Texto
do Ir\Tales de Azevedo
Os
pilares filosóficos e progressistas da maçonaria fizeram com que, durante os
séculos, esta se aproximasse por demais dos grandes movimentos sociais que
alteraram os rumos da história.
Se
essa aproximação, por vezes, não acontecia pela instituição em si, acontecia na
forma da preparação dos seus atores, oriundos desta ordem.
Em
diversos processos de independências, de diferentes países, maçons de
diferentes grupos contribuíram em maior ou menor grau para a realização do
processo, da forma mais acertada o possível. Algumas vezes haviam disputas
entre os irmãos sobre o modo de operação ao qual o processo deveria ocorre
(vide o caso brasileiro, na disputa entre os grupos de Bonifácio e de Gonçalves
Ledo). Essas contendas entretanto, serviram mais para balizar o caráter plural
e progressista da ordem do que para mostrar uma falha entre seus membros.
É
certo que poucas vezes a instituição maçônica soube se desdobrar de uma maneira
tão complexa e articulada como a que ocorreu na última década do século XIX,
nas Filipinas. Na época, esse país se encontrava em um processo de assentamento
de uma cultura e identidade nacional, assim como vivia sobre ação de diversos
grupos reformistas que buscavam melhores condições nas relações coloniais com a
Espanha, país colonizador das ilhas.
Alguns
anos antes, as autoridades espanholas observavam com receio um movimento
iniciado por um jovem, chamado José Protasio Rizal Mercado y Alonso Realonda.
Formado em medicina na Espanha, José Rizal trabalhava exaustivamente nas
Filipinas, não apenas no exercício de sua profissão de salvar vidas, mas também
como um missionário à frente da difícil tarefa de formar uma identidade para o
povo Filipino.
Antes
da chegada dos espanhóis, as Filipinas nada mais eram do que um aglomerado de
mais de 7000 ilhas, divididas em diversos reinos e povos. A união sob uma única
bandeira era artificial, criada pelo dominador europeu. Nem mesmo a língua se
fazia como um elo comum, pois o espanhol era pouco falado entre os populares,
que se utilizavam de diversos dialetos existentes nas ilhas. Dentro do regime
colonial não havia o indivíduo “filipino”, apenas o “índio”, cidadão de segunda
categoria.
As
práticas coloniais eram de constante degradação para com o “índio”. Dentre as
leis publicadas nos códigos das ilhas, haviam aquelas que obrigavam ao “índio”
a retirar o seu chapéu toda a vez que cruzasse com um espanhol na rua. Da mesma
maneira, era terminantemente proibido ao “índio” se sentar na mesma mesa que um
europeu, ainda que seja dentro de sua propriedade. No mais, todos os nomes e
sobrenomes precisavam ser escolhidos dentro de uma códex elaborado pelo
governador, não sendo de livre escolha do indivíduo.
Rizal
procurou criar, através de obras artísticas, comícios, jornais, criação de
centros sociais e culturais, o senso de coletividade entre todos as pessoas, de
modo a acabar com a ideia de inferioridade então existente. Sob as palavras de
Rizal, os populares deixavam de ser “índios” e passavam a ser “filipinos”.
Tal
o poder de suas palavras, que em 1892, ao fundar uma associação chamada “A Liga
Filipina”, o governador geral das ilhas ordenou que o mesmo fosse exilado
imediatamente. Tal busca de Rizal era reflexo do conhecimento por ele recebido
no seio da família maçônica. Sim, Rizal foi maçom, iniciado na Loja La
Solidariedad, em Madri, em 1890.
A
maçonaria como instituição, chegou as ilhas filipinas em 1856, com a fundação
da Loja La Primera Luz Filipina, filiada ao Grande Oriente Lusitano. Com o
passar dos anos, novas lojas foram criadas, dentre as principais Balagtas nr
149, Taliba nr 165, Pilar nr 203 e Bagong Buhay nr 291. Essas, porém optaram
por se filiar ao Grande Oriente Espanhol.
Anos
ainda haveriam de se passar, antes que fosse fundado um Grande Oriente nas
Filipinas. De qualquer maneira, a escolha pelo Grande Oriente Espanhol, ao
invés do Lusitano, se devia principalmente à questões tanto do sistema
colonial, quanto ao fato de a presença de maçons filipinos na Espanha era
comum; inclusive haviam lojas exclusivas de filipinos, sendo as principais as
lojas Revolucion, em Barcelona, e La Solidaridad, em Madri.
A
expulsão de Rizal ocorreu então no dia 7 de julho de 1892. Naquela mesma noite,
alguns homens, entre eles Andres Bonifacio, Valentim Diaz, Teodoro Plata e
Ladislao Diwa, se reuniram em uma casa na avenida Claro M Recto, para dar
início a uma audaciosa organização, que tinha por objetivo livrar as ilhas do
laço colonial. Essa associação recebeu o nome de Kataastaasan Kagalang-galang
na Katipunan nang manga Anak nang Bayan, que significava Suprema e Venerável
Associação dos Filhos do Povo, mais comumente chamada de Katipunan, que
significava simplesmente Associação. Todos os homens reunidos na fundação do
Katipunan possuiam uma coisa em comum: todos eram maçons, pertencentes as lojas
existentes nas Filipinas, principalmente a Taliba.
Na
Espanha, muitos maçons de origem filipina, já haviam sido acusados de tramar
contra a coroa, principalmente os pertencentes a Loja Revolução – fato negado a
exaustão pelos irmãos desa oficina. De qualquer maneira, o governo desconfiado
obrigou o fechamento da loja alguns anos após sua fundação.
Assim,
para que os planos pudessem ser elaborados sem o risco de interferência pelo
governo, os fundadores optaram por manter a estrutura maçônica oculta dentro do
Katipunan, dividindo os associados em 3 graus, que se reuniriam em grupos,
subordinados a um órgão chamado Supremo Conselho do Katipunan, ou Kataastaasang
Sanggunian.
O
ingresso de novos membros ao Katipunan ocorria por indicação de um dos
associados. Após sindicância, o iniciado passava por um ritual, baseado nos
ritos de iniciação maçônicos. Estando ao final apto, este então recebia o
primeiro grau da associação, chamado Katipon. Os associados a esse grau
utilizavam um capuz negro nas reuniões, com um triângulo branco que trazia as
letras Z. Ll. B.. O Katipunan se utilizava de um alfabeto próprio, criado para
impedir que estranhos tivessem acesso aos documentos do Katipunan. Assim, tais
letras convertidas para o Alfabeto latino eram iguais a A ng. B, que eram a
sigra de Anak ng Bayan, ou Filho do Povo, que era por sua vez a palavra passe
desse grau.
Ao
ser admitido no segundo grau do Katipunan, o associado recebia o título de
Kawal, ou soldado, passando então a utilizar um capuz verde, que trazia um
triângulo de linhas brancas, com as letras Z, Ll. B. Em cada um dos vértices. O
Kawal também portava uma fita no pescoço, com uma medalha, que trazia
encrustado a letra K, no antigo alfabeto tagalog, posto à frente de uma espada
cruzada com uma bandeira. A palavra passe desse grau era Gom-Bur-Za, que era
uma abreviação para Gomez, Burgos e Zamora, homens que haviam sido executados
anos antes pela coroa espanhola, ao lutar nos primeiros movimentos pela
independência.
O
último grau recebia o nome de Bayani, ou patriota. O associado desse grau usava
um capuz vermelho, com faixas de cor vermelha, simbolizando a coragem e a
esperança. A parte frontal da máscara possuía bordas brancas, que formavam um
triângulo com a letra K preenchendo o mesmo, tendo Z Ll B como base, formando o
seguinte desenho. A palavra passe desse grau era Rizal.
Havia
um único toque no Katipunan, utilizado para quando os membros se encontravam em
locais públicos. Ele era feito pondo a mão direita sobre o peito, para em
seguida se apertar as mãos, pressionando a base do polegar com um dos dedos.
O
Supremo Conselho havia ditado 10 leis, aos quais todos os membros do Katipunan
deveriam obrigatoriamente seguir. Essas leis expunham principios como amar a
Deus, a terra e a fraternidade entre os irmãos; guardar segredo sobre o KKK
(uma das siglas utilizadas pelo Katipunan) e manter constante alerta sobre sua
responsabilidade pessoal.
Além
das regras, havia uma cartilha com 13 itens, com virtudes ao qual todo membro
do Katipunan deveria trabalhar para disseminar entre o povo. Essa cartilha
pregava lições para evitar o preconceito e a discriminação entre homens e
mulheres da sociedade filipina, assim como a valorização do país e da luta ao
qual o Katipunan se punha a lutar.
A
bandeira do associação trazia o Sol, juntamente com o olho que tudo vê. Anos
mais tarde, durante a confecção da bandeira do estado filipino, a bandeira do
Katipunan viria a servir como base. Embora o olho tenha sido retirado, a o sol
foi mantido, estando até hoje no símbolo máximo daquele país.
Um
detalhe curioso, é que no século XIX, a existência de lojas maçônicas mistas
era comumente aceito pelo Grande Oriente Espanhol. Muitas mulheres espanholas e
filipinas, como Romualda Lanuza, Josefa Rizal, Marina Dizon, Sixta Fajardo
entre outras, chegaram a ser iniciadas em Lojas regulares. Como tradicionalmente,
as antigas sociedades das ilhas, não distinguiam cargos e poderes entre os
sexos, nada mais natural que o Katipunan acabasse por se tornar uma sociedade
mista.
Durante
alguns anos, o Katipunan agiu em segredo, promovendo valoroso golpes contra a
coroa espanhola. Sua decadência ocorreu em 1896, quando uma das associadas,
Honoria Potiño, falhou ao guardar seu segredo, deixando que seu irmão Teodoro
descobrisse sobre a sociedade. Este então denunciou a mesma ao governador
geral, que passou a agir rapidamente contra o Katipunan.
A
coroa passou então a atacar os cabeças da sociedade. O próprio Rizal foi feito
prisioneiro e trazido de volta das Filipinas para ser executado. Diante desse
cenário, os membros do Katipunan passaram então a trabalhar executar o mais
rápido possível todos os planos que haviam sido arquitetados durante os anos
anteriores.
A
estrutura da sociedade estava tão bem assentada, que mesmo com a morte de
diversos líderes, os planos continuavam a transcorrer normalmente, trazendo
muitos problemas para o governo espanhol – que nessa época se encontrava em
guerra contra os Estados Unidos, devido a existência das colônias espanholas na
América. Assim em 1898, a Espanha, após sucessivas baixas contra o Katipunan,
se deu por vencida e abandonou as Filipinas. O povo, e os antigos membros da
sociedade puderam então respirar aliviados por alguns meses. Ficou ao cargo do
general Emilio Agnaldo, a tarefa de organizar a administração do país, agora
livre as amarras espanholas. Agnaldo também era maçom, membro da loja Pila nr
203.
Infelizmente
aqueles meses de paz não durariam muito tempo. Ao final daquele ano, antes que
o novo governo pudesse vir a trabalhar em busca de reconhecimento internacional
da sua independência, os Estados Unidos invadiram as ilhas, tomando-as como
espólio da guerra contra a Espanha. Começaria então uma nova guerra, que se
prolongaria até 1906, com a derrota dos nativos, e o assentamento das Filipinas
enquanto protetorado americano. Em 1908, um outro maçom Manuel Quezon, da loja
Sinukuan nr 272, se destacaria no meio político nacional, se tornando um ícone
nas relações entre Estados Unidos e Filipinas, em um processo que resultaria na
independência total do país ao fim da Segunda Guerra Mundial.
Referência
Bibliográfica
History
Of The Filipino People. Teodoro A Agoncillo
Understading
The Filipino. Tomas
Andres e Pilas Ilada.
Filipino
Martial Culture. Mark Wiley
Endereços
na Internet
A
Formação da Nação Filipina
http://www.cavtemplarios.com.br/livro4.htm
Filipino
Masons.
http://filipinomasons.blogspot.com/2007_08_01_archive.html
Famous
Filipino Masons.
http://www.glphils.org/famous-masons
The
Legacy Of Freemasons In the Phillipines History.
http://www.pinoyfraternity.com/index.php?showtopic=926
Fonte: http://www.deldebbio.com.br/
Publicado
originalmente em:
http://kali-rio.blogspot.com:80/2011/06/katipunam-maconaria-e-revolucao.html
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