente, dirigido por
Maçons da classe média [burgueses], com o intuito de organizar os Altos Graus
do rito.
Já
os Maçons de classe mais alta e da nobreza, não desejando ficar para trás dos
burgueses, criaram o Supremo Conselho de Imperadores do Oriente e do
Ocidente[5] Ora, um Supremo Conselho soa maior do que um simples Conselho, e
Imperadores são logicamente superiores do que simples Cavaleiros. Além disso,
Oriente e Ocidente é o dobro do que apenas Oriente!
Dessa
forma, esse Supremo Conselho de Imperadores do Oriente e do Ocidente conseguiu
prevalecer sobre o semanticamente diminuído Conselho dos Cavaleiros do Oriente,
se tornando a legítima "incubadora" do Rito de Heredom.
Como
emblema, esse Supremo Conselho de Imperadores do Oriente e do Ocidente buscou
inspiração no Império Romano que, em seu auge, governou o Oriente e o Ocidente
e adotou um sistema de dois governantes simultâneos. Nessa fase do Império
Romano, adotou-se a águia bicéfala para simbolizá-lo.[6]O Supremo Conselho
encontrou na águia bicéfala o símbolo ideal para Oriente e Ocidente e
acrescentou uma coroa sobre ambas as cabeças da águia para simbolizar a
realeza, afinal de contas, tratava-se de um Conselho de Imperadores.
Quando
do surgimento do Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceito, em
Charleston, nos Estados Unidos, com seu sistema de 33 Graus, aproveitou-se o
emblema do Rito de Heredom, da águia bicéfala coroada sobre uma espada,
acrescentando acima dessa um triângulo inscrito com o número 33.
E
já que mencionamos os Estados Unidos, se você responder que a origem do REAA é
americana, não haverá como desmenti-la. Foi nos Estados Unidos, que, por
iniciativa dos chamados 11 cavalheiros de Charleston, na Carolina do Sul,
definiu-se o sistema composto por 33 graus e o batizou com o nome de Rito
Escocês Antigo e Aceito. Nessa ocasião, lá nos Estados Unidos, nasceu o
primeiro Supremo Conselho do REAA no mundo, em maio de 1801[7]
Assim
sendo, se você considerar a origem com base no nome e formato, o Rito é
americano. Se considerar a origem com base no local onde sua prática se
desenvolveu, o Rito é francês. Mas se considerara origem com base em suas raízes
e tradições, o rito é escocês.
Não
há como dizer que uma origem é mais legítima que a outra. Não podemos ignorar o
fato de que, no mundo inteiro, os negros são chamados de afrodescendentes, os
descendentes de japoneses de nipônicos, os judeus de sionistas. Os bisnetos de
irlandeses nascidos nos EUA, por exemplo, ainda se consideram irlandeses. Em
todos esses casos, a origem não está no local onde nasceram, mas no local onde,
de alguma forma, estão suas raízes. Foi seguindo essa linha de raciocínio que
os americanos denominaram o Rito de Escocês. Já seguindo o ponto de vista
formal, legalista, o rito é indiscutivelmente americano, pois foi nos EUA que
ele foi organizado, definido, nomeado, e onde a primeira instituição para
administrar o Rito foi criada.
Porém,
ao observar suas práticas, não há como descartar a essência da Maçonaria
Francesa incrustada em seus rituais.
Enfim,
temos então um. rito de raízes escocesas, desenvolvido na França e concluído
nos EUA. Uma polinacionalidade condizente com a complexidade e profundidade de
seus graus, e com sua prática em dezenas de países espalhados pelo mundo.
Notas
(1) SCHUCHARD, Marsha Keith. Restring the
Temple of Vision;: Cabalistic freemasonry and Stuart Culture. Leiden: E. J.
Brill, 2002.
(2) LOMAS, Robert. The Early History of
freemasonry, in: OLSEN, Oddvar. The Templar Papers. Franklin Lakes, NJ: The
Career Press, 2006.
(3) ORVAL, José. Une historie humaine de la
Franc-Maçonnerie spéculative. Liege: Céfal, 2006.
(4) MACKEY, A. G. An Encyclopedia of
Freemasonry and its Kindred Sciences. New York e Londres: The Masonic
History Company, 1914.
(5) MORRIS, Brent, The Complete Idiot's Cuide
to Freemasonry . New York: Alpha Books/Penguin, 2006.
(6) MACKEY, A. G. An Encyclopedia of
Freemasonry and tis Kindred Sciences. New York e Londres: The Masonic History
Company, 1914.
(7) COIL, Henry Wilsom BROWN, William Moseley.
Cotl's Masonic Encyclopedía. NewYork: Ed. Macoy,
1961.
Fonte: Revista Astreia
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