Os
doze trabalhos a que Hércules foi submetido, pela ordem, são os seguintes:
1- Destruir o leão
de Neméia
Esse
primeiro trabalho de Hercules simboliza a coragem e a sagacidade que o homem
deve ter para vencer dificuldades que, a principio, parecem insuperáveis. Os
gregos antigos encareciam tais virtudes em suas iniciações. Nada devia parecer
impossível a um verdadeiro homem, nenhuma dificuldade era insuperável, e a
falta de recursos não podia ser invocada como desculpa para que ele não
lutasse. Por isso os gregos superaram as próprias condições geográficas de sua
terra, reconhecidamente pobre, e criaram as bases do mundo moderno.
As
lutas para superar os nossos vícios, nossas paixões, que são os monstros que
devoram nossas virtudes, devem ser travadas sem quartel. Mesmo que a vitória
pareça improvável, nunca devemos desistir de lutar, como Hércules na lenda
grega, ou o Quixote, no genial conto de Cervantes. E depois de vitoriosos, são
as memórias dessas lutas que nos tornam cada vez mais fortes para superarmos as
novas dificuldades que surgirão. Porque a luta pelo aprimoramento moral e
espiritual do homem deve ser continua.
2- A hidra de Lerna
A
segunda tarefa de Hércules foi a destruição da Hidra de Lerna, monstro
horripilante, semelhante a uma serpente de várias cabeças, que, a cada vez que
uma delas era cortada, outra brotava imediatamente no lugar. Esse monstro
habitava num pântano fétido e sombrio, devorando todos aqueles que se
aventuravam a atravessá-lo.
O
simbolismo da Hidra de Lerna é particularmente interessante, e tem muito a ver
com a prática da Arte Real. Desde os primeiros graus da Maçonaria Azul, nas
Lojas simbólicas, afirma-se que o propósito do maçom ao freqüentar uma Loja é
submeter suas paixões e cavar masmorras aos vicios. E todo o desenvolvimento da
cadeia iniciática da Ordem jamais deixa de salientar que é esse o objetivo da
iniciação maçônica.
Ora, o simbolismo da hidra é exatamente esse.
O monstro, habitante de um pântano medonho, é possuidor de diversas cabeças
indestrutíveis, que simbolizam os diversos vícios que se propagam pelo corpo e
pela mente humana e não podem ser destruídos individualmente, pois a cada vez
que um deles é cortado, outro surge em seu lugar.
Para liquidar o monstro, Hércules usa uma
estratégia que revela, também, profundos ensinamentos iniciáticos. Ele vai
cortando as cabeças dele com a espada e, ao mesmo tempo, cauteriza as feridas
com fogo para que elas não possam renascer novamente. A espada é a arma que
simboliza o combate espiritual, razão porque a Maçonaria a utiliza em todos
seus rituais. O fogo, que representa a purificação, é o elemento que impede que
o vicio, uma vez extirpado, retorne.
Por isso toda iniciação sempre evoca uma
passagem pelo fogo para fins de purificação. São João Batista, ao se referir ao
ministério de Jesus, diz que “Ele vos batizará com o Espírito Santo, e com
fogo” o que significa que a purificação definitiva deve ser feita por esse
elemento. Isso quer dizer que não basta “extirpar “ o vício; é preciso também
cauterizar o ferimento que ele provocou no psiquismo do homem, para que ele não
retorne como a cabeça da Hidra de Lerna.
3- O javali de
Erimanto
Na Arcádia, região pastoril da antiga Grécia,
famosa por suas bucólicas paisagens, havia um monstruoso javali, que Hércules
deveria capturar vivo e trazer ao rei de Argos. Essa criatura fantástica
assustava os pastores e destruía suas florestas, pois nutria-se das glandes dos
carvalhos, impedindo sua reprodução.
O
simbolismo dessa tarefa é bastante apropriado á filosofia maçônica. O javali é
o símbolo do poder espiritual. Na tradição druida ele representa a força do
espírito, enquanto que o urso é o símbolo da força temporal. Na religião celta,
naturalista por excelência, cada animal representava uma espécie de
manifestação de força da natureza. Essa crença sobreviveu na tradição de muitos
povos, que adotaram como símbolos os mais diversos animais para representar
suas qualidades, como por exemplo, a Inglaterra com o leão, a Rússia com o
Urso, os Estados Unidos com a águia etc. O maçom deve procurar sempre submeter
suas paixões pelo constante progresso que faz nos ensinamentos da Maçonaria.
Essa, inclusive, é a resposta que ele dá ao trolhamento que lhe é feito por
ocasião de visitas a Lojas irmãs.
Perguntado sobre o que busca em sua visita a
determinada Loja, ele responde que “vem submeter suas paixões e fazer novos
progressos na Maçonaria”. É através do controle do próprio espírito que o maçom
se fortalece. Ele conquista o poder espiritual a que apenas um verdadeiro iniciado
pode aspirar.
4 – A corça de
Cerinia
Após
escalar mais um degrau na escala iniciática, pela conquista do poder
espiritual, Hércules foi encarregado pelo rei de Argos de capturar, viva, uma
das cinco corças de Cerinia, que vivia no monte Liceu. Eram animais sagrados
que tinham os pés de bronze e os chifres de ouro, rápidas e de grande porte.
Hércules perseguiu uma delas durante um ano, e finalmente conseguiu capturá-la.
Dois deuses, Apolo e Artemis tentaram tomar-lhe o troféu, mas Hercules não o
consentiu.
Ela
é, portanto, a sabedoria aliada á meiguice e á sensibilidade, virtudes
imprescindíveis naqueles que buscam a realização de uma espiritualidade de
nível superior.
5- As aves do Lago
de Estinfalo
Numa floresta escura ás margens do lago
Estinfalo, situada na região da Arcádia, viviam certas aves de porte
gigantesco, que viviam devastando as plantações e matando as pessoas com os
dardos envenenados que faziam de suas penas. Como se escondiam nos recantos
mais escuros da floresta, era difícil desalojá-las de seus esconderijos.
Hércules pediu ajuda á deusa Atena e esta mandou o demônio Hefesto fundir-lhes
umas castanholas de bronze que provocavam um barulho ensurdecedor. Dessa forma,
Hércules fez com que as aves deixassem os esconderijos e pode matá-las com
flechas envenenadas com sangue da Hidra de Lerna.
A interpretação mais corrente desse mito
iniciático é a que as aves do Lago Estinfalo são os desejos múltiplos e
perversos que saem do inconsciente, para tentar evitar que o iniciado continue
seu caminho na busca da iluminação. Delas diz o mito grego que seu vôo
obscurecia o sol. E é exatamente isso que os desejos profanos fazem. Se não
adequadamente combatidos, toldam a luz que guia o homem na sua jornada para o
aprimoramento espiritual.
6- Os estábulos do
Rei Algias.
O rei Algias era o rico monarca de Elis, uma
cidade no Peloponeso. Possuía um grande rebanho de animais, que guardava em
imensos estábulos. Como não os mandava limpar a trinta anos, o acúmulo de
estrume exalava fedor e pestilência por toda a região, despertando a ira dos
reinos vizinhos. Eristeu ordenou a Hércules que limpasse os estábulos do rei
Algias mesmo contra a vontade dele.
A interpretação simbólica mais comum desse
trabalho é que o acúmulo de maus pensamentos acaba por tornar a mente humana um
território fétido e pestilento, degenerando em doenças diversas que fazem do
individuo um estorvo e um constrangimento, não só para a família, mas também
para toda a sociedade. É preciso que a mente seja limpa e irrigada com “ água
pura” constantemente, para que não pereça numa situação semelhante aos
estábulos do Rei Algias. O rio é constante, perene, representa fertilidade,
regeneração e movimento. A mente humana deve ser como ele, não pode ficar estagnada.
Não devemos jamais deixar que nela se acumulem maus pensamentos, lembranças de
desejos não satisfeitos, inveja, ciúme, rancores, etc. Esses sentimentos são
estrumeira que devem ser lavados constantemente.
7- O touro de Creta
O sétimo trabalho de Hércules foi sua vitória
sobre o terrível touro de Creta. Esse animal fantástico tinha sido enfeitiçado
pelo Deus Possidon, para castigar o Rei Minos, de Creta, por este não ter
cumprido sua promessa de sacrifica-lo em sua homenagem.
O
touro simboliza a força e a violência que devem ser conquistadas pela razão e a
sabedoria. Muitas vezes os homens deixam de cumprir seus deveres e, em
conseqüência, atraem sobre si e a sociedade em que vivem, os males da violência
e do crime, que nada mais são que a pretendida realização das nossas
necessidades e desejos da forma mais vil. Essa alegoria nunca foi mais bem
empregada do que nos dias atuais em que assistimos ao aumento da violência de
uma forma tal como nunca se viu antes. E tudo isso, na nossa opinião, é
motivado pelas péssimas condições sociais em que vive o nosso povo, cada vez
mais incapacitado de obter, por meios normais, as coisas que necessita para
viver. E assim, ao se encontrar cada dia mais pobre, e pressionado por uma
mídia que o incita ao consumo, parte ele para a violência, tentando obter, á
força, aquilo que não conseguiu através do trabalho honesto.
8 – As Éguas de Diomedes
Diomedes
era rei da Trácia. Possuía quatro éguas (Podarga, Lampona, Xanta e Dina), que
se alimentavam de carne humana. Eristeu encarregou Hércules de acabar com essa
prática selvagem e trazer as éguas para Argos.
Esse
mito simboliza o fato de que na vida humana há muita perversidade. Há homens que
devoram outros para satisfazerem seus instintos mais vis. Os perversos, quando
vencidos, morrem por si mesmos, destruídos pelos próprios inimigos que criou,
ou por outras feras iguais a eles. Mas nesse processo ocorre também a morte da
beleza, da inocência e da pureza simbolizadas pela rainha Alceste. O trabalho
do iniciado é resgatar desse tipo de “ morte” moral , as pessoas boas e puras
que são vítimas dessa perversidade.
9- O Cinturão da Rainha das Amazonas.
Hipólita,
rainha das temíveis guerreiras amazonas, ganhara do Deus Áries um cinturão
mágico que lhe conferia enorme poder. A filha do rei Euristeu, que também era
sacerdotisa da Deusa Hera, exigiu que Hércules obtivesse para ela o cinturão de
Hipólita.
São várias as interpretações desse trabalho de
Hércules, algumas das quais, inclusive, já renderam especulações da mais alta
envergadura intelectual. Na conclusão extremamente chauvinista de Paul Diel,
por exemplo, as “ amazonas são mulheres assassinas de homens”, ou seja, são o
tipo que buscam substitui-los em tudo, deles não necessitando para mais nada,
além do prazer sexual. A esse tipo de mulheres deve o herói oferecer combate,
pois representam a concupiscência que prejudica a evolução do espírito.(...)
Na
verdade, porém, o ensinamento iniciático que o cinto de Hipólita encerra é que
esse cinto é representativo de poder. Quer dizer que os gregos antigos
acreditavam que o poder da mulher era exclusivamente fundamentado na sua
capacidade de procriar e dar prazer sexual. O cinto é uma alegoria,
representativa da função sexual feminina. Conquistá-la, dominá-la, era condição
para que o iniciado pudesse prosseguir na escalada para o seu aprimoramento
espiritual, já que jamais poderia fazê-lo sem que sua descendência estivesse
garantida e sua satisfação sexual normalmente satisfeita. (...)
Nossa
tese é a de que esse trabalho de Hércules não pode ser interpretado, abstraindo
todas as aventuras que o herói viveu até obtê-lo e entregá-lo á sacerdotisa da
deusa Hera. Na verdade, além dos aspectos psicossociais, políticos e
iniciáticos apontados pelos autores acima citados, existem outros, de ordem
moral, sociológica e histórica nesse mito, que merecem ser comentados ainda que
de passagem. Quanto aos aspectos morais, no que importa aos ensinamentos do
grau, entendemos que ele evoca a prática de diversas virtudes, sem as quais nenhum
aprimoramento pessoal é possível. O primeiro, sem dúvida, está ligado ao
comportamento sexual do individuo. (....)
Não
existe vida humana sem atividade sexual, não há continuidade de existência sem
reprodução assexuada. O sexo não pode ser tratado, portanto, como mera
atividade lúdica, destinada simplesmente á obtenção de satisfação física. E
nesse sentido, a mulher que procura a dominação, que utiliza como arma para
aquisição de poder material, esse sagrado atributo que é a capacidade de
procriar, utiliza indevidamente uma faculdade que lhe foi dada pelo Criador.
Isso faz do sexo um elemento de discórdia na humanidade, quando deveria sê-lo
de união.
Essa
questão precisa bem entendida para que não inspire entendimentos equivocados. É
sabido que entre a elite da Grécia antiga, por exemplo, o homossexualismo era
um comportamento comum. Não temos elementos para comprovar nossa dedução, mas
acreditamos que a própria visão dos filósofos gregos a respeito das mulheres e
das questões sexuais justificam esse fato. Na verdade, como bem viu Bachofen,
as culturas que emergiram a partir da reorganização dos povos, ocorrida após o
Dilúvio, são conseqüências da vitória do patriarcado sobre o matriarcado. A
mulher, no inconsciente dos homens, a partir daí, sempre apareceu como uma
espécie de inimiga que é preciso manter sobre rigoroso domínio. Não só a
cultura grega, como também a própria cultura hebraica, nos dá uma mostra desse
preconceito irracional contra a mulher, a julgar pelas próprias crônicas
bíblicas.
A tese de Bachofen, por sua importância na
interpretação desse tema, justifica a síntese que nos propomos a fazer abaixo:
Bachofen,
interpretando o mito de Édipo, reconhece a supremacia feminina no processo
genealógico humano. Pelo fato de somente a mãe deter a certeza da origem de um
filho, num passado ainda não devidamente recenseado pelos historiadores, as
mulheres teriam exercido a supremacia social e familiar, sendo também
sacerdotisas e chefes militares. Foi, portanto, o primado do Matriarcado, cuja
memória ainda persistia na consciência dos povos quando a história começou a
ser escrita. É a partir dessa data que as divindades supremas começam a ser
representadas por figuras masculinas, o que coincide com o surgimento das
religiões monoteístas do Oriente e o começo da deificação dos heróis na Grécia.
Essa luta entre matriarcado e patriarcado transparece na composição para
diversos mitos gregos, como a luta de Hércules contra as amazonas, e é também,
o ponto central da famosa tragédia de Ésquilo, Oréstia. (....)
A
tese de Bachofen opõe claramente dois elementos culturais: matriarcado e
patriarcado. Mas releva também suas diferenças. Enquanto o matriarcado destaca
os laços de sangue, o vinculo do homem com a natureza, o saber intuitivo, uma
relação de fundo mais sentimental com o universo, o patriarcado impõe uma noção
de vida alicerçada na razão, na força, na dominação. É uma visão de conquista,
de superação do ambiente, em vez de cooperação e participação, de integração a
ele como elemento próprio e não como seu dominador.
Bachofen
conclui que a vitória do patriarcado instituiu também na cultura humana o
sentimento de diferenciação, de identificação e de qualificação, pois enquanto
o matriarcado considerava todos os homens iguais em virtude das mesmas
condições de nascimento, sem distinção de qualquer qualidade entre eles, o
patriarcado valorizou a autoridade, a diferença provada pela qualidade individual,
a hierarquia encimada pelos melhores. O amor materno não é somente mais terno
como também mais geral e universal... Seu principio é a universalidade,
enquanto o principio patriarcal é o das restrições... A idéia da fraternidade
universal do homem tem suas raízes no principio da maternidade, e justamente
essa idéia se desvanece com a formação da sociedade patriarcal. A família
patriarcal é um organismo fechado e limitado. A família matriarcal, pelo
contrário, possui aquele caráter universal com o qual se inicia toda evolução e
caracteriza a vida materna, em combinação com a espiritual imagem da Mãe-Terra,
Démeter. O ventre de toda mãe dará irmãos e irmãs ao ser humano, até que, com o
estabelecimento do principio patriarcal, essa unidade se dissolve e é
suplantada pelo principio da hierarquia. " (...)
Nas
sociedades matriarcais," diz ele, " esse princípio encontrou
expressões freqüentes e até mesmo formuladas legalmente. Ele é a base do
principio da liberdade e igualdade universais que constatamos ser um dos traços
básicos nas culturas matriarcais... A ausência de desarmonia interior, um anelo
pela paz...uma benevolência terna que ainda podemos ver na expressão facial de
estátuas egípcias que impregnam o mundo matriarcal... "(5)
A
análise de Bachofen comporta, como se vê, uma defesa apaixonada do matriarcado,
implicando numa valorização social e política da mulher, não só como
companheira e coadjuvante, como querem alguns intérpretes da Bíblia, mas sim,
como sócias majoritárias de um processo que envolve o surgimento, a manutenção
e o desenvolvimento da sociedade humana.
Para o catecismo maçônico, conforme
entendemos, essa visão tem profundas implicações morais. Conquistar o cinturão
de Hipólita implica, não na destruição do poder feminino, mas sim, na sua
sacralização A partir da valorização da família, o respeito á mulher e a sua
devida apreciação, como elemento mais importante do processo genético que
garante a vida da humanidade, se recompõe a justiça e se elimina um preconceito
comum, alimentado, inclusive em certos meios maçônicos, que vê a Fraternidade
dos Obreiros da Arte Real como um círculo de interesses exclusivamente
masculinos.
O
fato de a Maçonaria ser uma congregação essencialmente masculina tem raízes
históricas, derivadas principalmente de suas influências filosóficas
(herméticas), e militares (cavalarianas especialmente), mas não comportam
elementos de preconceito contra as mulheres. A Maçonaria não é apenas um
conjunto de irmãos que se reúnem num local chamado Loja. A Loja são os irmãos e
suas famílias, suas esposas, filhos e parentes. O homem está na mulher como a
mulher está no homem. Não há qualquer evolução possível em caminhos separados,
em divisões de virtudes específicas para um e outro sexo. Não cabe
exclusividade aos homens em relação á certos atributos, como força, segurança,
competência para comandar etc. nem as mulheres são mais capazes de desenvolver
o lado sutil do psiquismo humano. Ambos tem qualidades e atributos que se
completam na união dos sexos.
(....)
10- Os bois de
Gerião.
Gerião,
ou Gericom, era um gigante monstruoso, descendente de uma estirpe de monstros,
que incluia a famosa e terrível Medusa, que era sua avó. Sua aparência era
terrível. Possuía três troncos e três cabeças, que se bifurcavam logo acima dos
quadris. Era dono de um imenso rebanho de bois vermelhos, que eram guardados
por um pastor, também monstruoso, e um cão, da mesma espécie. Ele vivia numa
ilha muito distante, além do Imenso Oceano.
(....)
O
significado iniciático dessa tarefa tem a ver com a missão do filho do homem,
ou seja, a de resgatar, das mãos de um rei malvado, (que é o vicio), o rebanho
sagrado (que é a humanidade). Por isso ele é o filho da luz, aquele que foi
engendrado no seio da sua mãe virgem, sem o concurso de um pai terreno.
O
filho do homem, por ter sido engendrado sem o concurso de um pai terreno é
também o filho da viúva, já que teve que ser gerado pelo próprio Deus, pois que
Ele não encontrou na terra um único “ homem digno’ para dar descendência a esse
novo arquétipo. O homem digno, em consequência da queda, estava morto. Esse é
um dos significados do simbolismo contido no expressão "filho da
viúva," aplicada comumente aos maçons.
Essa
expressão era utilizada nas antigas iniciações nos Mistérios Egipcios. Filhos da Viúva eram todos aqueles que se
iniciavam naqueles mistérios, pois eram todos filhos de Ísis, a esposa viúva do
deus morto Osiris. Na tradição da Maçonaria, a expressão "Filhos da
Viúva" serve tanto para designar os Templários “órfãos” em relação á morte
de seu “pai” , o Grão-Mestre Jacques de Molay, quanto os partidários dos
Stuarts em relação á morte de seu rei Carlos I, decapitado pelo Parlamento. A
viúva daquele rei teria organizado a resistência, sendo a maioria dos seus
partidários constituídos de maçons.(7)
(....)
Filho
da Viúva é também Jesus Cristo, cujo pai, José, morreu quando ele era ainda uma
criança. Como Jesus consagrou Maria como Mãe de toda a Cristandade, os cristãos
são todos, filhos da viúva. Filhos da Viúva, também, de acordo com outros
autores, eram os filhos dos soldados cruzados que embarcavam para a Terra Santa
e lá morreram em defesa da fé.
Na
dura empreitada a que se entrega, quantos não são os trabalhos, os perigos que
tem que enfrentar o "filho da viúva"? Quantos não são os inimigos que
se precisa vencer, quantas não são as próprias perdas que contabiliza? O filho
do homem, (ou filho da viúva), é como o herói Hércules que sai da ilha de
Eritia com um rebanho inteiro e perde pelo caminho mais da metade..
11- O cão de duas
cabeças
Este é, talvez, uma das tarefas de maior valor
iniciático entre todos os trabalhos realizados por Hércules. Para realizá-la
ele teve, inclusive, que iniciar-se nos Mistérios de Elêusis para aprender a
entrar e sair com segurança do mundo dos mortos. Conta-se que Teseu, o herói de
Atenas, e que tantas aventuras viveu ao lado de Hercules, foi levado para o
Inferno (Hades), por conta de maquinações de seus inimigos e lá encarcerado
vivo. A Hércules coube o encargo de invadir o mundo dos mortos e libertar o
amigo. Guiado pelos deuses Hermes e Atena, o herói desceu ao Hades, enfrentando
A
simbologia desse trabalho tem, como já se disse, um alto valor iniciático. Em
primeiro lugar releva-se o fato de que o herói precisa iniciar-se nos Mistérios
de Elêusis para aprender “ a entrar e sair do mundo dos mortos”. Nessa prática
está resumida a mais profunda lição do ensinamento iniciático que é a catábase,
(a morte simbólica, a descida ao túmulo, a volta ao estado inicial de matéria
amorfa, o mergulho no subconsciente), e a anábase , que é a subida, a ascensão,
o vôo para a luz, a ressurreição, a aquisição de um estado superior de
consciência, o auto conhecimento, conforme expresso no Oráculo de Delfos, e que
se constitui na máxima que resume toda a filosofia: “ conhece-te a ti mesmo”.
Por
isso, a tarefa hercúlea, representada pela descida do herói aos infernos, para
ali recuperar seus amigos, ainda vivos, é bastante significativa. Esse é, efetivamente,
o trabalho do iniciado, o trabalho daquele que, através da prática iniciática,
encontrou o auto- conhecimento e aprendeu a entrar e sair do mundo da
inconsciência, onde medram todos os monstros, fantasmas e demônios, que
constantemente sobem á superfície para nos desviar de nossos caminhos.
É,
aliás, para isso que serve prática iniciática, e essa é também a função da
verdadeira fé. Os iniciados devem estar dispostos a arrostar mesmo os perigos
do inferno quando se tratar de socorrer, de resgatar seus irmãos que estiverem
lá acorrentados e que por suas próprias forças não conseguem se libertar. E não
pode temer os monstros que encontrará, os perigos que terá que enfrentar, nem
dificuldades que terá que superar. E, como o herói da lenda, muitas vezes terá
que conviver com a decepção de ter que devolver aos infernos os troféus que de
lá resgatou. É que o destino das pessoas e o controle dos acontecimentos não
está, na verdade, nas mãos dos homens, mas pertence unicamente ao Grande Arquiteto
do Universo. Mas, ainda assim, o herói, como o maçom, jamais poderá furtar-se
de cumprir sua missão, pois para isso foi escolhido, para isso foi submetido a
uma iniciação.
12- As maças douradas
do Jardim das Hespérides.
Os trabalhos de Hércules não podiam terminar
de ouro modo. Essa tarefa simboliza, na verdade, a apoteose final de toda
cadeia iniciática. Representa a aquisição do conhecimento, do símbolo da
ciência, da Gnose final, capaz de dar ao iniciado aquele estado superior de
consciência, que buscou desde o inicio quando iniciou a sua escalada, a sua
“subida pela Escada de Jacó”.
As
maçãs douradas do Jardim das Hespérides eram os frutos sagrados que Hera, a
esposa de Zeus, dele recebera por ocasião de suas núpcias. Ela os plantou num
jardim lá pelos lados do extremo ocidente, próximo do local onde o gigante
Atlas escorava a abóbada celeste em suas costas. (...)
Não
é preciso especular muito para se interpretar esse grandioso mito. Na verdade,
na simbologia comum da maioria dos povos, a sabedoria tem sido comparada a
frutos de ouro, guardados ciosamente pelos deuses. E os homens nunca deixaram
de cobiçá-los e tentar se apropriar deles. A própria Bíblia se utiliza desse
símbolo para dar a entender que o pecado que causou a queda do homem foi ao
fato do casal humano ter comido, indevidamente, o “ fruto do conhecimento do
bem e do mal” que Deus plantara no Jardim do Éden. Ora, a diferença entre os
mitos bíblico e grego é apenas de forma. Ambos, porém, simbolizam o desejo do
homem de adquirir a Gnose, ou seja, o conhecimento total das causas que
possibilitam a vida do universo, para que, de posse desse conhecimento, possa
controlar e administrar seus efeitos.
Esse,
entretanto, é um atributo que só é permitido aos deuses. Não obstante, o homem
enfrenta todas as adversidades, todos os perigos, enfrenta mesmo os próprios
deuses para obter essa sabedoria, mesmo que, após tê-la adquirido, não saiba o
que fazer com ela, como aconteceu com o rei Eristeu.
E
aqui que o mito aparece na sua mais profunda significação. Hércules lutou e
obteve os pomos dourados a mando de Euristeu, isto é, não por força de uma
predisposição de espírito dele mesmo, mas sim, em razão do desejo profano de
alguém que quis apropriar-se desse atributo sagrado apenas por concupiscência.
As
tradições iniciáticas estão cheias de conselhos sobre esse desejo insano de
apropriar-se desse fruto sagrado, que é a Gnose, o supremo conhecimento, apenas
pelo desejo de poder ou por simples curiosidade. Não se assalta o céu para
roubar o tesouro dos deuses. Esse tesouro só pode ser adquirido por quem sabe o
que fazer com ele. É ele é dado voluntariamente pelos deuses áqueles que dele se
fazem merecedores.
Hércules
obteve os pomos dourados e os entregou ao rei. Este não soube o que fazer com
ele por que deles não era merecedor. Por isso é que a Gnose não pode ser obtida
academicamente a partir de um curriculum de logias desenvolvidas didaticamente.
A Gnose é fruto de uma longa escalada iniciática. Esse é talvez, o grande erro
que a Maçonaria, como instituição, tem cometido ao longo dos séculos. É que,
para atender a objetivos simplesmente profanos, como o são os interesses políticos
e pessoais de seus membros, tem admitido em seus quadros pessoas não
qualificadas para perseguirem os objetivos da Ordem. Esses iniciados entram
para a Confraria, mas jamais alcançam, ainda que subam todos os graus da Escada
de Jacó, a verdadeira sabedoria.
Notas
(1)
André Michel de Ransay, nobre francês, maçom famoso,que no início do século
XIX, divulgou a maçonaria em vários países da Europa.
2-
Erich Fron- A Linguagem Esquecida - Ed. Pensamento.S.Paulo, 1987
3-
Idem,
4-
Idem
5-
Ibidem
6-
Gerard de Nerval, compositor Francês do século XIX
7-
Veja-se a nossa obra Conhecendo a Arte real, Ed. Madras, São Paulo, 2007
8-
Jean Palou- Maçonaria Simbólica e Iniciática, Ed Pensamento, São Paulo, 1984
(Resenha
extraida do livro CONSTRUTORES DO UNIVERSO
Por
Irmão João Anatalino
FONTE: RECANTO DAS LETRAS
2 Comentários
Meu irmão parabéns pelo texto, uma grande viagem no saber e no conhecimento filosófico.
ResponderExcluirExcelente texto. Próprio para ler, reler e ler novamente.
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