Por Rui Bandeira
É
do conhecimento comum a frase de Descartes
Cogito
ergo sum
Também
é comum que esta frase apareça traduzida para português como
Penso, logo existo
Porém,
como diz um também muito citado provérbio italiano, "traduttore,
traditore"... Traduzir sum por existo é gramaticalmente correto, mas não é
a única opção. Talvez mesmo não seja a melhor. Com efeito, uma pedra não pensa,
mas existe. Indubitavelmente que existe. Podemos vê-la, pegar-lhe,
arremessá-la, trabalhá-la ou simplesmente ignorá-la. Mas existe - não pensando.
Logo, existir não é consequência de pensar.
No
meu entendimento, a melhor tradução para português da célebre frase é a mais
simples e direta:
Penso, logo sou
Com
esta tradução, o significado da frase enriquece-se em vários sentidos. Se, ao
contrário de existir, ser é uma consequência de pensar, então ser é bem mais do
que meramente existir. Logo, eu, que penso, não me limito a existir (como
qualquer pedra...), mas realmente sou. Por outro lado, se sou na medida em que
penso, quanto mais penso, mais sou. e quanto melhor penso, melhor sou.
(A
contrario sensu, aquelas cabecinhas loucas que não pensam, ou melhor, mal
pensam e pensam mal e pouco, naturalmente só podem ser pouco, apesar de - como
a pedra... - indubitavelmente existirem...).
Ser
é bem mais do que meramente existir. Uma pedra existe. Um animal existe. Mas só
o ser dotado de pensamento racional realmente é. Logo, se sou porque penso,
também sou o que penso. O que eu sou não é o que mostro, o que faço, o que
digo. Tudo isso integra apenas a imagem que os demais têm de mim. Realmente, o
que sou é o que penso, não o que mostro, ou digo, ou faço.
Sendo
assim, se o que mostro, digo e faço é diferente do que penso, ou sou
dissimulado, ou sou mentiroso, ou sou hipócrita, ou sou tudo isso junto.
Hipócrita, se finjo ser diferente do que sou. Mentiroso se digo, faço ou mostro
algo diverso ao que realmente sou (penso). Dissimulado se não mostro, faço e
digo tudo o que penso. Enfim, ninguém é perfeito...
A
hipocrisia é sempre um mal, algo de errado. O hipócrita tem o propósito de
enganar os demais, de mostrar uma imagem propositadamente diferente do que
realmente é (pensa).
A
mentira é normalmente um mal, mas pode pontualmente ser bem-intencionada (a
mentira piedosa...) e, afinal, um bem. Pode mentir-se de forma bem-intencionada
e com isso atingir-se um bem, que não se atingiria com a verdade, ou mesmo a
verdade causar um mal que é evitado com a bem-intencionada mentira.
Já
a dissimulação tem uma medida que é inevitável - medida em que é socialmente
aceite -, que se pode designar por reserva. A vida em sociedade implica uma
certa reserva, um setor de nós que é só nosso, que não expomos aos demais. É
até socialmente imprescindível que esse setor de reserva individual exista,
porque condição de salvaguarda do relacionamento saudável entre indivíduos.
Portanto,
sou o que penso, e devo mostrar, fazer e dizer o que sou, exceto na restrita
matéria da reserva da minha privacidade que é socialmente aceite (até mesmo
imprescindível) que eu guarde.
A
reserva de privacidade é uma defesa, mas também é um ónus, um fardo. Aquilo que
guardo para mim pesa-me a mim e, não podendo partilhá-lo, também não posso
partilhar o fardo.
É
por isso que, sendo socialmente aceite (e necessário) que eu mantenha um certo
nível de reserva em relação ao que penso, ao que sou, também é natural e
socialmente pacífico que o nível de reserva que eu mantenho seja diferenciado.
Assim, é normal que eu mostre menos de mim aos estranhos do que aos meus
conhecidos, menos aos meus conhecidos do que aos meus amigos, menos aos meus
amigos do que aos meus familiares próximos e finalmente que mesmo estes não
tenham acesso à totalidade de mim,
A
extensão variável da reserva sobre mim é por mim determinada, em função do
nível de intimidade e, assim, de confiança do laço que me une a alguém.
(É
por isso que a traição à confiança depositada por parte dos mais próximos é bem
mais dolorosa - e quiçá acarreta mais graves consequências - do que idêntica
ação levada a cabo por quem nos é mais distante).
Em
resumo: sou o que penso, não o que mostro, faço ou digo. Mas devo mostrar,
fazer e dizer em consonância com o que penso em tudo o que não contenda com a
reserva sobre mim que é socialmente aceite (e útil) que guarde. E essa reserva
é tanto menor quanto mais próximos de mim estiverem aqueles a quem mostro, digo
ou faço.
Rui
Bandeira
Fonte: A Partir Pedra
2 Comentários
Mas se eu de fato sou o que penso que sou, logo Eu sou o que Sou e se sou o que sou , e uso a mentira eu estou mentindo para quem Eu sou; ou será que eu também não sou o que sou,e penso que sou o que não sou , então nego o que eu sou e naõ existo mas penso que existo, e agora o que fazer o o que eu sou?
ResponderExcluirMas se eu de fato sou o que penso que sou, logo Eu sou o que Sou e se sou o que sou , e uso a mentira eu estou mentindo para quem Eu sou; ou será que eu também não sou o que sou,e penso que sou o que não sou , então nego o que eu sou e naõ existo mas penso que existo, e agora o que fazer o o que eu sou?
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