Por
Clóvis Rossi
Clóvis Rossi |
O
Brasil fez um silêncio ensurdecedor nesses dias de comoção pelos crimes de
Paris, em especial no domingo, dia de uma manifestação que até quem, como eu,
já acompanhou dezenas delas, só pode qualificar de impressionante.
Pena
que o silêncio não tenha sido em sinal de respeito pelos mortos. Foi apenas um
clássico brasileiro: a incapacidade ou a inapetência (ou ambas) de se
mobilizar, de ganhar a rua, de protestar, de reclamar, de ser inconformista.
Silêncio
que começa lá em cima, na Presidência da República. É de uma mentalidade
hiperburocrática a decisão de designar o embaixador em Paris como representante
do Brasil.
Nem
precisava: competente como é, o embaixador José Bustani teria comparecido à
manifestação mesmo que não fosse escalado para tanto.
Tudo
bem que a agenda de Dilma Rousseff pudesse estar sobrecarregada e que, por
isso, ela não pudesse comparecer. Mas custava designar, por exemplo, o
vice-presidente, Michel Temer que, de resto, tem substituído a presidente em
outros momentos diplomáticos?
Ou
o ministro do Exterior? Ou o da Justiça, até porque havia uma reunião para
discutir terrorismo, território de responsabilidade de José Eduardo Cardozo?
Nem
me venha, por favor, com o exemplo dos Estados Unidos, que também mandaram o
seu embaixador (embaixadora no caso). A mídia norte-americana não perdoou. Nem
a francesa.
A
omissão brasileira torna-se ainda mais problemática quando se computam
determinadas presenças.
O
primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, por exemplo, foi aconselhado
pela França a não comparecer, para não criar um ambiente de cisão. Foi assim
mesmo e ficou na primeira fila, a quatro pessoas de seu adversário, o palestino
Mahmoud Abbas.
Outro,
aliás, que poderia não ter ido, já que o Ocidente (o sujeito oculto da
solidariedade) não faz nem remotamente o necessário para que os palestinos
tenham o seu Estado.
A
Rússia, em conflito aberto com a Europa, nem por isso deixou de mandar seu
chanceler.
Afinal,
quem tem um dedo de visão diplomática sabe que "as grandes manifestações
nas ruas legitimam uma luta redobrada contra um terrorismo reduzido à
delinquência, e não portador de valores políticos e religiosos", como
escreveu Joaquín Prieto em sua coluna para "El País".
Mas
a crítica não pode se limitar ao andar de cima. A rua também se omitiu. Não
vale dizer que a França é longe. Hoje em dia, nem a China, do outro lado do
mundo, é tão distante.
Buenos
Aires é ainda mais distante de Paris, o que não impediu cerca de mil pessoas,
segundo o jornal "Clarín", de se manifestarem domingo diante da
embaixada francesa.
Já
na avenida Paulista, na sexta-feira, dia em que também houve manifestações na
Europa toda, ninguém se lembrou de parar um minuto o protesto contra o aumento
dos transportes para repudiar o terrorismo.
Tudo
o que diz respeito à vida humana deveria interessar aos brasileiros. Mas parece
que estamos fora do Universo.
P.S.:
Rumo a Davos, uma semana de férias.
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo
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