Por
Ir.’. João Anatalino
Simbologia
Maçonaria é
a arte que se propõe ensinar aos que nela se iniciam, a construção de um mundo
melhor para si mesmo e para seus semelhantes. Isso se dá através da aquisição
de um estado de consciência superior, que se pode chamar de espiritualidade. É
um processo de aprendizado que se faz em direção ao exterior do
ser, simbolizada pela construção de uma sociedade justa e perfeita, e na
direção do interior do ser, que se realiza pela aquisição de
um espírito livre, fraterno, leve, isento de preconceitos, ódios, temores e vícios
que impedem o homem de ser verdadeiramente feliz. Por isso ela se resume numa
metáfora muito citada na linguagem maçônica: “ erguer templos á virtude e cavar
masmorras ao vício.”
Esse processo é longo e exige máxima paciência, infinita tolerância e uma
confiança sempre crescente nas virtudes do grupo e nos ideais que ele persegue.
Simbolicamente,
fazer Maçonaria é como construir um edifício. Cada Irmão é, ao mesmo tempo, uma
pedra nesse edifício e um operário nesse canteiro de obras. Para o maçom,
a pedra bruta que precisa ser lavrada é ele próprio. É seu próprio ser, sua
própria mente que precisa ser libertada das “asperezas”, da mesma forma que a
matéria prima sobre a qual trabalha o talhador. Iniciado, ele é uma pedra
bruta que será trabalhada pacientemente a cuidadosos golpes de
ponteira, como o faziam antigamente os maçons operativos. Quando ele se
transformar numa pedra talhada deverá sofrer novo processo de
aperfeiçoamento para se transformar em uma pedra cúbica. E como tal
será levado ao “canteiro de obras da construção maçônica” Onde deverá cumprir
uma função no “edifício” que a Arte Real se propõe a
construir.
O
maçom aprende a trabalhar com martelo e cinzel da mesma forma que o artesão das
pedreiras. Executa golpes estudados sobre a pedra para dar-lhe a conformação
desejada: é bem como diz Lavagnini: “ Para labrar e pulir la piedra,
asi como para darle o imprimir e grabar em ella uma forma ideal determinada, el
martillo, solo nos sirve em proporción de como se aplica, de uma manera
inteligente y disciplinada, sobre el cinzel. Y la combinasión de los dos
instrumentos, expresando una idea o imagem ideal, hará de aquella misma piedra
bruta (que puede ser inútilmente hecha pedazos com el sólo martillo, empleado
sin la inteligencia constructiva) una hermoza obra de arte que, como La Vênus
de Milo y el Apolo de Beldevere, son evidencias de um genio inspirador”[1]
Maçonaria
é, portanto, um processo, um magistério, um aprendizado que não se adquire em
um só estágio, mas que demanda uma iniciação, uma preparação, um
aperfeiçoamento e um acabamento. Uma longa jornada, que vai da mais humilde
tarefa, praticada como mero reflexo muscular ativado pela repetição, à mais
elaborada arte de engenho, na qual o espírito se envolve no seu mais alto grau
de concentração.
A
arte
Nas
pedreiras de antigamente, o trabalho de cortar, desbastar e lavrar pedras era
uma atividade de caráter iniciático. Trabalhava-se com maço, ponteira e cinzel
em etapas distintas, conforme se quisessem pedras para alicerce, para parede ou
para acabamento. Cada tipo de pedra era trabalhado por operários especialmente
treinados para cada finalidade específica. Daí as graduações que se
estabeleceram entre aprendizes e profissionais. Mais tarde, a atividade do artesão
do maço (o maçom), evoluiu para um tipo mais sofisticado de trabalho,
que já se podia chamar de arte. Foi quando ele começou a tirar da pedra outras
formas, imitando a natureza no seu trabalho de formatação das realidades
físicas. Esse tipo de trabalho demonstrava que o homem possuía uma inteligência
criadora e que sua consciência podia ser refletida na natureza através das
obras de suas mãos.
A história da aplicação do engenho humano nas pedras se confunde com a história
da evolução do seu próprio psiquismo. O termo maçom é derivado
dessa ocupação e a espiritualidade que acompanha essa profissão é decorrente
dessa projeção da consciência sobre a matéria, formatando coisas e objetos,
numa imitação da própria atividade criadora de Deus.
Podemos dizer que o primeiro maçom foi o homem que desbastou a
primeira pedra bruta, transformando-a em material de construção.
Daí dizer-se que a Maçonaria é tão antiga quanto a presença humana sobre a
terra, pois ela é uma prática que pode ser considerada contemporânea dos primeiros
grupos humanos. É bom que se diga, entretanto, que essa antiguidade só pode ser
colocada enquanto prática operativa e atividade especulativa. Não é a Maçonaria
como instituição, porquanto esta só apareceu no inicio do século XVIII a partir
do trabalho de Anderson e seu grupo.
É também nesse sentido que podemos definir a Maçonaria como a arte de fazer
interação entre a mente humana e os elementos da natureza para produzir obra de
criação. Como prática operativa ela é o trabalho que constrói o mundo, e como
atividade especulativa uma fórmula que aprimora o espírito. Em ambos os
sentidos ela é arte de construir, é arquitetura.
Nos antigos canteiros de obras do Egito e da Mesopotâmea já se costumava
separar os trabalhadores em grupos distintivos pelos seus graus. Aprendizes não
comungavam com Companheiros nem estes com seusMestres. No
próprio canteiro de obras do Rei Salomão, por ocasião da construção
do Templo de Jerusalém, havia, segundo a Bíblia, profissionais e
aprendizes de todos os tipos, desde cavouqueiros para abrir as valas, serventes
para acarretar e transportar cargas, até mestres arquitetos e fundidores, como Hiram e Adoniram,
este último também administrador da obra. Todavia, ainda que a mais
acreditada tradição maçônica ensine que a formação da Loja Simbólica em Aprendizes, Companheiros
e Mestres tem inspiração na construção do Templo de Jerusalém, que o
Rei de Israel, Salomão mandou erguer em louvor á Jeová, a verdade é que essa
estrutura vem dos antigos canteiros de obras egípcios e especialmente de suas
pedreiras, cuja hierarquia contemplava essa divisão. Essa tradição iniciática,
desenvolvida mais por necessidade prática do que por motivos religiosos, foi
repassada aos canteiros de obras medievais diretamente dessa fonte, tendo
incorporado a tradição salomônica muito mais pela influência que a Bíblia tinha
sobre os espíritos medievais do que com base nas fontes históricas mesmo. Foi,
entretanto, nos canteiros de obras medievais que a tradição de separar os
trabalhadores por seus graus de profissionalização sacralizou-se,
especialmente pelo fato das organizações dos pedreiros medievais estarem
estreitamente ligadas á Igreja católica.
Entretanto,
como se nota nas obras dos antigos cronistas que escreveram sobre esse assunto,
os Mestres maçons da antiguidade já haviam intuído a existência de um elo de
ligação entre a arte de construir e as disciplinas morais e espirituais.
Mestres que a história nomeou, como Nenrode, Hiram Abiff, Adoniram,
Amemhotep, etc. foram, ao mesmo tempo, técnicos em construção de edifícios
e taumaturgos. Nas suas obras se percebe, não só a obra do engenho humano, mas
também a disciplina do espírito, a ensinar que a escalada do ser humano pelo
edifício da vida cósmica deve ser feita em duas direções. Para fora de si, pela
construção de uma sociedade justa e perfeita; e para dentro de si em busca de
um caráter limpo e puro. Em todas essas obras há uma tentativa de
conjugar o profano e o sagrado, como forma de realizar a tarefa que o Sublime
Arquiteto nos confiou, que é a construção do universo, e ao mesmo
tempo, consumar a união do espírito humano com a realidade divina, que é o Espírito do
seu Sublime Arquiteto.
O
mistério das catedrais
O
oficio de construtor sempre teve um caráter sacro, que incorpora uma mística
própria e uma aura de espiritualidade que o tem acompanhado através dos
séculos.
Conquanto o costume de sacralizar seu ofício já existisse
entre os artesãos da construção na antiguidade, foi somente na Idade Média que
esse costume ganhou status de verdadeira tradição. A transformação da
habilidade operativa em ideal especulativo foi a grande realização dos nossos
Irmãos medievais. Foram esses profissionais, mais religiosos que técnicos, mais
místicos que filósofos, que perceberam que o oficio de construtor, pelas suas
características de integralização de formas, manipulação de símbolos e
conhecimentos de geometria e matemática, era o que mais se prestava para
atender á inclinação própria de uma cultura, que como a medieval, não
distinguia o esotérico do exotérico. A arte de construir era aquela que
permitia ao seu praticante, ao mesmo tempo, o provimento das necessidades
profanas, necessárias para ganhar a vida, e uma realização espiritual, que
levaria o seu praticante ao paraíso prometido pela religião.
Especialmente a construção de igrejas, pela mística que nelas se imprimia, era
o que mais se prestava a produzir nos seus construtores uma sensação de mágica
transcendência, que os fazia crer serem eles os canais pelos quais fluía a
própria inteligência divina. Na construção daqueles edifícios monumentais, os
artistas da pedra acreditavam repetir o trabalho de Deus na construção do
universo.
Com efeito, a catedral medieval não era apenas o local onde os homens podiam
sentir-se em comunhão com Deus. Ela era um simulacro do universo, onde todas as
manifestações da existência humana se condensavam e encontravam o devido
encaminhamento. Fulcanelli descreve magistralmente essa síntese do espírito
medieval: “ Santuário da Tradição, da Ciência e da Arte, a catedral
gótica não deve ser olhada como uma obra unicamente dedicada ao cristianismo,
mas antes como uma vasta coordenação de ideias, de tendências, de fé populares,
um todo perfeito ao qual nos podemos referir sem receio desde que se trate de
penetrar o pensamento dos ancestrais, seja qual for o domínio: religioso,
laico, filosófico ou social” escreve ele, denotando a densidade espiritual
que se condensava naquele edifício, refletindo todas as tendências da vida
medieval. “Se há quem entre no edifício para assistir aos ofícios
divinos,” prossegue, “se há quem penetre nele acompanhando
cortejos fúnebres ou os alegres cortejos das festas anunciadas pelo repicar dos
sinos, também há quem se reúna dentro delas noutras circunstâncias. Realizam-se
assembleias políticas sob a presidência do bispo; discute-se o preço do trigo
ou do gado; os mercadores de pano discutem ai a cotação dos seus produtos;
acorre-se a esse lugar para pedir reconforto, solicitar conselho, implorar
perdão. E não há corporação que não faça benzer lá a obra prima do seu novo
companheiro e que não se reúna uma vez por ano sob a proteção do santo
padroeiro”[2].
Aí está, portanto, demonstrada de forma insofismável a convergência do espírito
humano para um único ponto, onde ele poderia atingir um pico máximo de
densidade, facilitando a comunicação com a divindade. Daí o fato de a catedral
gótica ter sido considerada o arquétipo perfeito de todas as construções
humanas e o modelo ideal para se realizar o aprimoramento do espírito através
do trabalho manual. Essa mística, essa elevação da alma aos domínios mais sutis
do espírito só iria ser alcançada mais tarde pela alquimia, cuja prática
visava a mesma finalidade.
Diante disso, parece-nos bastante apropriada a linguagem dos maçons operativos
ao chamar Deus de o Sublime Arquiteto do Universo, enquanto
eles eram seus Demiurgos, construindo fisicamente os modelos do
universo divino, ou seja a igreja medieval, da mesma forma que que os
arquitetos de Salomão o faziam com relação ao Templo de Jerusalém. Com efeito,
na perfeição das formas, na solidez das estruturas, na harmonia do conjunto,
obtida pela perfeição com que se elaborava cada detalhe, é preciso reconhecer,
nessa obra máxima da arquitetura medieval, uma construção de espírito,
realizada não só a partir da atuação do engenho humano sobre a matéria, mas da
própria interação entre os espíritos da matéria trabalhada e do artesão que a
manipulava. Dessa idéia á uma sacralização do oficio do
construtor foi apenas um passo. E esse era o grande mistério das catedrais
góticas.
O
ofício sacralizado
Jean
Palou diz que nos tempos primitivos o oficio sacralizado já
pertencia ao domínio do esoterismo, razão pela qual seus conhecimentos eram
transmitidos por iniciação.[3]
Isso
é verdade, pois embora todos os profissionais da construção, fossem, de certa
forma, iniciados, somente a iniciação não lhe conferia uma realização
espiritual total. Esta só acontecia com o cumprimento de uma longa cadeia
iniciática, na qual se praticava uma liturgia ritual própria, onde o obreiro
absorvia o “espírito” da profissão e com ele se interava tornando-se umeleito.
“A iniciação”, escreve aquele autor, “em suas formas, em seus meios, em
seus objetivos, Una em seu espírito, múltipla, porém, nas diferentes aplicações
das técnicas peculiares a cada ofício, pela Sabedoria que preside á elaboração
lógica da Obra, pela Força que possibilita sua realização efetiva, e pela
Beleza que proporciona o Amor a cada realizador, isto é, o Conhecimento,
ajudava o artífice a se despojar do homem velho, para se transformar num novo
homem, criador de objetos e forjador de um novo mundo, finalmente
harmonioso.[4]
Eis o porquê de não se permitir ao iniciado, inicialmente um meroAprendiz,
compartilhar com os Companheiros-Mestres os mesmos símbolos,
senhas, comportamentos e práticas. E mesmo entre Mestres se impunham distinções
de grau, pois se todos eram iniciados e ostentavam os mesmos
títulos profissionais, muitos poucos, entretanto, eram eleitos, ou
seja, tinham obtido elevação espiritual de modo a serem considerados Mestres também
nesse sentido.
Quando a Maçonaria praticada mestres operativos evoluiu para o especulativo, e
mais tarde, quando o especulativo integrou á sua liturgia as tradições do
Hermetismo e da Gnose, a mística da profissão do construtor aliou-se ao
encantamento próprio da prática alquímica e ao apelo emocional contido na
mensagem gnóstica. Se anteriormente, o oficio de construtor se realizava num
domínio que era antes de tudo religioso e social, passou, depois disso, a
preencher um vasto campo no domínio filosófico e espiritual, pois a
especulação, mais que a prática pura e simples de uma arte, ou uma técnica,
exige mais da sensibilidade do artista do que a razão e a habilidade física
requerem dele. O artista, o técnico, que antes aliava o sentimento religioso ás
técnicas da sua arte, teve que buscar nos domínios do esoterismo as
justificativas para a sua prática. Depois, no inicio do século XVIII, quando a Arte
Real incorporou a mensagem iluminista, foi preciso o desenvolvimento
de uma liturgia ritual que possibilitasse a divulgação da nova filosofia, mas
que, ao mesmo tempo, transmitisse a mensagem iniciática original de uma
sociedade que via nas técnicas de construção de um templo um reflexo do próprio
pensamento de Deus aplicado na construção do mundo. A realização espiritual
buscada no exercício do ofício, ou na prática da filosofia hermética, passara
agora, a ser uma realização moral, onde o iniciado aprenderia a educar-se para
ser virtuoso, a partir de um novo arquétipo de homem, que era o Homem
Universal. Era um aprendizado de filosofia moral em busca de um êxtase
espiritual que a cadeia iniciática da Maçonaria iria proporcionar aos que nela
se iniciavam.
Nascia assim, a Maçonaria moderna, aprendizado que combina a mística das
grandes aventuras do espírito com a filosofia e a prática da ação social
construtiva e inovadora.
[1] Aldo
Lavagnini,- El Secreto Masonico,pg.61
[2] Fulcanelli-
O Mistério das Catedrais, pg. 50
[3] Jean
Palou- A Franco-Maçonaria Simbólica e Iniciática, pg. 28
[4]
Idem. Pg.39
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