Pelo Irmão José Eduardo Sousa,
M.M. (*)
Uma Loja maçônica, que
simboliza o mundo, o Universo em que vivemos, é uma plataforma que permite o
crescimento do maçom, o seu desenvolvimento espiritual assim como a sua
elevação ética e moral. Uma plataforma, que quando utilizada de forma correta,
de coração aberto e em verdade, permite ao indivíduo aperfeiçoar-se e crescer,
em suma, tornar-se um homem melhor e mais apto, livremente responsável, que,
partilhando um desígnio com os Irmãos, se aperfeiçoa e aperfeiçoa o meio onde
se insere, á sua dimensão.
O trabalho maçônico, para mim,
claro está, tem como objetivo tornar o mundo um sitio melhor. Isto parece um objetivo
vago e inalcançável, que tudo permite dizer e nada diz. Porém, é minha
convicção que é mesmo isto que fazemos todos os dias.
Uma L.’. maçônica tem por
obrigação ser uma escol dos melhores de uma comunidade, mais capazes e mais
aptos a fazer esse mesmo trabalho, o de potenciar o cumprimento dos homens,
desbastando a pedra em bruto, aperfeiçoando-se e realizando-se na sua
plenitude, contribuindo então para deixar o Mundo um sitio melhor do que era
quando cá chegamos. Um primado da Razão e da Filosofia, da bondade Moral e
Justeza das ações.
Com os pés no chão, com a
certeza de que não resolveremos os problemas todos, nem mesmo muitos ou alguns,
apenas aqueles que conseguirmos depois de a isso nos dispormos.
Esse trabalho faz-se mudando
os homens, que através do crescimento espiritual e cultural proporcionado pela
L.’., vão, a pouco e pouco, alterando a sua forma de interagir com a comunidade
onde se inserem. Crescendo e aperfeiçoando-se, o maçom muda para melhor, estou
em crer, mesmo que inconscientemente, o mundo que o rodeia. Do somatório puro e
simples do aperfeiçoamento dos maçons, observamos uma transformação na
sociedade, quer tenhamos ou não disso noção. Um processo que se apresenta como
profundamente individual assume então a sua generosidade. O trabalho do maçom é
aperfeiçoar-se em L.’.. E como é que isso acontece? Esse é o trabalho da L.’.,
há luz dos códigos de elevação moral e espiritual, onde o Ritual assume um
papel preponderante, tornar homens bons melhores, dispostos a preparar o futuro
e construir o presente á luz dos ideais maçônicos. Para isso deve ter a L.’. um
critério rigoroso de escolha dos seus candidatos, sob pena de se transformar
num clube de amigos que transferimos do mundo profano, desprovido de sentido.
Os candidatos devem ser
convidados á luz das características dos seus talentos, para que possam ser uma
mais valia para o trabalho que está na génese da Maçonaria e é a sua razão de
existir. E porque talentos per si não valem nada, é aqui que os potenciamos e
aprendemos que o que conta é o que com eles realizamos, á luz de um código de
moralidade e de valores que escolhemos livremente e em consciência para nós.
Estes homens que descrevo têm
de ser capazes de conceber o Divino; o Indizível; de sonhar; de terem visão; de
terem a Força, a Sabedoria e o desprendimento de se entregar a projetos
aparentemente impossíveis, utópicos e belos; têm de conceber a fraternidade
leal fruto da partilha do Desígnio. Porque é disso que falamos, de uma escol de
Cavaleiros, que foram Cavaleiros da Terra, depois Cavaleiros do Mar e hoje
Cavaleiros do Mundo. Essa dimensão espiritual é a sua característica mais
importante. Que passo a explicar como se me apresenta hoje.
Entendo que a espiritualidade
é uma dimensão indissociável da condição humana, mais do que o bem exclusivo de
Igrejas, Religiões ou Escolas de pensamento. Na prática, fala-se de
Espiritualidade para a parte da vida psíquica, fruto da inteligência humana,
que nos parece mais elevada: aquela que nos confronta com Deus ou com o
absoluto, com o infinito ou com o todo, com o sentido da vida ou a falta dele,
com o tempo ou com a eternidade, com a oração ou o mistério. Temos a felicidade
de ter na nossa R.’.L.’. homens de religiões reveladas diferentes, de escolas
de pensamento diferentes, sem opção por nenhuma das religiões reveladas, sem se
reconhecerem em nenhuma escola de pensamento, homens de profundo esoterismo e
outros que nem por isso.
Não temos porém nenhum
despojado da assunção da sua espiritualidade. O respeito por essas opções é a
nossa riqueza, a base para a geração da harmonia. Isto exige uma reflexão
profunda do que é a tolerância maçônica, sempre á Luz de um ideal maior que
todas as religiões e escolas de pensamento. Porque a Maçonaria está num patamar
diferente. Não se preocupa com a forma como cada um vive a sua espiritualidade
nem ambiciona ter voto nessa matéria. A preocupação da Maçonaria é o Individuo
e depois o Mundo, onde vivem os homens hoje e os de amanhã, a sua preocupação
ultima é a vida dos homens na Terra, e não oferecer salvação ou condicionar a
sua existência á salvação eterna. Para isso existem outras sedes, cujo sucesso
e eficácia jamais se poderá questionar ou até medir. A espiritualidade que aqui
tratamos remete-se para a relação do homem com o divino em vida, aqui na Terra
e como essa relação pode condicionar as suas ações com vista ao cumprimento de
um ideal ou Desígnio.
E como os seus obreiros são
homens plenos em todas as suas dimensões, a Maçonaria não se demite de aprofundar
a relação dos homens com o divino, lutando para que isso os una e jamais os
divida, porque a Maçonaria quer libertar os homens das grilhetas e levar esses
mesmos homens a realizar a sua dimensão espiritual em total liberdade e no
pleno respeito pelas crenças alheias. O que nos une será o sentir o Universo, o
Todo, que nos contem e nos transporta, uma presença universal…Será possível uma
espiritualidade universal? É minha convicção profunda que sim, mais do que uma
espiritualidade clerical e redutora ou do que uma laicidade desprovida de
espiritualidade!
Uma espiritualidade universal…
Será uma espiritualidade da imanência, mais do que da transcendência, da
meditação mais do que da oração, da unidade mais do que do encontro, da
lealdade mais do que da fé, do amor mais do que da esperança, e que será
igualmente motivadora de uma mística, ou seja, de uma experiência da
eternidade, da plenitude, da simplicidade, da unidade, do silêncio…
É a essa espiritualidade
universal que ouso chamar Espiritualidade Maçônica. Mas antes de a procurar
definir, poderei por ventura afirmar que é apenas no trabalho maçônico que ela
poderá ser verdadeiramente aprofundada. Não um conceito que se aprenda nos
livros, tem de se sentir e de se viver, fruto de um percurso iniciático.
No entanto, a Maçonaria não
revela nenhuma verdade superior nem dá respostas cabais ás questões que
atormentam a nossa dimensão espiritual. Pelo contrário, convida os II.’. a
procurarem saber quem são, conhecerem-se a si mesmos, com o intuito de se
cumprirem, o que é profundamente diferente, colocando-os na via dessa procura e
dessa realização, situando-se aqui o verdadeiro significado da iniciação, o
primeiro passo de um caminho a percorrer e trabalho para fazer na construção do
nosso templo interior.
Assim, a tolerância
apresenta-se como uma das principais virtudes da Maçonaria e do maçon. Trata-se
de uma atitude interior que repousa no respeito pela individualidade espiritual
do candidato, pela liberdade de pensamento e pelo percurso intelectual e espiritual
que cada maçom depois de iniciado escolhe para si. É neste pressuposto que
assenta a minha afirmação de que a Espiritualidade Maçônica é uma
Espiritualidade Livre: ao sugerir um caminho individual para a relação com o
divino, constrói também um percurso libertador, é um processo livre. Para isso
ser possível, precisa no seu seio de homens diferentes dos demais.
O nosso trabalho hoje ao
escolher esses homens, é com a convicção plena de que hoje se podem encontrar
em qualquer proveniência, podem ter estado ao nosso lado toda a vida, serem os
nossos amigos de infância, familiares ou colegas de profissão, como podem estar
por detrás de um e-mail manhoso sem rosto.
Temos é de estar certos de que
estão á altura do desafio, é de critério que vos falo, não de forma de ingresso
nem de sede de relação. Porque é lógico que apenas podemos indicar homens que
conhecemos minimamente e por isso têm de vir das nossas relações pessoais,
todos temos porém pessoas de quem gostamos muito que sabemos não terem os
requisitos mínimos para poderem ser iniciados, por mais que de disso
gostássemos, fosse porque razão fosse. O critério é tudo.
É tudo porque a eles vão ser
exigidos sacrifícios, de tempo para dedicar ao trabalho, para comparecer ás
sessões, para se despojarem de títulos e posições, para se disporem a aprender,
a aceitar criticas quando para isso não estão preparados e cuja propriedade da
origem questionam, a aguentar ouvir aquilo que não entendem sem julgar, a
sentir que fazem parte de algo maior e viver com essa avassaladora
responsabilidade sem ser esmagado, quando finalmente se torna clara a missão a
que se propuseram.
Por mais capaz que qualquer um
seja, tem um percurso a fazer, para poder identificar ferramentas, e então
dedicar-se ao trabalho. Uma L.’. é uma elite dentro de uma comunidade, coisa
que facilmente assumimos sem complexos nem soberba.
Entre nós deverão estar os
mais capazes nas suas áreas de intervenção, que podem ser profissionais ou não,
têm apenas de ser úteis ao projeto, estar dispostos a aprender e a ensinar
partilhando. Ser maçom é uma vivência, uma forma de estar na vida e perante a
vida, onde a Honra, a Ética Moral, o sentido de missão, o espírito cavalheiresco
das suas ações, fruto da Responsabilidade de se ser e sentir Diferente, assumem
um aspecto fundamental.
Não somos com certeza homens
plenos de virtudes, todos temos as nossas arestas para desbastar. E este é o
local para o fazer, depois de responder ao chamamento e livremente bater á
porta do Templo, para servir o Desígnio. Com a orientação de todos os obreiros,
tornar ferramentas capazes em ferramentas melhores. Porque somos ferramentas de
trabalho, somos os que cumprem e efetivam o Desígnio, como outros o fizeram
antes de nós.
Os desígnios dignos desse nome
sempre tiveram um cunho marcadamente iniciático, porque não se prendem com objetivos
de pedra, betão ou madeira, mas com a realização dos sonhos, sendo perpetuados
no tempo indefinidos enquanto matéria, mas muito claros quando conceptualizados
por homens que se dispuseram a um processo de transformação e crescimento como
o nosso, essa ideia indizível transmite-se pela iniciação, pelos rituais, pela
via iniciática. E para isso, a dimensão espiritual do homem têm de ser a sua
consciência maior, aquilo que lhe rege as ações e circunscreve as paixões e os
sonhos á luz das suas capacidades e talentos.
E neste trabalho não há espaço
para paternalismos com os menos capazes e aptos, para soberbas profanas ou para
alimentar egos com comendas. Não se faz parte da Maçonaria, não se pertence á
Maçonaria, é-se maçon. Da sua relação com a L.’. e da sua condição de maçom só
o individuo pode ser responsável, se não se sente capaz ou a tarefa assusta,
mais vale arrepiar caminho. Sem jamais hipotecar a solidariedade inerente á
fraternidade leal, todos temos momentos menos bons e felizes e para isso cá
estamos todos e nessa altura dizemos presente.
Não estamos é aqui para tomar conta de
ninguém, proporcionar benefícios ou oferecer a salvação, estamos aqui para
trabalhar, o nosso tempo é curto e o trabalho imenso. A pujança e força que a
R.’.L.’. Alengarbe demonstrou no último ano, ao iniciar os cinco candidatos que
submetemos ás provas, é a prova de que se consegue crescer sem hipotecar este
critério. Para que nos cumpramos á luz do que aqui nos trouxe, temos de ser objetivos,
sob pena de se esvaziar o sentido da Ordem Maçônica e o trabalho ficar por
fazer, comprometendo o Desígnio.
Reconhecendo os méritos e as virtudes dos
nossos II.’., não potenciando e exacerbando os seus defeitos, que desses não
precisamos, usando o fole com cautela na forja para que a ferramenta que lá se
aperfeiçoa não enfraqueça por falta de atenção ou derreta por excesso dela.
Desbastando a pedra em bruto, com a lealdade que a critica exige, com a
fraternidade que o sacrifício cultiva, com a generosidade a que partilhar o
desígnio não é alheia, com o reconhecimento da força e inteligência para o
fazer cumprir. Dessa partilha nasce a riqueza da Irmandade, do respeito pelo
trabalho e pela forma como é executado. Não sendo santos nem isentos de
virtude, temos todos consciência do Desígnio.
Assumamos o objetivo que aqui
nos trouxe e não deixemos que nada perturbe a caminhada para a realização desse
mesmo Desígnio, que não assume forma material, mas é apenas uma ideia que todos
partilhamos…
Uma ideia de Homem e de Mundo.
(*)Irmão José Eduardo Sousa, M.M.
R.L. Alengarbe nº24
Grande Loja Legal de Portugal
Fonte: http://www.freemasons-freemasonry.com/
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