Prometeu.
Escultura de Nicolas-Sébastien
Adam, 1762, Louvre.
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Por Carlos Alberto Carvalho Pires
A
Grécia Clássica é indubitavelmente o berço da civilização ocidental. Ali
identificamos com clareza a eclosão das bases do pensamento humano que criou a
forma de se entender o sentido do universo. A origem do que chamamos de
conhecimento ou Sophia se entrelaça à tragédia, à mitologia e
à filosofia gregas. Como os antigos mistérios elaborados pelas tradições
iniciáticas acompanham a trajetória humana desde que os primórdios, é de se
esperar que também estejam presentes nas narrativas mitológicas ancestrais. Ao
analisarmos a saga de Prometeu, assim como as argumentações de Platão sobre o
tema, percebemos que tal obra poderia ter sido escrita como parte de um tempo
de estudos, apresentado em Loja Simbólica . Na ordem do dia, entre Colunas, se
apresentariam Ésquilo, Hesíodo e Platão, sendo ouvintes todos aqueles que
desejam conhecer um pouco mais sobre o significado e as origens de nossa
Sublime Ordem. Rever esta mitologia, analisando brevemente seus pontos em comum
com a Arte Real, é o objetivo desta peça de arquitetura.
1-A Mitologia de
Prometeu, segundo Hesíodo e Ésquilo
A poderosa narrativa de Prometeu foi descrita
por três grandes representantes da filosofia grega clássica. Inicialmente
aparece nos relatos de Hesíodo (Ascra, século VII a.C.), chamados “Teogonia” e
“Os trabalhos e os dias”. Em seguida integra a arte de Ésquilo (Elêusis, 525
a.C e Atenas, 456 a.C.), na emblemática tragédia “Prometeu acorrentado”. Por
último, nosso herói ilustra o diálogo Protágoras, de Platão (427 a 347 a.C.),
que trata das relações entre a filosofia e a retórica.
O nome Prometeu pode ser uma conjunção de
vocábulos do grego arcaico que significam “o prudente” ou “o vidente”. Pró equivale
a antes emanthanéin pode se traduzir por saber, sabedoria ou visão.
Isto denota que ele apresentava o poder de predizer os fatos, tal qual um
oráculo. Era filho do titã Jápeto e de Clímene, de acordo com Hesíodo. Ésquilo
considera Têmis como sendo sua mãe. Possuía alguns irmãos, como Atlas, Menécio
e Epimeteu. Cronos, pai de Zeus, era irmão de Jápeto. Portanto, Zeus era
primo de Prometeu. Zeus tinha como irmãos Posêidon, que se tornaria o rei dos
mares, e Hades, que governaria o mundo subterrâneo ou dos mortos. Zeus, como se
fosse o primogênito, ficou com o comando do mundo celestial. Era o mais
venerado e poderoso deus da Grécia – seu templo em Atenas era grandioso, com
104 colunas coríntias de 17 metros de altura, com uma gigantesca estátua do
deus em marfim e ouro.
O primeiro episódio protagonizado por nossos
personagens ocorreu quando Prometeu resolveu presentear Zeus e os homens. Cada
um receberia metade de um boi, sendo que em uma parte ele colocou apenas ossos
sob a banha do animal, e na outra as vísceras – mais valiosas – cobertas pela
pele. Zeus escolheu o monte com a banha, e foi enganado. Com muita fúria, Zeus
aceitou a opção, mas como castigo tomou o fogo dos homens.
O fogo simbolicamente representa a sabedoria.
Os gregos tinham uma verdadeira obsessão pela busca da chamada verdade ou pelo
conhecimento. Isso fica claro quando analisamos um culto muito famoso naquela
época. A deusa da sabedoria, da inteligência, do ofício e da guerra justa era Atena
Nike, uma virgem cuja veneração perdurou por mais de quinhentos anos. Seu
templo, o Pártenon, surgia como o mais vistoso de todos. Localizado no centro
da Acrópole de Atenas, seu nome significa algo como virginal ou casto. Era um
imenso monumento simbólico onde as multidões veneravam a deusa-virgem pedindo a
maior das dádivas: sabedoria frente às grandes questões da vida.
Prometeu não se conformou com a perda do fogo,
pela humanidade. Aproveitando um momento de distração dos deuses, roubou este
elemento e o entregou novamente aos homens. A partir daí a habilidade de
construir casas de madeira e tijolos, e o domínio da escrita, da astronomia e
da matemática passavam a ser acessíveis aos mortais, assim como a possibilidade
de dominar os animais domésticos, de cultivar plantações e de criar objetos de
arte.
Em represália, Zeus armou uma terrível
vingança. Mandou Hefesto, o habilidoso deus ferreiro, construir uma mulher
maravilhosa, com todos os atributos que os deuses poderiam lhe fornecer. Foi
chamada de Pandora, ou aquela que tem todos os atributos – pan significa
“todos” e dora são “dons”. Afrodite a presenteou com as
armas da sedução. Hermes com os poderes do convencimento. Atena ensinou-a como
tecelar, e muitos outros imortais colaboraram na finalização deste artefato
fascinante. Depois, ela foi presenteada a Epimeteu que imediatamente ficou
apaixonado, e propôs casamento à jovem. Uma pequena caixa foi presenteada à
Pandora por Zeus, em homenagem ao casamento. Era um baú ou cofre reduzido. O
irmão do noivo, Prometeu, com sua visão profética, veio desesperadamente
avisá-lo para tomar cuidado e não se casar, pois tudo aquilo possivelmente era
um objeto de vingança. Mas não adiantou. Na noite de núpcias o presente de Zeus
se abriu e tudo que estava dentro escapou. A chamada caixa de Pandora continha
as mazelas, as desgraças, as aflições e todas as formas de maldade e azar
podem acometer a humanidade, e agora tais entes estavam livres para atacar as
almas das pessoas em geral. A vingança de Zeus havia triunfado. Pandora fechou
rapidamente a caixa, mas não evitou que todas as perversidades saíssem. Este
gesto impediu que um último elemento escapasse: a esperança.
Em relação a Prometeu, Zeus foi mais
impiedoso. Ordenou que Hefesto o acorrentasse no monte Tártaro, perto dos
portais do Hades. Ali, perante o céu infinito, ele sofreria o ataque diário de
uma águia gigante, que vinha e devorava seu fígado. A noite este órgão se
regenerava, para ser novamente destruído pela ave no dia seguinte. Isto deveria
perdurar por toda eternidade, mas depois de muito tempo Héracles, também conhecido
como Hércules, matou a águia e libertou Prometeu de suas algemas.
2-O Mito de
Prometeu na visão de Platão
Platão foi contemporâneo de Ésquilo. Costumava
freqüentar a Agora de Atenas, o espaço de estudos e reflexões central da
cidade, onde Sócrates exercia seu famoso método dialético. Platão era um
aprendiz de Sócrates. Posteriormente fundou sua própria escola, o Liceu. Como
Sócrates nada escrevia, apenas pela obra de Platão os ensinamentos do velho
mestre chegaram até nós.
Na visão mais filosófica da tragédia de
Prometeu, Platão nos apresenta um emblemático diálogo entre grandes
personalidades de Atenas tendo tal mitologia como fonte de argumentação. Na
obra intitulada Protágoras, Platão narra o debate entre Sócrates e Protágoras,
eminente sofista que defendia o poder da retórica como instrumento de
sabedoria.
Platão começa afirmando que todos os seres
vivos e os homens foram criados por uma centelha divina que atuava na própria
terra. A palavra homem, por exemplo, derivaria de húmus ou terra. No
princípio dos tempos, antes que os entes mortais fossem criados, os deuses
teriam dado aos irmãos Epimeteu e Prometeu o trabalho de fornecer qualificações
ou poderes a todos os seres vivos. Isto seria necessário para que pudessem
sobreviver no mundo entre as feras e os elementos da natureza. Epimeteu, então,
foi distribuindo atributos aos animais, tal como o poder de voar, de usar
garras, de possuir grande força física, muita velocidade ou capacidade de
nadar, e assim por diante. Quando chegou a vez de criar a espécie humana,
Epimeteu se conscientizou de que nada havia sobrado em termos de qualidades. O
homem estaria fadado a sucumbir, perante os outros seres já aquinhoados com
grandes poderes. Mas, Prometeu achou a solução para salvar seus protegidos:
roubou o fogo sagrado do deus ferreiro Hefesto e a sabedoria de Atena e
entregou tudo aos homens. Portanto, desde sua origem estes já tinham o domínio
do fogo e a sabedoria para trabalhar com ele, o que possibilitou a construção
de casas, a confecção de roupas e a produção de alimentos.
O problema dos homens surgia quando se reuniam
em comunidades maiores. O caos imperava e a autodestruição era uma certeza. Na
visão de Platão, o que faltava aos homens era a habilidade política de se
organizar em sociedade. Este poder estava nas mãos de Zeus, que não o fornecia
– e nem era possível a Prometeu buscá-lo na Acrópole de Zeus, pois esta
fortaleza era intransponível ao deus vidente. Depois de muito tempo, porém,
Zeus ficou preocupado com a inexorável extinção da espécie humana e mandou
Hermes levar ao mundo o dom da justiça e do pudor, distribuindo-os igualmente
entre todos os seres humanos. Assim, seria possível manter a unidade das
sociedades humanas embrionárias.
Platão associa a arte política à ética. Não
seria possível, em sua visão, exercer um papel público ou político sem observar
a mais rigorosa ética. O termo ética é derivado de ethos, vocábulo
grego ou latim que se refere às tradições, aos costumes , ou ao próprio corpo
humano – neste caso, podemos considerar como uma forma de respeitar a pessoa em
si. A ética era um atributo a ser exercido pelos homens de Atenas, de forma
precisa e justa. Esta excelência era traduzida por virtu, de onde
vem a virtude, ou a arte de fazer com excelência qualquer procedimento.
Como
exemplos de categorias de virtude, Platão cita a sabedoria, a temperança, a
coragem, a justiça, e a santidade. Para sintetizar, acha que virtude, em uma
palavra, seria o conhecimento. Para ele a virtude é una, e a partir dela
surgem, secundariamente, as outras características. A virtude para ser útil
deve ser exercida com a razão, assim como a coragem sem raciocínio não passaria
de imprudência, e a temperança sem muita reflexão deve ser evitada. Seria
possível um homem tornar-se virtuoso, mas manter-se na virtude é coisa apenas
para os deuses. Ele enaltece a prática da razão, em detrimento do logos ou do
discurso.
3- Prometeu entre
Colunas
Prometeu representa o espírito indômito dos
verdadeiros protagonistas dos rituais iniciáticos. Como todo aprendiz, deve
trabalhar em prol da evolução da sociedade humana. No caso em questão, isto
significava trazer o progresso sob a forma da entrega do fogo aos homens. O
domínio do fogo pode ser considerado o maior passo da humanidade em sua jornada
de distanciamento, enquanto espécie, dos outros primatas. Muito mais que o
advento da roda ou da agricultura, a arte de trabalhar com as labaredas
possibilitou a nossos ancestrais extrapolar com segurança os limites das
cavernas úmidas e escuras da África central. Ganhando mais espaço, agora a céu
aberto, e mais tempo, pois a noite agora era aproveitada como um momento mágico
de meditação em torno das fogueiras, esta conquista representou um tremendo
incremento na arte da meditação ritualística.
O mito também nos lembra que o ganho em
sabedoria é acompanhado, inexoravelmente, por um sofrimento, um custo ou ônus a
ser debitado àquele que sai das trevas. Quanto mais se sabe, mais complexos se
tornam os enigmas da vida e da natureza. Outros problemas ou questionamentos
vão se apresentando conforme evoluímos pela chamada asceze intelectual, e isto
passa a incomodar as mentes que ficam mais inquietas e perplexas, frente às
novas perspectivas que se descobrem.
A virtude, apesar de que no contexto grego
este termo tinha um sentido um tanto distinto do atual, é uma das mais
importantes qualificações de Prometeu. Ele cumpre com retidão e perfeição sua
missão de apoiar os homens em sua jornada evolutiva, e também traz um grande
bem à humanidade.
A prudência surge no mito, de maneira enfática
e marcante, no momento em que Prometeu se mostra preocupado com o enlace de seu
irmão com Pandora. Sua inquietação se agrava com o envio do presente de Zeus, a
caixa enigmática. Sabemos que devemos guardar a mais coerente prudência em
todas as nossas.
A ética é tratada por Platão, já como
desdobramento da epopéia de Prometeu, como elemento indispensável para o
correto exercício da arte política. Não havia possibilidade de existir um ser
político que não pautasse suas condutas pela perspectiva do bem comum, ou
pela luta pela construção de uma sociedade mais justa e harmônica.
Infelizmente, tal conceito entrou em cheque com o surgimento dos estados
absolutistas, quando houve uma quase total separação entre estes dois conceitos
– a ética e a política. A realidade desta nova época foi muito bem
analisada e registrada pelo italiano Nicolau Machiavelli, no século XVI, em sua
obra “O Príncipe”. Apesar dessa situação em que os fins justificam os meio e na
qual os lideres político só visam sua perpetuação no poder, existem entidades
que lutam pelo restabelecimento da antiga tradição, na qual a ética era a régua
que orientava as posturas dos governantes
Conclusão
A
Mitologia grega apresenta, de maneira dramática e estilizada, uma forma de
codificação simbólica dos maiores enigmas que cercam a existência humana.
Irrompendo a partir dos mais intrincados labirintos da história, tais mitos
refletem a maneira como nossa mente criativa elabora a realidade e seus
mistérios. Por isso, para os legítimos idealistas que trabalham do meio dia a
meia noite em busca da construção de um mundo mais justo, é essencial conhecer
estas maravilhosas narrativas se desejam decifrar o principal objeto de sua
arte: o ser humano, com toda sua complexidade psíquica e existencial.
REFERÊNCIAS
DUCLOS,
M. O Mito de Prometeu e Epimeteu, disponível em http://www.consciencia.org, acesso em
15/05/2010.
ÉSQUILO, Prometeu
acorrentado/Ajax/Alceste, tradução de Kury, M.D. São Paulo: editora Jorge
Zahar, 1ª Edição, 2004.
GLESP, Ritual
do Simbolismo do Aprendiz Maçom, São Paulo: Editora da Glesp, 2001.
MACHIAVELLI,
N.B. O Príncipe, tradução de Gonçalves, O.L. Goiânia: Editora Cultura e
Qualidade, 1998.
PLATÃO, Protágoras,
ed. E-Booked, disponível em http://www.dominiopublico.com.br ,
acesso em 15/05/2010.
PIRES,
C.A.C., “Origens – Em Busca do Primeiro Maçom” Revista Maçônica “A Verdade”, Editada
pela Glesp, Edição 461, Julho Agosto 2007.
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