Por
Ven.’. Ir.’. Willian Almeida de Carvalho
A
tradição judaica não é dominada por muitos escritores maçônicos que, por isto
mesmo, cometem muitos pecados de interpretação no tocante a sua influência na
maçonaria. Antes de apontar a influência judaica na maçonaria seria
interessante fixar alguns traços da cultura judaica, comumente desprezados,
para não se incorrer em erros lamentáveis. Veja-se, por exemplo, as colunas do
Templo de Salomão que estão citadas em Reis I, 7, 21: “Ergueu as colunas diante
do pórtico do santuário; ergueu a coluna do lado direito, à qual deu o nome de
Jaquin; ergueu a coluna da esquerda e chamou-a Boaz”. Quando se pergunta a um
professor de hebraico o que significa BOAZ, ele discorrerá sobre o significado
e a tradução desta palavra. Se perguntarmos, ao mesmo professor, o que significa
BOOZ, muito empregada pelos maçons franceses e repetida pelos brasileiros e que
é uma corrupção de BOAZ, ele não saberá, obviamente, o significado da palavra,
pois ela não tem nada a ver com o hebraico. Quanta discussão inútil se evitaria
se se pudesse resolver a questão filologicamente.
Os
caracteres da escrita hebraica não possuem vogais. Normalmente são substituídos
por sinais (massoréticos) que agem como vogais. Assim se um judeu religioso
escrevesse o nome de Deus em hebraico no alfabeto ocidental soaria algo como:
D--s ou N-ss- S-nh-r, tomando todo o cuidado para não tomar o santo
nome em vão. Os judeus pronunciam o nome de Deus de várias maneiras: El, Eloim,
El Shadai, Adonai etc. Contudo, o nome inefável de Deus [desnecessário
dizer que o hebraico se lê da direita para a esquerda] raríssimamente é grafado
(quando o é, normalmente para uso em pesquisa etimológica sobre a origem do
Nome) ou pronunciado (sendo nestas pouquíssimas vezes, não é propriamente
pronunciando e sim soletrado com as letras hebraicas: iod, hei, vav e hei). Em inglês,
o nome inefável é transliterado como YHVH (Javé em Português como se verá a
seguir). Os estudiosos cristãos ensinam que os judeus adoram Deus com um nome
relacionado com a letra W. Tal fato se deve a dominação que os alemães
exerceram no campo teológico nos últimos duzentos anos. O W em alemão é
pronunciando como o V em português e inglês e o vav em hebraico. Os alemães
também grafam como J onde encontram o iod hebreu ou o Y em inglês (tal letra
inexiste no alfabeto português) quando ele ocorre. Assim YHVH apareceria como
JHWH. A Bíblia de Jerusalém grafa como Javé e/ou Iahweh.
A
tradição judaica afirma que a atual pronúncia do Nome é um segredo para sempre
perdido desde a destruição do Templo e é considerado impróprio tentar
pronunciar o Nome. Quando o Nome ocorre em caracteres hebraicos deve ser usada
uma palavra substituta, ou seja Adonai.
Outro
traço importante na cultura religiosa hebraica é o termo Bíblia. Claro que
Bíblia é o têrmo português para a palavra hebraica Tanach. Tanach ou Tanack é
um acrônimo construído pelas três seções da Bíblia: a Torah, ou seja a Lei, o
Nevi’im, ou seja os Profetas e o Kesuvim ou Ketuvim, ou seja os Escritos ou os
Hagiógrafos. Na versão moderna, constituem os 39 livros (considerando-se Samuel
I e II e Reis I e II como livros separados) da Escritura Hebraica que,
obviamente, os judeus não chamam de Velho Testamento. Aquilo que os cristãos
chamam de Velho Testamento e Novo Testamento, os judeus chamam de Escritura
Hebraica e Escritura Cristã. O cânon hebraico difere do cânon cristão por
desconsiderar os livros escritos em grego e os suplementos gregos de Ester e
Daniel. Para uma breve recordação, o cânon hebraico lista os seguintes livros:
Pentateuco: 1- Gênesis, 2- Êxodo, 3- Levítico, 4- Números, 5-
Deuteronômio;
Profetas: [anteriores] 6- Josué, 7- Juízes, 8- Samuel (I e
II), 9- Reis (I e II), [posteriores]10- Isaías, 11- Jeremias, 12- Ezequiel, 13-
‘Os Doze’ profetas, na ordem retomada pela Vulgata: Oséias, Joel, Amós, Abdias,
Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias;
Hagiógrafos: 14- Salmos, 15- Jó, 16- Provérbios, 17- Rute, 18-
Cântico dos Cânticos, 19- Eclesiastes (Coelet), 20- Lamentações, 21-Ester, 22-
Daniel, 23- Esdras, 24- Neemias e 25- Crônicas.
Aqui
surge uma questão que agora poder ser respondida com maior conhecimento de
causa. Quando um candidato maçônico judeu presta um juramento, a Torah deve ser
posta no altar como Livro da Lei? Não. A Torah é somente uma parte da Bíblia
judaica. Colocar a Torah no altar seria o equivalente para os cristãos de se
colocar somente os quatro Evangelhos no altar, sem as Epístolas, o Apocalipse
etc. O Livro dos Profetas e os Hagiográfos assumem um importante papel na
adoração judaica e no entendimento da lei judaica. A Torah é a mais importante
seção da Bíblia, e é particularmente venerada, mas não é toda a Escritura.
Seria,
então, o caso de se colocar o Talmud no altar para os candidatos judeus? Aqui,
convém, esclarecer que o Talmud é um livro de interpretação legal. O Talmud
também ensina uma grande parte sobre o pensamento judeu e a crença religiosa,
mas ele não é a Sagrada Escritura. As obras de Santo Agostinho e de São Tomás
de Aquino desempenham o mesmo papel numa relação similar com a Bíblia dos cristãos,
contudo, também não são as Escrituras.
Surge
agora uma outra pergunta. Os judeus usam chapéu em Loja? Aqui convém distinguir
entre o chapéu propriamente dito e quipá (kipah), uma espécie de solidéu. O
solidéu (solis Deo = só a Deus) designa o pequeno barrete,
geralmente feito de fazenda mole e flexível, a qual se ajusta à cabeça, com que
os padres cobrem a coroa ou pouco mais e que deve ser tirado ante o sacrário. A
cobertura da cabeça é preconizada em diversos ritos maçônicos (apesar da
prática não ser uniforme) para os Mestres em qualquer Sessão, ou para todos os
Obreiros, ou apenas para os Mestres em Sessão do terceiro grau. Geralmente tal
cobertura é necessária e feita com o chapéu negro desabado, podendo-se todavia,
utilizar o solidéu (que é o quipá hebraico) em Sessões do terceiro grau ou de
Pompas Fúnebres. O judaísmo adota a prática oriental de cobrir a cabeça durante
as orações como um sinal de respeito, enquanto nos países ocidentais, a prática
é totalmente ao contrário: descobre-se a cabeça exatamente pela mesma razão.
Algumas Obediências Maçônicas decidiram que o quipá (iarmulque [yarmulke],
barrete, tiara, etc.) não é um chapéu no sentido maçônico, mas um elemento do
vestuário. O R\E\E\A\adota a opinião que o barrete do rito não deve ser
removido, por exemplo, durante a saudação da bandeira. Deve ser considerado,
também em maçonaria, o barrete frígio, que era um pequeno boné de feltro, de
forma cônica e com um pequeno rebordo, com o qual, na Antigüidade, o senhor
cobria a cabeça do escravo na cerimônia de libertação e que era tomado como
emblema de liberdade; graças a isso, ele é, em alguns ritos, um símbolo
maçônico, já que a maçonaria sempre foi libertária.
Uma
última distinção deve ser feita sobre o diferente uso do conceito fariseu entre
cristãos e judeus. O judaísmo moderno é farisaico no seu temperamento, mas os
judeus não usam a palavra como um sinônimo de “hipócrita”. É provável que este
último significado adveio de um conflito entre aqueles que escolheram seguir
Jesus e Paulo e aqueles que permaneceram com o cerne da fé judaica. Naquele
tempo, os fariseus dominavam o pensamento e a prática judaica e é melhor
denunciar o farisaísmo como um desvio do pensamento judeu do que denunciar os
judeus propriamente ditos, desde que os antigos cristãos almejavam converter os
judeus. Os fariseus e os saduceus eram os competidores primários no pensamento
e na prática religiosa dos judeus, embora houvesse outros grupos, como os
essênios, buscando oferecer idéias diferentes. Os saduceus eram o partido da
classe sacerdotal e mantinham a posição de que somente a Lei escrita deveria
ser seguida à risca. Os fariseus conseguiam fazer uma combinação mais flexível
entre a Lei escrita e a oral. Outra importante distinção era que os fariseus
afirmavam que uma pessoa não deveria pertencer necessariamente à classe
sacerdotal para bem cumprir os mandamentos e adorar a Deus. É esta última
diferença a mais importante no desenvolvimento do judaísmo na sua forma para os
últimos dois mil anos. Alguns autores fazem um símile entre este conflito e o
da Reforma protestante, quinze séculos depois.
Existem
traços comuns entre os rituais, símbolos e palavras maçônicos e judaicos. Um
dos landmarques judaicos é a crença num Deus que criou tudo na
nossa existência e que nos deu uma Lei para ser seguida, incluindo, ipso
facto, os preceitos morais de relacionamento humano. A crença em Deus, a
prece, a imortalidade da alma, a caridade, o agir respeitosamente entre os seus
semelhantes fazem parte integrante do ideário maçônico - pelo menos da
maçonaria teísta - como também do judaísmo, e por que não dizer de todas as
grandes religiões do mundo (o budismo seria um caso à parte).
O judaísmo
ensina que a Lei de Deus está contida na Torah, a parte principal da bíblia
judaica que contem os 5 primeiros livros de toda a Bíblia, como visto
anteriormente, ou seja o Pentateuco dos cristãos. A tradição judaica ensina que
a Torah é a eterna lei dada por Deus e é completa, nunca será mudada até mesmo
por Deus e, obviamente, nunca poderá ser alterada por qualquer mortal. Já aqui
surge, naturalmente, uma comparação com os landmarques maçônicos
que preceituam não estar no poder de qualquer homem-maçom ou corpo maçônico
fazer inovações na estrutura básica da maçonaria. Nos tempos modernos, ambas as
assertivas podem cheirar politicamente incorretas, apresentando um odor
dogmático que repulsa as mentes liberais e tolerantes no limiar do terceiro
milênio, mas convém salientar que isto se refere aos fundamentos que deverão
permanecer intocados e intocáveis. Tanto que um dos livros clássicos de Pike se
intitula Moral e Dogma. Assim, maçonaria e judaísmo, tais como os
padrões éticos das outras grandes religiões, ensinam que devemos nos
auto-disciplinar e manter nossas paixões em constante guarda. O disciplinamento
ritualístico, seja nas sinagogas, seja nas lojas maçônicas, auxilia a
desenvolver esta habilidade.
Outra
similitude poderá, também, ser encontrada na cerimônia da circuncisão e do Bar
Mitzvah. Logo após o nascimento de todo judeu homem, ele é circuncidado pelo
rabino, ou seja é feito o corte no prepúcio do pênis do bebê, numa cerimônia
familiar como um sinal ancestral de aliança entre Deus e o patriarca Abraão.
Treze anos depois, já adolescente, o mesmo judeu macho participa do Bar Mitzvah
que consiste em aprender a recitar preces e passagens bíblicas em hebraico e a
participar em rituais judaicos quando, enfim, adquire todos os direitos e
deveres do homem judeu. Todos os maçons já fizeram, aqui, a comparação com a
iniciação maçônica do profano e a exaltação ao grau de mestre quando se adquire
a plenitude maçônica...
No
tocante à liberdade individual, maçonaria e judaísmo emulam para ver quem
apresenta maior desempenho de respeito e apoio. Tal fato, contudo, não é
exclusivo dos dois, pois o cristianismo apresenta, também, considerações
profundas sobre o livre arbítrio, mas não é o caso de ser aqui discutido. O
judaísmo ensina que todo ser humano é capaz do bem e do mal e tenta ajudar o
fiel a usar o livre arbítrio para escolher o caminho eticamente correto. A
maçonaria ensina que aqueles que são moralmente capazes podem encontrar a “luz”
na maçonaria se eles desejarem isto por suas próprias vontades livres. Os
maçons franceses, principalmente os do Grande Oriente de França, chegaram ao
ponto de colocar como um dos seus lemas a liberdade absoluta de pensamento. O
conceito de exercitar a vontade livre para aceitar a lei e a reparação pelas
transgressões passadas é o que preconiza o Rosh Hashanah e o Yom Kippur. Os
judeus acreditam que dez dias no início do novo ano judeu devem ser usados para
reparar os pecados passados e buscar a resolução firme de evitar o pecado no
futuro. De modo análogo, a maçonaria ensina que todo homem deve lutar para
crescer moralmente e livrar-se de todo preconceito. Não é à toa que a disputa
entre a maçonaria francesa e a inglesa se dá entre a liberdade absoluta de
pensamento, preconizada pelos franceses, contra o teísmo inglês que forçou a
própria reformulação da Constituição de Anderson, quinze anos após a sua
promulgação.
A luz é
um importante símbolo tanto no judaísmo como na maçonaria. “Pois o preceito é
uma lâmpada, e a instrução é uma luz”, Prov. 6, 23. Um dos grandes feriados
judaicos é o Chanukah, ou seja o Festival das Luzes, comemorando a vitória do
povo de Israel sobre aqueles que tinham feito da prática da religião um crime
punível pela morte ali pelo ano 165 a. E. V. (Os judeus substituem o antes de
Cristo e o depois de Cristo pelo antes e depois da Era Vulgar). A Luz é um dos
mais densos símbolos na maçonaria, pois representa (para os maçons de linha
inglesa) o espírito divino, a liberdade religiosa, designando (para os maçons
de linha francesa) a ilustração, o esclarecimento, o que esclarece o espírito,
a claridade intelectual. A Luz, para o maçom, não é a material, mas a do intelecto,
da razão, é a meta máxima do iniciado maçom, que, vindo das trevas do Ocidente,
caminha em direção ao Oriente, onde reina o Sol. Castellani diz que graças a
essa busca da Verdade, do Conhecimento e da Razão é que os maçons
autodenominam-se Filhos da Luz; e talvez não tenha sido por acaso
que a Maçonaria, em sua forma atual, a dos Aceitos, nasceu no “Século das
Luzes”, o século XVIII.
Outro
símbolo compartilhado é o tão decantado Templo de Salomão. Figura como uma
parte central na religião judaica, não só, por ser o rei Salomão uma das
maiores figuras do panteão de Israel, como o Templo representar o zênite da
religião judaica. Na maçonaria, juntou-se a figura de Salomão, à da construção
do Templo, pois os maçons são, simbolicamente, antes de tudo, construtores,
pedreiros, geómetras e arquitetos. Os rituais maçônicos estão prenhes de lendas
sobre a construção do Templo de Salomão. Para os maçons existem três Salomões:
o Salomão maçônico, o bíblico e o histórico.
Outro
traço cultural comum é a obediência para com a autoridade. Max Weber propôs
três tipos de autoridade: a tradicional, a carismática e a racional-legal. A
primeira adstrita às sociedades antigas, a segunda referente aos surtos de
carisma que a humanidade vive de tempos em tempos e a terceira, apanágio da
modernidade. A tradição judaica ensina uma obediência respeitosa para com os
pais e os rabinos. A maçonaria ensina, desde a Constituição de Anderson de
1723, o respeito para com a autoridade legitimamente constituída. (Este
preceito é cristalino na maçonaria de cunho anglo-saxão, já os latinos, no
embate contra o trono e a cruz...).
Como
último aspecto comum, têm-se os esforços positivos na maçonaria e no judaísmo
para encorajar o aprendizado. A cultura judaica tem uma larga tradição de
impulsionar o maior número de judeus a se notabilizar pelo conhecimento nas
artes, na literatura, na ciência, na tecnologia, nas profissões em geral.
Durante séculos, os judeus têm-se destacado nos diversos campos do conhecimento
humano e o seu empenho em melhorar suas escolas e seus centros de ensino
demonstram cabalmente isto. Digno de notar-se é que as famosas escolas
talmúdicas - as yeshivas vem do verbo lashevet, ou
seja sentar-se. Deste modo para aprender é necessário sentar-se nos bancos
escolares. Assim, também, na maçonaria, nota-se uma preocupação constante, cada
vez maior, com o desenvolvimento intelectual dos seus epígonos, no fundo, não
só como um meio de melhorar a sua escola de fraternidade e civismo como também
para perpetuar os seus ideais e permanecer como uma das mais ricas tradições do
mundo moderno.
Fonte: http://www.freemasons-freemasonry.com
Fonte: http://www.freemasons-freemasonry.com
RECEBA NOSSA NEWSLETTER
DOAÇÃO
1 Comentários
muito boa explicação, serve para nortear os nossos pensamentos!!!
ResponderExcluir