O
caso da construção da Catedral de Milão – IL Duomo – é de extrema importância
no estudo da geometria sagrada. Ele interessa em dois sentidos, o documental e
o simbólico. A Catedral de Milão foi fundada em 1386 e, por essa razão, estava
no centro de um encarniçada controvérsia relativa a que forma de geometria
sagrada deveria ser utilizada: ad quadratum ou ad triangulum. Um grande número
de peritos reuniu-se a fim de determinar o que seria feito na construção dessa
obra-prima potencial. Talvez por causa da grande quantidade de peritos,
desenvolveu-se entre os adeptos de um e de outro sistema uma encarniçada
discussão.
Sabe-se
que já em 1321, durante a ereção do domo da catedral de Siena, os cinco
inspetores escolhidos para examinar a construção objetaram contra a continuação
da obra “porque, se terminada como foi iniciada, ela não teria as medidas de
comprimento, largura e altura que as regras previam para a igreja”. Uma disputa
similar se verificou a respeito da construção da Catedral de Milão.
Atualmente,
a Catedral de Milão é considerada uma obra-prima da arquitetura gótica tardia.
Recentemente, sua estrutura foi algo sacudida pelas vibrações dos carros, dos
ônibus e do metrô que trafegam ao seu redor, mas a sua gestação foi tão cheia
de recriminações que parecia que ela nunca seria terminada.
A
Catedral foi terminada em 1386 por ordem de Gian Galeazzo Visconti, que
conquistara influência na cidade de Milão, graças ao expediente da morte de seu
tio. Entretanto, nenhum outro edifício tão portentoso foi construído na
Lombardia durante séculos, e logo os maçons experientes, encarregados do
projeto, se defrontaram com sérios problemas. O lado teórico da geometria
sagrada, segundo a qual o edifício deveria ser construído, se atolou numa
discussão aparentemente insolúvel.
Inicialmente,
a planta baixa da catedral foi desenhada de acordo com o ad quadratum, baseado
no quadrado e no quadrado duplo, com uma nave central pronunciada, e naves
laterais de igual altura. Essa planta, foi logo abandonada e foi substituída
pelo ad triangulum, para a elevação – e foi aí que os problemas começaram. A
altura de um triângulo eqüilátero, a base do ad triangulum é incomensurável com
o lado do mesmo triângulo. Colocá-lo sobre uma planta baixa baseada no ad
quadratum seria transformar a geometria sagrada e todas as proporções da
elevação estariam completamente erradas.
A
fim de retornar à lógica da geometria sagrada, foi chamado um matemático de
Piacenza, Gabriele Stornaloco. Ele recomendou um arredondamento da altura das
naves, de 83,138 braccia (braças), para 84 braças, que poderia ser facilmente
dividida em seis unidades de 14 braças. Embora fosse aceitável em princípio, o
esquema de Stornaloco foi posteriormente modificado, produzindo-se uma dedução
na altura e trazendo-se a catedral para mais perto dos princípios clássicos. O
Mestre Maçom alemão, Heinrich Parler se enfureceu com esse compromisso de
medida verdadeira. Seus protestos levaram-no a se demitir do posto de
consultor, em 1392. Em 1394, Ulrich von Ensigen veio da cidade de Ulm como
consultor, mas ficou apenas seis meses em Milão. Os maçons da Lombardia lutaram
entre si até 1399, cada qual defendendo a sua tese, quando Jean de Mignot foi
chamada da França, para supervisionar as obras.
Mignot
também não ficaria no cargo por muito tempo. Suas críticas aos princípios
maçônicos locais foram tão pesadas que um comitê foi chamado para discutir os
pontos que ele levantou.. Uma tal ignorância dos princípios geométricos e
mecânicos góticos foi demonstrada pelos maçons lombardos, que eles tentaram
argumentar que os arcos pontiagudos não poderiam justificar a geometria
aberrante pretendida para o edifício. Exasperado, Mignot disse: “Ars sine
scientia nihil est” (A arte não é nada sem a ciência). Recebeu a seguinte
réplica dos maçons de Milão: “Scientia sine arte nihil est” (A ciência não é
nada sem a arte).
Mignot
voltou para Paris em 1401, sem ter feito progresso algum com os intransigentes
maçons lombardos. Por métodos pragmáticos, os italianos improvisaram e
terminaram o coro e os transeptos, por volta de 1450. Nem toda a catedral foi
terminada, até que a fachada oeste foi finalmente acabada sob as ordens de
Napoleão, em 1809.
A
geometria do Duomo foi preservada numa edição de Vitrúvio, publicada em 1521.
Ela mostra o plano e a elevação da catedral como uma ilustração dos princípios
vitruvianos. Só esta ilustração é uma prova da unidade essencial dos sistemas
clássicos e maçônicos da geometria sagrada. O esquema apresentado na gravura
baseia-se no rhombus ou vesica. A elevação triangular dos corte transversal da
catedral é mostrada em superposição a círculos concêntricos em que o quadrado e
o hexágono são desenhados, demonstrando a relação da elevação com o a quadratum
do plano básico.
Essa
exposição da geometria sagrada maçônica de uma catedral é indicativa da atitude
modificada diante dos mistérios antigos exibidos pelos escritores da
Renascença. Ela se encaixa perfeitamente na tradição de Matthäus Röriczer, um
maçom que revelou a sua arte, quebrando seu juramento de sigilo. Röriczer, que
morreu em 1492, pertencia à terceira geração de uma família que servia de
mestres maçons na Catedral de Regensburg. Matthäus era o Mestre de uma Loja
onde fora projetada e executada toda a obra de construção, e assim era o
responsável por todas as molduras e entalhes, por seu esboço e por seu desenho
definitivo. Embora sendo um maçom, e estivesse preso ao juramento de não
divulgar os mistérios maçônicos aos não-iniciados, ele deu um grande passo com
a publicação de detalhes anteriormente ocultados nos livros de anotações da
Lojas Maçônicas Operativas.
Embora
a única obra publicada por Röriczer fosse um pequeno panfleto que deu solução a
um problema geométrico, ela tem importância fundamental, porque é a única chave
sobrevivente da geometria sagrada maçônica. A obra, intitulada On the
Ordination of Pinacles, forneceu a solução para o problema de como erigir uma
pináculo de proporções corretas a partir de uma dada planta baixa. Por volta do
final do período medieval, os maçons estavam produzindo obras-primas do gótico
flamboyant e perpendicular pelos meios mais simples. As plantas de execução
(conhecidas na Inglaterra como “plats”) eram preparadas pelos maçons até nos
seus mínimos detalhes. Ainda existem alguns “plats”, como os que foram
desenhados para a fachada oeste da Catedral de Estrasburgo, por Michael Parler
em 1385, e o da agulha da Catedral de Ulm, por Mathias Boblinger. Cada uma das
partes do intrincado desenho é relatada aos seus camaradas por meio da geometria.
O Maçom Operativo, equipado com esse diagrama, podia tomar uma dimensão como
ponto de partida e como ela, utilizando-se de régua e compasso, a geometria
chega ao plano do tamanho natural, desenhado sobre um “piso de decalque” de
gesso, fazendo-se em seguida os gabaritos de madeira, segundo os quais as
pedras finais eram cortadas e talhadas.
A
exposição do sistema por Röriczer demonstra a simplicidade desse método
canônico. Em vez de uma referência constante a medidas num plano, como na
moderna prática da arquitetura, o pináculo (ou o pinásio, a ombreira da porta,
o componente da abóbada, etc.) era “desenvolvido” a partir de um quadrado. A
geometria, diferentemente da medida, é auto-reguladora, e quaisquer erros podem
ser identificados de imediato. Seja qual for o tamanho do quadrado inicial,
todas as partes do pináculo estão relacionadas a ele, em proporção natural.
Como as dimensões do quadrado original poderiam ter sido derivadas como uma
função da geometria global da igreja, o tamanho do pináculo estava relacionado
harmoniosamente com o todo.
O
livreto de Röriczer foi dedicado ao Príncipe Wilhelm, Bispo de Eichstadt,
descrito na dedicatória como “um cultor e um patrono da arte livre da
geometria”. Wilhelm era membro ativo do conselho de construções das igrejas de
Regensbur, Ulm e Ingolstadt. Assim, Wilhelm não era apenas um administrador,
mas uma pessoa bastante interessada em conhecer a metodologia exata que está
por trás da geometria sagrada. Esses homens foram os primeiros “maçons
especulativos”, patronos ricos que desejavam sinceramente conhecer os segredos
dos maçons operativos. A fim de obter esses segredos, os patronos eram
geralmente admitidos na Irmandade dos Maçons por meio de ritos iniciatórios
típicos. Como as atividades dos maçons diminuísse com o surgimento dos
arquitetos, aumentou o número de “maçons especulativos”.
Nesse
meio tempo, as Lojas operativas maçônicas foram sendo fechadas. A última delas
foi a primeira Loja da Europa – a de Estrasburgo, que fechou em 1777. A partir
de então, as artes e os mistérios da Maçonaria foram mantidos apenas pelos
maçons especulativos.
Sobre
a Catedral de Milão, acrescentamos por último que ela foi construída sobre as
bases de um templo romano, construído no estilo românico. Na entrada da
Catedral fica a escada que leva às escavações feitas no seu subsolo. Nestas
escavações, podem ser vistos ainda os restos do antigo templo, bem como as
relíquias que o decoravam.
ANTÓNIO
ROCHA FADISTA
M.'.I.'.,
Loja Cayrú 762 GOERJ / GOB - Brasil
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