Tradução: S. K.
Jerez / Fonte: Bibliot3ca
Pitágoras,
um dos filósofos mais famosos e controversos da Grécia antiga, viveu de 570 a
490 a.C.. Passou seus primeiros anos de vida em Samos, na costa da atual
Turquia. Já havia completado quarenta anos quando emigrou para a cidade de
Crotona, no sul da Itália, e lá desenvolveu a maioria de suas atividades
filosóficas. Pitágoras não escreveu nada, nem teve seus pensamentos escritos em
detalhe por seus contemporâneos. Nos primeiros séculos antes da era cristã, no
entanto, tornou-se moda apresentar Pitágoras, sem bases históricas, como uma
figura semi-divina, que teria originado tudo o que era verdadeiro na tradição
filosófica grega, inclusive muitas das idéias amadurecidas por Platão e
Aristóteles. Vários tratados foram forjados em nome de Pitágoras e outros
pitagóricos a fim de dar sustentação àquela moda.
A
questão que se apresenta então, a que chamamos de Questão Pitagórica, é como
investigar essa falsa glorificação de Pitágoras de modo a determinar o que o
Pitágoras histórico realmente pensava. A fim de obter uma apreciação exata das
realizações de Pitágoras, é importante que nos detenhamos nas evidências mais
antigas, antes que as distorções da tradição mais recente fossem criadas. A
imagem popular moderna de Pitágoras é a de um mestre matemático e cientista. As
mais antigas evidências mostram, no entanto, que na sua época e 150 anos mais
tarde, na época de Platão e Aristóteles, Pitágoras não era famoso pela
matemática ou pela ciência. Sua fama era devida ao fato de ser visto como:
1)
conhecedor dos destinos da alma – que acreditava imortal e suscetível a uma
série de reencarnações;
2)
especialista em rituais religiosos;
3)
alguém realizador de prodígios que tinha uma coxa de ouro e que podia estar em
dois lugares no mesmo tempo;
4)
fundador de um modo de vida regrado que enfatizava as restrições dietéticas, o
ritual religioso e a autodisciplina rigorosa.
Permanece
controverso se ele se engajou na cosmologia racional típica dos
filósofos/cientistas pré-socráticos e se era, de fato, um matemático. As
evidências mais antigas sugerem, contudo, que Pitágoras apresentava um cosmos
estruturado segundo princípios morais e relações numéricas particulares, e
similares aos conceitos de cosmos encontrados em mitos platônicos, tais como
aqueles que constam do final do Fedo e d’A República.
Em tal cosmos, os planetas eram vistos como instrumentos da vingança divina
(“os cães de Perséfone”), o sol e a lua eram as ilhas dos abençoados, para onde
a alma iria caso tivesse tido uma vida boa, enquanto os trovões amendrontariam
as almas que eram punidas em Tártaro. Os corpos celestes também pareciam
mover-se de acordo com as relações matemáticas que governam os intervalos
musicais harmônicos, a fim de produzir uma música celeste que nas tradições
posteriores tornar-se-ia “a harmonia das esferas”. É duvidoso que Pitágoras
tenha pensado em termos das esferas, e sua matemática dos movimentos celestes
não foi trabalhada em detalhes. Mas há evidências de que ele tenha analisado os
relacionamentos entre os números, tais como aqueles contidos no assim chamado
teorema de Pitágoras, embora não seja provável que ele tenha desenvolvido a
comprovação desse teorema.
O
cosmos de Pitágoras foi desenvolvido em um sentido mais científico e mais
matemático por Filolau e Arquitas, seus sucessores na tradição pitagórica.
Pitágoras obteve sucesso na divulgação de uma visão mais otimista do destino da
alma depois da morte e em fundar um modo de vida que era atraente por seu rigor
e disciplina e que lhe garantiu muitos seguidores devotados.
Índice
- 1. A Questão Pitagórica
- 2. Fontes
- 2.1 Tabela Cronológica das Fontes sobre
Pitágoras
- 2.2 Fontes Pós-Aristotélicas sobre Pitágoras
- 2.3 Platão e Aristóteles como fontes sobre
Pitágoras
- 3. Vida e trabalhos
- 4. A filosofia de Pitágoras
- 4.1 O destino da alma – metempsicose
- 4.2 Pitágoras como um operador de milagres
- 4.3 O modo de vida pitagórico
- 5. Pitágoras era matemático ou cosmólogo?
- Bibliografia
- Fontes e comentários principais
- Fontes secundárias
1. A Questão Pitagórica
Quais
eram as opiniões e as práticas do Pitágoras histórico? Esta questão
aparentemente simples transformou-se na intimidadora Questão Pitagórica por
diversas razões. Primeiramente, o próprio Pitágoras não escreveu nada, de forma
que nosso conhecimento à respeito de suas opiniões é totalmente derivado de
relatos de terceiros. Em segundo lugar, não há nenhum relato contemporâneo
oficial de Pitágoras. Ninguém fez por Pitágoras o que Platão e Xenófone fêz por
Sócrates. Em terceiro lugar, somente fragmentos dos primeiros relatos
detalhados sobre Pitágoras, escritos aproximadamente 150 anos após sua morte,
sobreviveram. Em quarto, está claro que estes relatos discordam entre si em
aspectos significativos. Estes quatro pontos, por si só, já tornariam o
problema de determinar as crenças filosóficas de Pitágoras mais difícil do que
o seria para qualquer outro filósofo antigo, mas um quinto fator complica a
matéria mais ainda.
Por
volta do século III a.C., quando foram escritos os primeiros relatos detalhados
sobre Pitágoras que sobreviveram intactos, Pitágoras era considerado, em alguns
círculos, como o filósofo mestre, do qual derivou tudo o que era verdade na
tradição filosófica grega. Ao final do século I a.C., uma extensa gama de
livros havia sido forjada em nome de Pitágoras e de outros pitagóricos
anteriores, que pretendiam ser os textos pitagóricos originais dos quais Platão
e Aristóteles derivaram suas idéias mais importantes. Um tratado forjado no
nome de Timeu de Locri foi supostamente o modelo para o Timeu de
Platão, da mesma forma que os tratados forjados atribuídos a Arquitas foram
supostamente o modelo para as Categorias de Aristóteles. O
próprio Pitágoras foi apresentado como sendo um predecessor da Metafísica de
Platão, na qual o Um e a Díada são os primeiros princípios. Assim, não somente
as evidências mais antigas sobre as opiniões de Pitágoras são escassas e
contraditórias, mas, além disso, foram encobertas pela apresentação
hagiográfica de Pitágoras, que se tornou dominante na antiguidade. Dadas estas
circunstâncias, a única abordagem confiável para responder à Questão Pitagórica
deve começar pelas evidências mais antigas, que são independentes das
tentativas posteriores de glorificar Pitágoras, e usar o retrato de Pitágoras
que emerge destas evidências antigas como o padrão para avaliação do que pode
ser aceito e o que deve ser rejeitado na tradição posterior. Depois de tal
abordagem, Walter Burkert, em seu livro que fez época (1972a), revolucionou
nossa compreensão sobre a questão pitagórica, e todos os estudiosos modernos de
Pitágoras, inclusive este artigo, repousam sobre ela. Para uma discussão
detalhada dos problemas que geram a Questão Pitagórica, veja 2. Fontes,
abaixo.
2. Fontes
2.1 Tabela cronológica das fontes sobre Pitágoras
Período
|
Autor
|
Título
|
300
d.C.
|
Jâmblico
(245-325 d.C.) |
Sobre a Vida Pitagórica (existente)
|
Porfírio
(234-305 d.C.) |
A Vida de Pitágoras (existente)
|
|
Diógenes
Laércio
(200-250 d.C.) |
A Vida de Pitágoras (existente)
|
|
200
d.C.
|
Sexto
Empírico
(cerca de 200 d.C.) |
(sumários
da filosofia de Pitágoras em Adversus Mathematicos [contra
os teóricos], citado abaixo como M.)
|
100
d.C.
|
Nicômaco
(50-150 d.C.) |
Introdução à aritmética (existente), A
Vida de Pitágoras (fragmentos citados em Jâmblico etc..)
|
Apolônio
de Tiana
(97 d.C.) |
A Vida de Pitágoras (fragmentos citados em
Jâmblico etc..)
|
|
Moderato
de Gades
(50-100 d.C.) |
Lições Pitagóricas (fragmentos citados no
Porfírio)
|
|
Aécio
(século I d.C.) |
Opiniões dos filósofos (reconstituído por H.
Diels do pseudo-Plutarco, em Opiniões dos Filósofos [séc. II
d.C.] e de Estobeu,Seleções [séc. V d.C.])
|
|
Textos
pseudo-pitagóricos forjados
|
(começando
em 300 a.C., mas mais comuns no séc I a.C.)
|
|
100 a.C.
|
Alexandre
Polihistor
(105 a.C.) |
seus
excertos de Memórias Pitagóricas são citados por Diógenes
Laércio
|
200
a.C.
|
Memórias pitagóricas
(200 a.C.) |
(seções
citadas em Diógenes Laércio)
|
300
a.C.
|
Timeu
de Tauromênio
350-260 a.C.) |
(história
da Sicília)
|
Dicearco (360-250)
Heráclides
(380-310)
Aristoxeno (370-290)
Academia Xenocrates (396-314) Liceu Eudemo (370-290) Espeusipo (410-339) Teofrasto (372-288) Aristóteles (384-322) |
||
400
a.C.
|
Platão
(427-347 a. C.) |
|
500
a.C.
|
Pitágoras
(570-490 a. C.) |
2.2 Fontes Pós-Aristotélicas sobre Pitágoras
Os
problemas relativos às fontes sobre a vida e a filosofia de Pitágoras são bem
complicados, mas é impossível compreender a questão pitagórica sem, pelo menos,
uma apreciação exata, da natureza geral destes problemas. É melhor começar com
as extensivas e mais problemáticas evidências antigas e trabalhar em direção às
evidências mais recentes. Os mais detalhados e extensos e, portanto, os mais
influentes relatos sobre a vida de Pitágoras e suas idéias datam do século III
d.C., uns 800 anos depois que ele morreu. Diógenes Laércio (200-250 d.C) e
Porfírio (234-305 d.C.) escreveram, cada um deles, uma Vida de
Pitágoras, enquanto Jâmblico (245-325 a.C.) escreveu Sobre a Vida
Pitagórica, que inclui alguns dados biográficos, mas com mais foco no modo
de vida estabelecido por Pitágoras para seus seguidores. Todos estes trabalhos
foram escritos num momento em que as realizações de Pitágoras se tornavam
consideravelmente exageradas. Diógenes pode ser visto com alguma restrição
quanto à sua objetividade, mas Jâmblico e o Porfírio têm estilos que pouco têm
a ver com a exatidão histórica. Jâmblico apresenta Pitágoras como uma alma
enviada pelos deuses para iluminar a humanidade (O’Meara 1989, 35-40). O
trabalho de Jâmblico foi justamente o primeiro de um total de dez volumes, que
de fato “pitagorizou” o neoplatonismo, embora o pitagorismo apresentado fosse
uma concepção própria de Jâmblico sobre um Pitágoras envolvido particularmente
com a matemática, do que um relato do pitagorismo baseado em evidências
próximas. Porfírio também enfatiza aspectos divinos de Pitágoras e o define
quase como um rival de Jesus (Jâmblico 1991, 14). Estes três relatos de
Pitágoras do século III foram, por sua vez, baseados em fontes mais antigas,
que foram perdidas.
Algumas
dessas fontes mais recentes foram muito contaminadas pela opinião dos
neopitagóricos sobre Pitágoras, que o apresentam como sendo a fonte de toda a
filosofia verdadeira, cujas idéias Platão, Aristóteles e todos os filósofos
gregos mais antigos plagiaram. Jâmblico cita as biografias de Pitágoras
escritas por Nicômaco de Gerasa e Apolônio de Tiana de e parece tê-las usado
extensivamente mesmo quando não as cita. Nicômaco (entre 50 e 150 d.C.) atribui
a Pitágoras uma metafísica patentemente platônica e aristotélica e que emprega
de fato a terminologia que distingue o platonismo e o aristotelismo (Introdução
à AritméticaI.1), enquanto Apolônio (séc. I d.C.) venerava Pitágoras como o
modelo por sua vida ascética. Porfírio (VP 48-53) cita
explicitamente Moderato de Gades como uma de suas fontes. Moderato foi um
neopitagórico atuante do século I d.C., que relata que Platão, Aristóteles, e
seus alunos Espeusipo, Aristoxeno e Xenócrates tomaram para si tudo o que era
frutífero no pitagorismo, atribuindo à escola somente o que era superficial e
trivial (Dillon 1977, 346). Diógenes Laércio, que parece ter menos fidelidade
pessoal à lenda pitagórica, baseia seu relato da filosofia de Pitágoras (VIII.
24-33) nas Memórias Pitagóricas coletadas por Alexander
Polyhistor, que são uma falsificação datada de cerca de 200 a.C. e que atribuem
a Pitágoras não só as idéias platônicas, mas também as estóicas (Burkert 1972a,
53; Kahn 2001, 79-83).
Nas
Memórias Pitagóricas, Pitágoras é retratado como alguém que
adotou a mônada e a díada indefinida como princípios incorpóreos, dos quais
surgem primeiro os números, depois as figuras planas e contínuas e, finalmente,
os corpos do mundo sensível (Diógenes Laércio VIII. 25). Este é o sistema
filosófico que é atribuído mais comumente a Pitágoras pela tradição
pós-aristotélica, e é encontrado também em relatos detalhados de Sexto Empírico
(século II d.C.) sobre o pitagorismo e, mais significativamente, na coletânea
de opiniões de filósofos gregos, que foi compilada por Aécio no século I d.C. e
que vai até Teofrasto, discípulo de Aristóteles (por exemplo, H. Diels,Doxographi
Graeci I. 3.8). O testemunho de Aristóteles, no entanto, deixa
completamente claro que este era o sistema filosófico de Platão em seus
primeiros anos e não de Pitágoras ou mesmo dos pitagóricos mais antigos.
Aristóteles é explícito quando diz que a díada indefinida é criação de Platão (Metafísica987b26
os ff.) e que o pitagóricos reconheciam somente o mundo sensível e, portanto,
não o derivavam de princípios imateriais. Embora Teofrasto siga geralmente seu
mestre Aristóteles em seus relatos sobre as opiniões os filósofos gregos mais
próximos de sua época, neste caso parece concordar com a tradição mais antiga
ao atribuir a metafísica platônica a Pitágoras. Como poderemos explicar esta
divergência com relação à visão aristotélica? Parece que, por razões que não
estão inteiramente claras, os sucessores de Platão na academia, Espeusipo,
Xenócrates e Heráclides, decidiram apresentar a Metafísica platônica como um
mero ramo do pitagorismo e que Teofrasto escolheu seguir esta tradição. No
Filebo, o próprio Platão, ao atribuir à filosofia o crédito pelos
limitadores e os ilimitados – que é encontrada em relatos de Aristóteles sobre
o pitagorismo e nos fragmentos pitagóricos de Filolau, no século V – torna
claro que esta é uma filosofia consideravelmente mais recente, que foi
completamente retrabalhada para suas próprias finalidades (16c ff.; veja
Huffman 1999a e 2001). O ponto crucial e determinante é que a tradição que
falsamente atribui a Pitágoras a Metafísica de Platão começa não com o
neopitagóricos nos primeiros séculos a.C. e d.C., mas já no século IV a.C.
entre os próprios discípulos de Platão (Burkert 1972a, 53-83). As claras
distinções que Aristóteles faz entre Platão e o pitagorismo do século V, que
têm muito sentido em termos do desenvolvimento geral da filosofia grega, são
ignoradas em sua maior parte na tradição mais antiga, em favor da atribuição do
Platonismo maduro a Pitágoras.
Se
nós pararmos por um minuto para comparar as fontes sobre Pitágoras com as
aquelas disponíveis sobre outros filósofos gregos mais recentes, a extensão das
dificuldades inerentes à questão pitagórica torna-se clara. Ao tentar
reconstruir a filosofia de Heráclito, por exemplo, os estudiosos modernos
confiam acima de tudo nas citações do livro de Heráclito preservado por alguns
autores mais antigos. Uma vez que Pitágoras não escreveu nenhum livro, a mais
fundamental de todas as fontes nos é negada. Ao lidar com Heráclito, o
estudioso moderno se depara, com relutância, com a tradição doxográfica,
representada por Aécio no século I a.C., que preserva, sob a forma de um
manual, um relato sistemático da opinião dos filósofos gregos, em uma série de
tópicos relacionados com o mundo físico e seus primeiros princípios. O trabalho
de Aécio foi reconstituído por Hermann Diels com base em dois outros trabalhos
derivados dele, as Seleções de Estobeu (século V d.C.) e as
Opiniões dos Filósofos do pseudo-Plutarco (século II d.C.). A fé dos
estudiosos nesta evidência é, em geral, baseada na suposição de que a maior
parte dela remonta à escola de Aristóteles e, em particular, aos
Princípios dos filósofos naturais, de Teofrasto. Aqui, outra vez, o
caso de Pitágoras é excepcional. Pitágoras é representado nesta tradição mas,
como vimos, Teofrasto neste caso adotou a visão sobre Pitágoras que era
defendida pelos sucessores de Platão na academia, visão que, contra toda a
plausibilidade histórica, atribuía a metafísica de Platão a Pitágoras. Esta é
uma visão que era rejeitada explicitamente pelo mestre de Teofrasto,
Aristóteles. Assim, a segunda fonte de evidências para a filosofia grega
posterior está, no caso de Pitágoras, emaranhada na fonte. Qualquer que tenha
sido a visão de Pitágoras possa ter tido, foi substituída pela metafísica
platônica na tradição doxográfica.
Uma
terceira fonte da evidência para a filosofia grega posterior é vista com grande
ceticismo pela maioria dos estudiosos e, no caso dos filósofos gregos posteriores,
usada somente com grande cuidado. Esta é a tradição biográfica representada por
Vidas dos Filósofos, escrito por Diógenes Laércio. Neste caso, à
primeira vista parece que estamos com sorte, pelo menos considerando a
quantidade de evidências sobre Pitágoras, já que, como vimos, dois importantes
relatos da vida de Pitágoras e do modo de vida pitagórico sobreviveram além do
relato de Diógenes. Infelizmente, estes dois relatos são escritos por autores
(Jâmblico e Porfírio) cujo objetivo é explicitamente não-histórico, e todos os
três se baseiam em autores da tradição neopitagórica, cujo objetivo era mostrar
que toda a filosofia grega do período anterior, na medida que fosse verdadeira,
tinha sido roubada de Pitágoras. Há, entretanto, alguns pormenores nos relatos
destes três autores que derivam das fontes que antecedem a influência do
neopitagorismo, fontes estas do século IV a.C. , que são independentes da
posterior tentativa da academia atribuir aos pitagóricos a metafísica
platônica. A mais importante destas fontes são os fragmentos dos tratados
perdidos de Aristóteles sobre os pitagóricos e os fragmentos dos trabalhos
sobre pitagorismo ou de trabalhos que trataram de passagem sobre o pitagorismo,
escritos por Dicearco e Aristoxeno, discípulos de Aristóteles, na segunda
metade do século IV a.C..
O
historiador Timeu de Tauromênio (350-260 a.C.), que escreveu uma história da
Sicília que incluía material, da época em que Pitágoras estava ativo, sobre o
sul da Itália, também é importante. Em alguns casos, os fragmentos destes
trabalhos estão claramente identificados com vidas de épocas anteriores, mas em
outros casos podemos suspeitar que sejam a origem de passagens não
confirmáveis. Grandes questões permanecem mesmo no caso destas fontes. Todas
foram escritas de 150 a 250 anos após a morte de Pitágoras; dada a falta de
evidências escritas por Pitágoras, são baseadas, na maior parte, em tradições
orais. Aristoxeno, que cresceu na cidade de Tarento, no sul da Itália, onde o
pitagórico Arquitas era a figura política dominante, e que era, ele mesmo,
pitagórico antes de se juntar à escola de Aristóteles, teve indubitavelmente um
rico conjunto de tradições orais sobre as quais trabalhar. Não obstante, está
claro que, 150 anos após sua morte, surgiram tradições conflitantes sobre as
opiniões de Pitágoras, mesmo sobre os temas mais centrais. Assim, Aristoxeno é
enfático ao afirmar que Pitágoras não era estritamente vegetariano e que não
comia alguns tipos de carne (Diógenes Laércio VIII. 20), enquanto que um contemporâneo
de Aristoxeno, o matemático Eudoxo, retrata-o não somente como avesso a todo
tipo de carne, mas como alguém que até se recusava a manter contato com os
açougueiros (Porfírio, VP 7). Mesmo entre os autores do século
IV, que tinham ao menos algumas pretensões à exatidão histórica e que tiveram o
acesso à melhor informação disponível, há amplas divergências, simplesmente
porque tais contradições eram endêmicas nas evidências disponíveis na época. O
que nós podemos esperar obter das evidências apresentadas por Aristóteles,
Aristoxeno, Dicearco e Timeu não são, assim, um retrato de Pitágoras
consistente em todos os aspectos, mas pelo menos definem as principais áreas de
suas realizações. Este retrato pode então ser testado contra as evidências mais
fundamentais de todas: o testemunho dos autores que antecederam Aristóteles, e
que, em alguns casos, derivam dos próprios contemporâneos de Pitágoras. Este
testemunho é extremamente limitado – aproximadamente vinte referências breves –
mas esta escassez de evidências não é exclusiva de Pitágoras. Os testemunhos
pré-aristotélicos sobre Pitágoras são mais extensos do que os da maioria dos
demais filósofos gregos posteriores, o que atesta sua fama.
2.3 Platão e Aristóteles como fontes sobre
Pitágoras
Ao
reconstruir o pensamento de filósofos gregos mais antigos, os estudiosos tendem
freqüentemente para os relatos de Aristóteles e de Platão sobre seus
predecessores, embora os relatos de Platão estejam encaixados dentro da
estrutura literária de seus diálogos e, assim, não almejam a exatidão
histórica. Já a apresentação aparentemente mais histórica de Aristóteles
mascara uma quantidade considerável de reinterpretações de opiniões de seus
predecessores como se fossem seu próprio pensamento. No caso de Pitágoras, o
que impressiona é a coerência entre Platão e Aristóteles com relação à sua
importância. Aristóteles freqüentemente discute a filosofia dos pitagóricos,
que ele data como sendo de meados e da segunda metade do século V e diz que ela
postulava limitadores e ilimitados como primeiros princípios. Ele se refere aos
pitagóricos como “os assim chamados pitagóricos” sugerindo que tinha algumas
reservas quanto a rotulá-los assim. Surpreendentemente, Aristóteles nunca
menciona o próprio Pitágoras nos escritos existentes. (Metaph. 986a29 é
uma interpolação; Rh. 1398b14 é uma citação de Alcidamas; MM1182a11
pode não ser de Aristóteles e, se for, pode ter sido um caso onde “pitagóricos”
foi transformado “em Pitágoras” na transmissão). Nos fragmentos de seu tratado
em dois volumes sobre os pitagóricos, agora perdido, Aristóteles discute o
próprio Pitágoras, mas as referências são todas a um Pitágoras criador de um
modo de vida, que proibia comer grãos (quadro 195), que realizava prodígios,
que tinha uma coxa dourada e que mordeu uma serpente até matá-la (quadro 191).
Se esse é o único tipo de material que Aristóteles quer atribuir ao próprio
Pitágoras, torna-se claro porque nunca menciona Pitágoras quando fala sobre
seus próprios predecessores filosóficos e porque usa a expressão “assim
chamados pitagóricos” para se referir ao pitagorismo do século V. Para
Aristóteles, Pitágoras não pertenceu à dinastia – iniciada por Tales – dos
pensadores que tentavam explicar os princípios básicos do mundo natural e,
conseqüentemente, não via sentido em chamar de pitagórico um pensador do
século V, como Filolau, que se juntou a essa dinastia ao propor limitadores e
ilimitados como principais princípios. Freqüentemente imagina-se Platão como
alguém que deve muito aos pitagóricos, mas ele é tão parcimonioso em suas
referências a Pitágoras quanto Aristóteles, e o menciona apenas uma vez em seus
escritos. A única referências de Platão a Pitágoras (R. 600a), o trata
do mesmo modo que Aristóteles, ou seja, como o criador de um modo de vida.
Quando Platão descreveu, no Sofista, a história da filosofia
antes de seu tempo, (242c-e), não fez qualquer alusão a Pitágoras. Em
Filebo, Platão descreve a filosofia dos limitadores e ilimitados, que
Aristóteles atribui aos “assim chamados pitagóricos” do século V e que é
encontrada nos fragmentos de Filolau, mas, como Aristóteles, não atribui esta
filosofia a Pitágoras. Os estudiosos antigos e modernos, sob a influência da
glorificação de Pitágoras, supunham que Prometeu, a quem Platão descreve como o
portador desse sistema para os homens, fosse Pitágoras (por exemplo, Kahn 2002:
13-14), mas a leitura cuidadosa da passagem mostra que Prometeu é apenas
Prometeu e que Platão, como Aristóteles, atribui o sistema filosófico a um
grupo de homens (Huffman 1999a, 2001). Os fragmentos de Filolau mostram que ele
era a principal figura deste grupo. Quando Platão refere-se a Filolau no
Fedo (61d-e), não o identifica como um pitagórico, de modo que, mais
uma vez, Platão concorda com Aristóteles em distanciar de Pitágoras “os assim
chamados pitagóricos” do século V. Para Platão e Aristóteles, então, Pitágoras
não é parte da tradição cosmológica e metafísica da filosofia pré-socrática nem
tem conexão próxima com o sistema metafísico apresentado pelos pitagóricos do
século V, como Filolau. É, preferencialmente, o criador de um modo de vida.
3.
Vida e Trabalhos
As
referências de Xenófanes (570-478 a.C.) e Heráclito (500 a.C.) a Pitágoras
mostram que ele era uma figura famosa no final do século VI e começo do século
V. Para obter os detalhes da sua vida temos que confiar em fontes do século IV,
como Aristoxeno, Dicearco e Timeu de Tauromênio. Há muita controvérsia sobre
sua origem e sua infância, mas há consenso de que ele cresceu na ilha de Samos,
próxima ao berço natal da filosofia grega, Mileto, na costa da Ásia Menor. Há
vários relatos de que ele viajou muito extensamente pelo Oriente Próximo –
Babilônia, Fenícia e Egito, por exemplo – enquanto vivia em Samos. Até certo
ponto, esses relatos são uma tentativa de atribuir a antiga sabedoria do
Oriente a Pitágoras, mas fontes relativamente tardias, como Heródoto (II. 81) e
Isócrates (Busiris 28), associam Pitágoras com o Egito, de forma que uma
viagem sua àquela região parece bastante plausível. Aristoxeno diz que ele
deixou Samos aos quarenta anos de idade, quando a tirania de Polícrates, que
assumiu o poder em 535 a.C., ficou insuportável (Porfírio, VP 9). Esta
cronologia sugere que ele tenha nascido em 570 a.C., e emigrado para a cidade
grega de Crotona, no sul da Itália, em 530 a.C.. Foi em Crotona que ele parece
ter atraído, pela primeira vez, um grande número de seguidores para o seu modo
vida. Há várias histórias sobre sua morte, mas as evidências mais seguras
(Aristoxeno e Dicearco) atribuem-na a violências dirigidas contra ele e seus
seguidores, em Crotona, no ano 510 a.C., talvez por causa da natureza exclusivista
do modo de vida pitagórico, o que o levou a fugir para outra cidade grega da
Itália, Metaponto, onde ele, ao redor de 490 a.C., veio a falecer (Porfírio, VP
54-7,; Jâmblico, VP 248 ff.; Na cronologia, veja Minar 1942, 133-5). Há pouco
mais sobre sua vida que seja digno de confiança.
As
evidências sugerem que Pitágoras não tenha escrito nenhum livro. Nenhuma fonte
contemporânea de Pitágoras ou dos duzentos primeiros anos após a sua morte,
inclusive Platão, Aristóteles e seus sucessores imediatos da Academia e do
Liceu, cita trabalhos de Pitágoras ou dá indicação de que existisse qualquer
texto escrito por ele. Várias fontes posteriores afirmam explicitamente que
Pitágoras não escreveu nada (por exemplo, Lucian [Deslize da Língua, 5],
Josefo, Plutarco e Posidônio em DK 14A18; veja Burkert 1972, 218-9). Diógenes
Laércio tentou questionar essa tradição citando a afirmação de Heráclito de que
“…Pitágoras, filho de Mnesarco, pesquisou a maioria dos homens e, tendo feito
uma seleção de seus escritos, os transformou em uma ciência, um saber, uma arte
do mal.” (Fr. 129). Este fragmento só mostra que Pitágoras leu o que os outros
escreveram, porém não diz nada sobre ele escrever algo de próprio punho. A
sabedoria e a arte do mal que Pitágoras constrói a partir dessas escritas não
necessariamente foram redigidas, e a descrição que Heráclito dá a ela como uma
“arte do mal” sugere bastante que não fosse isso. Na antiga tradição, vários
livros chegaram a ser atribuídos a Pitágoras, mas as evidências existentes indicam
que foram forjados em nome de Pitágoras e pertencem a um grande número de
tratados pseudo-pitagóricos falsificados em nome de pitagóricos, como Filolau e
Arquitas. No século III a.C. um conjunto de três livros circulavam em nome de
Pitágoras: Sobre Educação, Sobre Política, e Sobre Natureza (Diógenes Laércio,
VIII. 6). Uma carta de Platão para Dion pedindo que este comprasse os três
livros de Filolau foi forjada para “autenticá-los” (Burkert 1972a,
223-225). Heráclides Lembo no século II a.C.dá uma lista de seis livros
atribuídos a Pitágoras (Diógenes Laércio, VIII. 7; Thesleff 1965, 155-186
fornece uma relação completa dos escritos espúrios atribuídos a ele). O segundo
destes é umDiscurso Sagrado, que alguns quiseram vincular ao próprio
Pitágoras. A idéia de que Pitágoras escreveu tal Discurso Sagradoparece
surgir de uma interpretação errônea das evidências anteriores. Heródoto diz que
os pitagóricos concordavam com os egípcios ao não permitir o enterro do morto
envolto em lã e então afirma que há um discurso sagrado sobre isto (II. 81). O
foco de Heródoto aqui são os egípcios e não os pitagóricos – que são colocados
como um paralelo grego aos egípios – de forma que oDiscurso Sagrado ao
qual ele se refere é egípcio e não pitagórico, como mostram outras passagens em
seu Livro II (por exemplo, II. 62; veja Burkert 1972a, 219). Várias linhas em
verso hexamétrico já estavam circulando em nome de Pitágoras no século III
a.C.e foram mais tarde combinadas em uma compilação conhecida como os Versos
Dourados que marca o ápice da tradição de um Discurso Sagrado atribuído a
Pitágoras (Burkert 1972a, 219, Thesleff 1965, 158-163,; e mais recentemente
Thom 1995, embora essa datação como sendo de antes de 300 a.C. seja
questionável). A falta de qualquer texto escrito que pudesse ser atribuído a
Pitágoras é mostrada claramente pela tendência de autores posteriores em citar
Empédocles ou Platão quando precisavam fazer referência a Pitágoras (por
exemplo, Sextus Empiricus, M. IX. 126-30; Nicômaco, Introdução para Aritmética
eu. 2).
4.
A Filosofia de
Pitágoras
Pelas
razões apresentadas em 1. A Questão Pitagórica e 2.
Fontes, acima, os créditos pela filosofia de Pitágoras são baseados, em
primeiro lugar, em evidências anteriores a Aristóteles e, em segundo lugar, em
evidências que nossas fontes identificam explicitamente como sendo derivadas
dos livros de Aristóteles sobre os pitagóricos e também dos livros de seus
discípulos, como Aristoxeno e Dicearco.
4.1
O Destino da Alma – Metempsicose
As
evidências tornam claro que, acima de tudo, Pitágoras tornou-se conhecido como
um perito no destino da alma após morte. Heródoto conta a história de Zalmoxis,
o trácio, que ensinou a seus compatriotas que eles nunca morreriam mas, ao
contrário, iriam para um lugar onde possuiriam eternamente todas as coisas boas
(IV. 95). Entre os gregos, surgiu a tradição de que este Zalmoxis era o escravo
de Pitágoras. O próprio Heródoto crê que Zalmoxis viveu muito tempo antes de
Pitágoras, mas a vontade dos gregos em retratar Zalmoxis como escravo de
Pitágoras mostra que eles imaginavam Pitágoras como o perito do qual Zalmoxis
obteve seu conhecimento. Ion de Quios (séc. V a.C.) diz sobre Ferécides de
Siros: “embora morto ele tem uma vida agradável para sua alma, se é que
Pitágoras foi verdadeiramente sábio e conheceu e aprendeu a sabedoria acima de todos
os homens.” Aqui Pitágoras é tido novamente como o perito na vida da alma após
a morte.
Um
famoso fragmento de Xenófanes, contemporâneo de Pitágoras, dá informações mais
específicas sobre o que acontece à alma depois da morte. Ele relata que “uma vez,
quando ele [Pitágoras] estava presente ao espancamento de um filhote de
cachorro, ficou com pena e disse ‘pare, não bata mais, porque esta é a alma de
um homem que me foi querido, a quem reconheci quando eu ouvi o ganido’ ” (Fr.
7). Embora Xenófanes ache a idéia claramente ridícula, o fragmento mostra que
Pitágoras acreditava em metempsicose ou reencarnação, de acordo com a qual as
almas humanas renasceriam em outros animais após a morte. Esta evidência é
enfaticamente confirmada por Dicearco, no século IV, que primeiro comentou
sobre a dificuldade de determinar o que Pitágoras ensinou, afirmando então que
sua doutrina mais reconhecida era “que a alma é imortal e que transmigra em
outras espécies de animais” (Porfírio, VP 19).
Infelizmente,
nós pouco mais podemos dizer sobre os detalhes da concepção de Pitágoras sobre
a alma ou sobre metempsicose . De acordo com Heródoto, os egípcios acreditavam
que a alma renascia como qualquer tipo de animal antes de voltar à forma humana
depois de 3.000 anos. Sem citar nomes, informa que alguns gregos adotaram esta
doutrina antes e depois; isto parece muito ser uma referência a Pitágoras
(antes) e talvez Empédocles (depois). Muitos duvidam que Heródoto esteja certo
em atribuir a metempsicose aos egípcios, já que não há qualquer outra evidência
sobre as crenças egípcias que suportem esta afirmação, mas, no entanto, está
claro que nós não podemos assumir que Pitágoras conhecia os detalhes da visão
que Heródoto atribui a eles. Da mesma forma, tanto Empédocles (veja Inwood
2001, 55-68) quanto Platão (por exemplo, A República e Fedro)
fornecem um relato mais detalhado sobre transmigração das almas, mas nenhum
deles atribuem estes detalhes a Pitágoras, e nem nós devemos fazê-lo. Ele
acreditava que os humanos renasciam como plantas (Empédocles Frs. 117 e 127) e
também como animais? Simplesmente não sabemos. Ele pensava que nós poderíamos
escapar do ciclo de reencarnações? O fragmento de Íon citado acima pode querer
sugerir que a alma pudesse ter uma existência agradável depois de morte entre
reencarnações ou mesmo escapar do ciclo de reencarnações, mas as evidências são
muito fracas para acreditarmos em tal conclusão. No século IV vários autores
relatam que Pitágoras se lembrava das suas encarnações humanas anteriores, mas
os relatos não concordam nos detalhes. Dicearco (Aulo Gelio IV. 11.14) e
Heráclides (Diógenes Laércio VIII. 4) concordam que ele era o herói troiano
Euforbo em uma vida prévia. Dicearco provavelmente está fazendo troça quando
sugere que Pitágoras em outra encarnação era Alco, a bela prostituta.
A
transmigração não requer que a alma seja imortal; ela poderia passar por várias
encarnações antes de perecer. Entretanto, Dicearco diz explicitamente que
Pitágoras considerava a alma imortal, e isso concorda com a descrição de
Heródoto sobre a visão de Zalmoxis. Não está claro como Pitágoras concebeu a
natureza da alma transmigrante. Sua habilidade de reconhecer algo que lembrava
o amigo no filhote de cachorro (se isto não é levar muito longe uma
brincadeira) e de se lembrar das próprias vidas anteriores mostra que a
identidade pessoal foi preservada ao longo das encarnações. É crucial
reconhecer que a maioria dos gregos seguiu Homero, acreditando que a alma era
uma sombra insubstancial que vivia uma existência sombria no subterrâneo do
mundo depois da morte, uma existência tão desolada que Aquiles afirmou que
preferiria ser o menor dos mortais na Terra do que o rei dos mortos (Homero,
Odisséia IX. 489). Os ensinamentos de Pitágoras de que a alma era imortal,
teria outras encarnações físicas e poderia ter uma existência boa depois de
morte eram inovações notáveis que devem ter tido atração considerável em
comparação com a visão homérica. De acordo com Dicearco, além da imortalidade
da alma e reencarnação, Pitágoras acreditava que “depois de certos períodos de
tempo as coisas que aconteceram uma vez acontecerão novamente e que nada é
absolutamente novo” (Porfírio, VP 19). Esta doutrina do “eterno retorno” também
é atestada pelo aluno de Aristóteles, Eudemo (Fr. 88 Wehrli). Assim, a doutrina
de transmigração parece ter sido estendida para incluir a idéia de que nós, e o
mundo todo, renasceremos em vidas que são exatamente iguais a essa que estamos
vivendo e às já vivemos.
4.2
Pitágoras como um operador de milagres
Alguns
quiseram associar as características mais milagrosas dapersonagem Pitágoras
à tradição mais recente, mas estas características figuram principalmente nas
evidências mais antigas e são, assim, centrais para o entendimento de
Pitágoras. Aristóteles enfatizou sua natureza sobre-humana da seguinte maneira:
-
havia uma história que dizia que Pitágoras tinha uma coxa dourada
(um sinal de divindade);
-
as pessoas de Crotona o chamaram de Apolo Hiperbóreo (uma das
manifestações do deus Apolo);
-
os pitagóricos ensinavam que “dos seres racionais, um tipo é
divino, um é humano, e outro como Pitágoras” (Jâmblico, VP 31);
-
que Pitágoras foi visto ao mesmo tempo, no mesmo dia, no Metaponto
e em Crotona;
-
que ele matou uma cobra venenosa com uma mordida;
-
que quando ele estava cruzando um rio, o rio falou com ele (todas
as citações são de Aristóteles, Fr. 191, a menos que contenham outra
referência).
Há
um claro paralelo para estas habilidades notáveis na figura de Empédocles, que
prometia ensinar seus alunos a controlar os ventos e devolver os mortos à vida
(Fr. 111).
Existem
traços reconhecíveis desta tradição sobre Pitágoras mesmo nas evidências
pré-aristotélicas, e seus milagres suscitam reações diametralmente opostas. A
descrição de que Heráclito faz de Pitágoras como “o chefe dos charlatões” (Fr.
81) e de sua sabedoria como “arte fraudulenta” (Fr. 129) é facilmente
compreensível como uma referência insensível aos seus milagres. Por outro lado,
Empédocles é claramente simpatizante de Pitágoras, e o descreve como “um homem
que conheceu coisas notáveis” e que “possuiu a maior riqueza intelectual” e,
novamente, faz uma provável referência aos seus milagres chamando-o “completo
em todos os tipos de proezas sábias” (Fr. 129). No relato de Heródoto, Zalmoxis
tentou ganhar a autoria dos ensinamentos sobre o destino da alma reivindicando
ter viajado para o outro mundo (IV. 95). A tradição cética representada no
relato de Heródoto trata isto como um ardil da parte de Zalmoxis; ele não tinha
viajado para o outro mundo, mas tinha, na realidade, estado escondido em uma
habitação subterrânea durante três anos. Semelhantemente, Pitágoras pode ter
reivindicado autoridade sobre seus ensinamentos referentes ao destino das almas
com base em suas habilidades e experiências notáveis, e há evidências de que
ele também reivindicava ter viajado ao mundo subterrâneo e que esta viagem pode
ter sido transferida de Pitágoras a Zalmoxis (Burkert 1972a,154 ff.).
4.3
O modo de vida pitagórico
Os
testemunhos de Platão (R. 600a) e Isócrates (Busiris 28) mostram que Pitágoras
era acima de tudo famoso por ter legado um modo de vida que ainda tinha
seguidores no século IV, mais de 100 anos depois de sua morte. É plausível
assumir que muitas das características deste modo de vida tenham sido
planejadas para assegurar as melhores reencarnações possíveis, mas é importante
lembrar que nada nas evidências mais antigas conecta o modo de vida às
reencarnações. As convicções de Pitágoras sobre a alma e o seu modo de vida,
abaixo descritas, mostra semelhanças interessantes com um movimento religioso
grego conhecido como Orfismo, mas as evidências sobre o Orfismo são pelo menos
tão complicadas quanto as sobre Pitágoras e complicam em lugar de esclarecer
(para discussão detalhada, veja Burkert 1972a, 125 ff.; Kahn 2002, 19-22,;
Riedweg 2002).
Uma
das mais claras dentre as antigas evidências sobre Pitágoras é o seu
conhecimento a respeito de rituais religiosos. Isócrates enfatiza que “ele,
mais atentamente que outros, prestava atenção aos sacrifícios e rituais em
templos” (Busiris 28). Heródoto descreve práticas pitagóricas como “rituais” e
dá como exemplo que o pitagóricos concordam com os egípcios ao não permitirem
enterrar os mortos em lã (II. 81). Não é surpreendente que Pitágoras, como
perito nos destinos da alma depois de morte, também fosse um perito nos rituais
religiosos relacionados à morte. Uma parte significativa do modo de pitagórico
de vida consistia, assim, na própria observância do ritual religioso. Uma peça
importante como evidência dessa ênfase no ritual é oacusmata (“coisas
ouvidas”), máximas curtas que eram ministradas oralmente. A fonte mais antiga a
citar os acusmata é Aristóteles, nos fragmentos do agora
perdido tratado sobre pitagóricos. Nem sempre é possível ter certeza sobre
quais dosacusmata citados na tradição posterior são de Aristóteles
e o quais os de Pitágoras. A maioria dos exemplos de Jâmblico nas seções 82-86
de Sobre a Vida Pitagórica, porém, parecem derivar de Aristóteles
(Burkert 1972a, 166 ff.), e muitos estão de acordo com as evidências que temos
sobre o interesse de Pitágoras em rituais. Assim, os acusmata aconselham
aos pitagóricos que façam libações aos deuses segurando a asa da xícara,
evitando assim usar imagens dos deuses em seus dedos, que não sacrifiquem galos
brancos, e que façam sacrifícios e entrem no templo descalços. Várias destas
práticas tinham paralelo nas religiões de mistério gregas da época (Burkert
1972a, 177).
Uma
segunda característica do modo pitagórico de vida era a ênfase em restrições dietéticas.
Não há nenhuma prova direta destas restrições nas evidências pré-aristotélicas,
mas Aristóteles e Aristoxeno as discutem extensivamente. Infelizmente, as
evidências são contraditórias e é difícil estabelecer qualquer ponto com
certeza. Pode-se assumir que Pitágoras defendia o vegetarianismo com base em
sua convicção sobre a metempsicose, como fez Empédocles depois dele (Fr. 137).
Realmente, o matemático e filósofo do século IV, Eudoxo, diz que “ele não só se
privou de comida animal, mas, também, não ficava perto dos açougueiros e
caçadores” (Porfírio, VP 7). De acordo com Dicearco, uma das doutrinas mais
famosas de Pitágoras era que “todos os seres animados são da mesma família”
(Porfírio, VP 19) o que sugere que deveríamos hesitar tanto em comer outros
animais quanto outros humanos. Infelizmente, Aristóteles informa que “os
pitagóricos se abstêm de comer o útero e o coração, a anêmona-do-mar e algumas
outras coisas, mas usam todos os outros alimentos de origem animal” (Aulo Gelio
IV. 11. 11-12). Isso faz parecer que Pitágoras proibia a ingestão de apenas
certas partes de animais de certas espécies; tais proibições específicas são de
fácil comparação com outros rituais gregos (Burkert 1972a, 177). Aristoxeno só
afirma que Pitágoras recusava-se a comer bois e carneiros (Diógenes Laércio
VIII. 20) e que ele era um apaixonado pelos cabritos jovens e porcos lactentes
como alimento (Aulo Gelio IV. 11. 6). Alguns tentaram argumentar que Aristoxeno
tenta remodelar o pitagorismo a fim de fazê-lo mais racional, mas isso não
explica o testemunho de Aristóteles ou muitos dos acusmata.
Certamente
o sacrifício animal era o ato central da prática religiosa grega e abolí-lo
completamente seria um passo radical. Oacusma relatado por
Aristóteles, em resposta à pergunta “o que é mais justo”?” tem, como resposta
de Pitágoras, “sacrificar” (Jâmblico, VP 82). Baseando-nos nas evidências
diretas sobre as práticas de Pitágoras mencionadas por Aristóteles e
Aristoxeno, parece muito prudente concluir que ele não proibia a ingestão de
qualquer comida animal. A tradição posterior propõe várias maneiras para
conciliar a metempsicose com a ingestão de carne. Pitágoras pode ter adotado
uma dessas posições, mas nenhuma certeza é possível. Por exemplo, ele pode ter
argumentado que era legítimo matar e comer animais sacrificiais, posto que as
almas dos homens não entrariam nestes animais (Jâmblico, VP 85). Talvez a mais
famosa das restrições dietéticas pitagóricas seja a proibição de comer grãos
que é atestada primeiro por Aristóteles e atribuída ao próprio Pitágoras
(Diógenes Laércio VIII. 34). Aristóteles sugere várias explicações que incluem
uma que associa os grãos com Hades, consequentemente sugerindo uma possível
conexão com a doutrina da metempsicose . Várias fontes posteriores indicam que
se acreditava que as almas voltariam à Terra para ser reencarnadas em grãos
(Burkert 1972a, 183). Também há uma explicação fisiológica. Grãos que são
difíceis de digerir perturbam nossa capacidade de concentração. Além disso, os
grãos mencionados são um tipo de ervilha européia (Vicia faba) e não os
grãos geralmente comidos hoje. Certas pessoas com uma anormalidade de sanguínea
congênita desenvolvem uma disfunção séria chamada favismo, caso comam estes
grãos ou mesmo inalem seu pólen. Aristoxeno nega de forma interessante que
Pitágoras proibisse a ingestão de grãos e diz que “ele valorizava a maioria dos
vegetais, desde que fossem digestíveis e laxativos” (Aulo Gelio IV. 11.5). As
discrepâncias entre os vários relatos do século IV sobre o modo pitagórico de
vida sugerem que havia divergências entre o que os pitagóricos da época
julgavam ser um modo de vida apropriado e ensinamentos do próprio Pitágoras.
Os acusmata indicam
que o modo de vida pitagórico encarnava um rígido regime relativo não apenas ao
ritual religioso e à dieta, mas a quase todos os aspectos da vida. Algumas das
restrições parecem ser tabus profundamente arbitrários, por exemplo, “a pessoa
tem que calçar primeiro o sapato direito” ou “a pessoa não deve viajar em
estradas públicas” (Jâmblico, VP 83, provavelmente de Aristóteles). Por outro
lado, alguns aspectos da vida de pitagórica envolveram uma disciplina moral
muito admirada, até mesmo por estranhos. O silêncio pitagórico é um exemplo
importante. Isócrates relata que mesmo no século IV as pessoas “se maravilhavam
mais com o silêncio daqueles que professavam ser seus seguidores do que aqueles
que tinham grande reputação como oradores” (Busiris 28). A capacidade de
permanecer calado era vista como um treinamento importante em autocontrole, e
os relatos das tradições posteriores mencionam que os que quisessem se tornar
pitagóricos tinham que observar silêncio por cinco anos (Jâmblico, VP 72).
Isócrates contrasta o maravilhoso autocontrole do silêncio pitagórico com a
ênfase à oratória pública na educação grega tradicional. Os pitagóricos também
exibiam grande lealdade entre si, como pode ser visto na história de Aristoxeno
sobre Damon, que se dispõe a dar sua liberdade em benefício do amigo Fíntias
que foi condenado à morte (Jâmblico, VP 233 ff.).
Além
do silêncio como disciplina moral, há evidências mais antigas de que era
guardado segredo sobre certos ensinamentos de Pitágoras. Aristoxeno relata que
os pitagóricos pensavam que “nem tudo pode ser dito a todas as pessoas”
(Diógenes Laércio, VIII. 15) e Dicearco lamenta que não é fácil dizer o que
Pitágoras ensinava aos seus discípulos porque eles observaram um silêncio
incomum sobre isso (Porfírio, VP 19). Realmente, era de se esperar que uma
sociedade exclusiva como a do pitagóricos tivesse símbolos e doutrinas
secretos. Aristóteles diz que os pitagóricos “guardavam, entre os seus
aprendizados muito secretos, que um tipo de ser racional é divino, um é humano
e um é como Pitágoras” (Jâmblico, VP 31). Não é surpreendente que houvesse
ensinamentos secretos sobre a natureza especial e a autoridade do mestre.
Porém, isso não significa que toda a filosofia pitagórica era secreta.
Aristóteles discute o sistema metafísico de Filolau, do século V, em algum
detalhe, sem sugerir que houvesse qualquer coisa de secreto sobre ele, e a
discussão de Platão sobre teoria harmônica pitagórica no Livro VII da República não
dá qualquer indício de que haja um segredo. Aristóteles escolhe o acusmacitado
acima (Jâmblico, VP 31) como secreto, mas esta declaração em si mesmo insinua
que outros não eram. A idéia de que todos os ensinamentos de Pitágoras eram
secretos era usada na tradição posterior para explicar a falta de escritos
pitagóricos e tentar validar documentos forjados como se fossem tratados
secretos recém descobertos.
O
testemunho de autores do século IV, como Aristoxeno e Dicearco, indica que os
pitagóricos também tiveram um papel importante na política e na sociedade das
cidades gregas do sul da Itália. Relata Dicearco que, na sua chegada a Crotona,
Pitágoras fez um discurso aos anciões e que os líderes da cidade lhe pediram
então que falasse com os jovens, os meninos e as mulheres (Porfírio, VP 18). As
mulheres, realmente, podem ter desempenhado um papel extraordinariamente
importante no pitagorismo, uma vez que Timeu e Dicearco descrevem a fama das
mulheres pitagóricas, inclusive da filha de Pitágoras (Porfírio, VP 4 e 19). Os acusmata ensinam
os homens a honrar suas esposas e a gerar crianças para assegurar a adoração
aos deuses (Jâmblico, VP 84-6).
Dicearco
diz que os ensinamentos de Pitágoras eram desconhecidos, e, conseqüentemente,
ele não poderia ter conhecido o conteúdo das falas às mulheres ou de quaisquer
outras falas; as falas apresentadas em Jâmblico (VP 37-57) são, assim,
prováveis falsificações posteriores (Burkert 1972a, 115). Os ataques aos
pitagóricos tanto nos próprios dias de Pitágoras como em meados do século V são
apresentados por Dicearco e Aristoxeno como tendo um grande impacto na
sociedade grega do sul da Itália; o historiador Políbio (II. 39) relata que a
morte dos pitagóricos significou que “os cidadãos líderes de cada cidade foram
destruídos”, o que indica claramente que muitos pitagóricos ocupavam posições
como autoridades políticas. Por outro lado, deve-se notar que o Platão
apresenta Pitágoras explicitamente mais como uma personalidade privada do que
pública (R. 600a). Parece mais provável que as sociedades pitagóricas fossem,
em essência, associações privadas, mas que elas também podiam funcionar como
clubes políticos, ainda que não fossem um partido político no sentido moderno;
Seu impacto político talvez pudesse ser melhor comparado a organizações
fraternais modernas como a dos maçons. Veja Burkert 1972a adicional, 115 ff.,
von Fritz 1940, e Minar 1942.
5.
Pitágoras era
Matemático ou Cosmólogo?
No
mundo moderno Pitágoras é, acima de tudo, famoso pela matemática,
principalmente em decorrência do teorema que leva seu nome, e, secundariamente,
como um cosmólogo, por causa da visão notável a respeito do universo atribuída
a ele pela tradição posterior, segundo a qual os corpos celestes produzem “a
música das esferas” pelos seus movimentos.
Deveria
estar claro da discussão acima que, enquanto as evidências mais recentes
mostram que Pitágoras realmente foi um dos mais famosos pensadores gregos, não
há qualquer indicação naquelas evidências de que sua fama fosse devida
principalmente à matemática ou cosmologia. Nem Platão nem Aristóteles dizem que
Pitágoras contribuíu para o desenvolvimento da cosmologia pré-socrática, embora
Aristóteles em particular discuta o tópico em algum detalhe no primeiro livro
das Metafísicas e em outros lugares. Aristóteles evidentemente não conhece
qualquer cosmologia de Pitágoras que seja anterior ao sistema cosmológico dos
“assim chamados pitagóricos” que ele data da metade do século V e que é achado
nos fragmentos de Filolau. Também não há menção a trabalhos de Pitágoras em
geometria ou do teorema pitagórico nas evidências posteriores. Dicearco comenta
que “o que ele disse aos seus adeptos ninguém sabe com certeza”, entretanto
identifica quatro doutrinas que eram bem conhecidas:
1)
que a alma é imortal;
2)
que transmigra em outros tipos de animais;
3)
que depois de certos intervalos acontecem novamente as coisas que já
aconteceram uma vez, de forma que nada é completamente novo;
4)
que todos os seres animados pertencem à mesma família (Porfírio, VP 19).
Assim,
para Dicearco também, não é como matemático ou escritor pré-socrático sobre a
natureza que Pitágoras é famoso.
Não
é de surpreender que Platão, Aristóteles e Dicearco não mencionem os trabalhos
de Pitágoras sobre matemática, já que seus relatos não versam sobre a história
da matemática. Por outro lado, Eudemo, aluno de Aristóteles, escreveu uma
história de geometria no século IV e o que nós encontramos em seus relatos é
muito significativo. Uma parte importante da avaliação de Eudemo sobre a
história da geometria grega está preservada no prólogo ao comentário de Proclo
no Livro Um dos Elementos de Euclides (pág. 65, 12 ff.) que
foi escrito muito depois, no século V d.C. À primeira vista, parece que Eudemo
reservava para Pitágoras um lugar de destaque na história de geometria. Eudemo
é citado como tendo começado por Tales e uma figura obscura chamada Mamerco,
mas a terceira pessoa mencionada por Proclo nesta relação é Pitágoras,
imediatamente antes de Anaxágoras. Não é feita nenhuma menção ao teorema
pitagórico, mas Pitágoras é citado por ter transformado a filosofia da
geometria em uma forma de educação liberal, por ter seus teoremas investigados
de um modo imaterial e intelectual e, especificamente, por ter descoberto o
estudo de magnitudes irracionais e a construção de cinco sólidos regulares.
Infelizmente, um exame mais acurado da seção sobre Pitágoras no prólogo de
Proclo, revela inúmeras dificuldades e mostra que elas não vêm de Eudemo, mas
de Jâmblico, com algumas adições pelo próprio Proclo (Burkert 1972a, 409 ff.).
A primeira cláusula é tirada, palavra por palavra, de Jâmblico em Sobre
a Ciência Matemática Comum (pág. 70.1 Festa). Proclo em outros textos
cita longas passagens de Jâmblico e faz o mesmo aqui. Como Burkert ressalta,
porém, na medida em que nós reconhecemos que Proclo inseriu uma passagem de
Jâmblico na história de Eudemo, também temos que reconhecer que Proclo foi
levado a fazê-lo pela ausência de qualquer menção a Pitágoras em Eudemo. Assim,
não somente Pitágoras não era geralmente conhecido como um geômetra no tempo de
Platão e Aristóteles, mas também os mais autorizados historiadores da geometria
grega não lhe atribuem nenhum papel na história de geometria. De acordo com
Proclo, Eudemo relatou duas proposições que depois seriam encontradas nos Elementos de
Euclides e que eram descobertas dos pitagóricos (Proclo 379 e 419).
Eudemo não atribui as descobertas a qualquer pitagórico específico, e eles são
difíceis de serem datados. As descobertas poderiam já estar em Hipaso em meados
do século V, que é associado com o grupo de pitagóricos conhecidos como osmathematici, que
surgiu depois da morte de Pitágoras (veja abaixo). O ponto crucial a notar é
que Eudemo não atribui estas descobertas ao próprio Pitágoras. O primeiro
pitagórico a quem, a rigor, podemos identificar como um real matemático, é
Arquitas no final do século V e primeira metade do século IV.
Podemos,
então, concluir que Pitágoras não teve nada a ver com a matemática ou com a
cosmologia? As evidências não são assim tão simples. A tradição relativa à
conexão de Pitágoras com o teorema pitagórico revela a complexidade do
problema. Nenhuma das fontes anteriores, inclusive Platão, Aristóteles e seus
seguidores mostram qualquer conhecimento da conexão de Pitágoras com teorema.
Quase mil anos depois, no século V d.C., Proclo, no seu comentário sobre a
demostração que Euclides faz do teorema (Elementos I. 47), relata o seguinte:
“Se nós escutarmos aqueles que desejam investigar a história antiga, é possível
achá-los voltando até Pitágoras e dizendo que ele sacrificou um boi pela sua
descoberta” (426.6). Proclo não dá qualquer indicação das suas fontes, mas
vários outros relatos posteriores (Diógenes Laércio VIII. 12; Ateneu 418f;
Plutarco, Moralia 1094b) mostram que confiou em duas linhas do verso cujo
contexto é desconhecido: “Quando Pitágoras achou aquele diagrama famoso, em
honra do qual ele ofereceu um glorioso sacrifício de bois…” O autor destes
versos é identificado como Apolodoro, o calculista, ou como Apolodoro, o
aritmético. Este Apolodoro provavelmente é anterior a Cícero, que alude à mesma
história (Sobre a Natureza dos Deuses III. 88), e, caso ele pudesse
ser identificado como Apolodoro de Cízico, seguidor de Demócrito, a história
voltaria ao século IV a.C.(Burkert 1972a, 428). Duas linhas de poesia de data
indeterminada são obviamente um apoio muito frágil para que nele se apoie a
reputação de Pitágoras como geômetra, mas elas não podem simplesmente ser
ignoradas. Várias coisas precisam ser notadas sobre esta tradição, porém,
para que se entenda sua verdadeira significação. Primeiro, Proclo não
atribui a prova do teorema a Pitágoras, mas vai adiante para contrastar
Pitágoras como um daqueles “sabedores da verdade do teorema” com Euclides, que
não só deu a prova achada nos Elementos I.47, mas também uma
prova mais geral em VI. 31. Embora vários estudiosos modernos tenham especulado
sobre o tipo de prova que Pitágoras poderia ter usado (por exemplo, Heath 1956,
352 ff.), é importante notar que não há qualquer evidência de uma prova
realizada por Pitágoras; o que nós conhecemos da história da geometria grega
torna tal realização por Pitágoras improvável, já que o primeiro trabalho sobre
elementos de geometria para o qual uma prova rigorosa seria desenvolvida, foi
realizado por Hipócrates de Quios, que viveu depois de Pitágoras, no final do
século V(Proclo, Um Comentário sobre o Primeiro Livro dosElementos de
Euclides , 66). Tudo que esta tradição atribui a Pitágoras, então, é a
descoberta da verdade contida no teorema. A verdade é que pode não existir uma
fórmula geral, mas sim uma forma focada no mais simples retângulo (com lados 3,
4 e 5), mostrando que aquele triângulo e todos os demais semelhantes a ele
terão um ângulo reto. Além disso, os estudiosos modernos mostraram que a
verdade sobre o teorema como uma técnica aritmética, embora sem provas, era
conhecida antes de Pitágoras pelos babilônios (Burkert 1972a, 429). Assim, é
possível que Pitágoras tenha repassado para os gregos uma verdade que aprendeu
no Oriente. A ênfase das duas linhas do verso não está só na descoberta de
Pitágoras sobre a verdade do teorema, mas sim no sacrifício de bois em louvor à
descoberta. Podemos imaginar que o sacrifício não foi de um único boi;
Apolodoro o descreve como “um famoso sacrifício de bois” e Diógenes Laércio o
parafraseia como uma hecatombe que não precisa ser como diz, literalmente, “cem
bois”, mas ainda assim sugere um grande número. Alguns quiseram duvidar
da história toda, inclusive da descoberta do teorema, porque conflita com o
suposto vegetarianismo de Pitágoras, mas está longe de ficar claro até que
ponto ele era vegetariano (veja acima). Se é que a história tem sustentação e
se datar, de fato, do século IV, mostra que Pitágoras era famoso por alguns
conhecimentos geométricos, mas mostra que ele era também famoso por sua reação
entusiástica à descoberta daquele conhecimento, como ficou comprovado pelo
sacrifício dos bois. O que emerge desta evidência, então, não é Pitágoras como
o mestre geômetra que provê provas rigorosas, mas Pitágoras como alguém que
reconhece e celebra a grande importância de certas relações geométricas.
Parece
que um quadro bem similar de Pitágoras surge das evidências sobre sua
cosmologia. Uma descoberta famosa é atribuída a Pitágoras na tradição
posterior, ou seja, que os acordes musicais centrais (a oitava, a quinta e a
quarta) correspondem ao número inteiro proporções 2:1, 3:2 e 4:3
respectivamente (por exemplo, Nicômaco, Manual 6 = Jâmblico, Sobre
a Vida Pitagórica 115). A única fonte antiga a atribuir esta
descoberta a Pitágoras é Xenócrates (Fr. 9) na antiga Academia, mas a antiga
Academia é justamente a fonte de exageros da tradição posterior (veja acima).
Há uma história que conta que Pitágoras passava pela loja de um ferreiro quando
ouviu acordes dos sons emitidos pelos martelos que golpeavam a bigorna, e
descobriu então que os sons provocados pelos martelos cujos pesos estavam na
relação 2:1 eram uma oitava à parte, etc. Infelizmente, as histórias da
descoberta dessas relações por Pitágoras são claramente falsas, já que as
técnicas relatadas nestas histórias não funcionam (por exemplo, o diapasão dos
sons produzidos por martelos não é diretamente proporcional ao seus pesos: veja
Burkert 1972a, 375). Uma experiência atribuída a Hipaso, que viveu na primeira
metade do século V, depois da morte de Pitágoras, teria funcionado, e assim
podemos traçar a verificação científica da descoberta pelo menos até Hipaso. O
conhecimento das relações entre os números inteiros e os acordes consta
claramente dos fragmentos de Filolau (Fr. 6a, Huffman), na segunda metade do
século V. Há algumas evidências de que a relação já era conhecida por Laso,
contemporâneo de Pitágoras, que não era um pitagórico (Burkert 1972a, 377).
Mais uma vez, pode ser que Pitágoras conhecesse a relação sem que a tivesse
descoberto ou demonstrado cientificamente. Os acusmata descritos
por Aristóteles, que podem ir até Pitágoras, contêm a seguinte pergunta e
resposta: “O que é o oráculo de Delfos? O tetraktys que é a
harmonia na qual as Sereias cantam” (Jâmblico, Sobre a Vida Pitagórica, 82,
provavelmente derivado de Aristóteles). Atetraktys , literalmente
“os quatro”, refere-se aos primeiros quatro números (1,2,3 e 4) que, quando
somados, totalizam dez, que era tido como o número perfeito no pitagorismo do
século V. Aqui nosacusmata, estes quatro números são identificados com
uma das fontes primárias de sabedoria no mundo grego, o oráculo de Delfos. Na
tradição posterior, a tetraktys é tratada como o resumo
de toda a sabedoria pitagórica, tanto que os pitagóricos faziam juramento por
Pitágoras exaltando-o como “o que passou atetraktys para a
nossa geração.”. A tetraktys pode ser relacionada à música que
as sereias cantam na medida em que todas as proporções que correspondem, na
música, aos acordes básicos (oitava, quinta e quarta) podem ser expressas como
relações dos quatro primeiros números inteiros. Este acusma parece
estar baseado no conhecimento da relação entre os acordes e as proporções de
números inteiros.
O
quadro de Pitágoras que emerge das evidências não é o de um matemático que
ofereceu provas rigorosas ou de um cientista que levou a cabo experiências para
descobrir a natureza do mundo natural, mas sim de alguém que vê significados
especiais e que atribui relevância às relações matemáticas que eram de
conhecimento geral. Este é o contexto no qual se deve entender a observação de
Aristoxeno de que “Pitágoras, acima de tudo, parece ter honrado e avançado no
estudo dos números, mantendo-os à parte da utilização que lhes era dada pelos
comerciantes e comparando todas as coisas a números” (Fr. 23, Wehrli).
Poder-se-ia supor que esta é uma referência a uma dedicação rigorosa à
aritmética, como a suposta por Becker (1936), que defendia que Euclides IX.
21-34 era um caso isolado que representava uma teoria dedutiva dos números
pares e ímpares desenvolvida pelos pitagóricos (veja Mueller 1997, 296 ff. e
Burkert 1972a, 434 ff.). É crucial reconhecer, porém, que qualquer que seja a
plausibilidade da reconstrução de Becker referente ao sistema dedutivo, nenhuma
fonte antiga o atribui aos pitagóricos, nem muito menos ao próprio Pitágoras.
Além disso, não há menção a provas matemáticas ou um sistema dedutivo na
passagem de Aristoxeno citada. Pitágoras é conhecido pelo louvor aos
números, por tirá-los do reino prático do comércio e, além disso, por apontar
as correspondências entre o comportamento dos números e o comportamento das
coisas. Tais correspondências foram destacadas no livro de Aristóteles sobre os
pitagóricos, por exemplo, a fêmea é associada ao número dois e o macho ao
número três e a soma, cinco, é comparada ao casamento (Aristóteles, Fr. 203).
Estes três números compõem, é claro, o mais básico dos triângulos
‘pitagóricos’, onde a hipotenusa é cinco e os catetos são quatro e três.
Qual
era então a natureza do cosmos de Pitágoras? Alguns estudiosos (por exemplo,
Zhmud 1997, 2003) apontam para a tradição doxográfica que relata que Pitágoras
descobriu a esfericidade da Terra, as cinco zonas celestiais e a identidade da
estrela d’alva e do anoitecer (Diógenes Laércio VIII. 48, Aécio III.14.1,
Diógenes Laércio IX. 23). Em cada caso, porém, Burkert mostrou que estes
relatos parecem ser falsos e resultaram na glorificação de Pitágoras pela
tradição posterior, já que as evidências mais antigas e mais seguras atribuem
estas mesmas descobertas a outra pessoa (1972a, 303 ff.). Assim, Teofrasto, que
é a base principal da tradição doxográfica, diz que foi Parmênides que
descobriu a esfericidade da Terra (Diógenes Laércio VIII. 48). Parmênides
também é identificado como o descobridor da identidade da estrela da manhã e do
anoitecer (Diógenes Laércio IX. 23), e a atribuição dessas coisas a Pitágoras
parece estar baseada em um poema forjado em seu nome que já havia sido
rejeitado por Calímaco, no século III a.C.(Burkert 1972a, 307). A identificação
das cinco zonas celestiais depende da descoberta da obliqüidade da eclíptica, e
alguns dos doxógrafos também atribuem esta descoberta a Pitágoras e alegam que
Enópides a roubou dele (Aécio II.12.2). A história da astronomia de
Eudemo, discípulo de Aristóteles, nossa fonte mais segura, parece, no entanto,
atribuir a descoberta a Enópides (há problemas com o texto) (Eudemo, Fr.
145 Wehrli). Parece que, não tendo a tradição posterior encontrado nenhuma
evidência para a cosmologia de Pitágoras nas evidências antigas, atribuiu as
descobertas de Parmênides a Pitágoras, encorajada por tradições que faziam de
Parmênides um de seus discípulos. A conclusão é que não há quaisquer provas
para a cosmologia de Pitágoras nas evidências antigas, além das que podem ser
reconstituídas dos acusmata. Como foi mostrado acima, Pitágoras via
o cosmos estruturado de acordo com o número pelo fato da tetraktys ser
a fonte de toda a sabedoria. O seu cosmos também era investido de uma
significação moral que está de acordo com suas convicções sobre a reencarnação
e o destino da alma. Assim, em resposta à pergunta “o que são as Ilhas de
Blest?“ (onde nós esperaríamos poder ir se vivêssemos uma vida boa), a resposta
é “o Sol e a Lua”. Novamente “os planetas são os cães de caça de Perséfone”,
isto é, os planetas são os agentes da vingança para as injustiças cometidas
(Aristóteles, em Porfírio VP 41). Aristóteles relata, similarmente, que para os
pitagóricos os trovões “são uma ameaça àqueles em Tártaro[1],
de forma que eles terão medo (Analíticos94b) e outro acusma diz
que “um terremoto em nada é diferente de uma reunião dos mortos” (Eliano,
Miscelânea Histórica, IV. 17). O cosmos de Pitágoras incluia relações
matemáticas que tinham uma base na realidade e as combinavam com idéias morais
associadas ao destino das almas. A importância que Pitágoras dava ao cosmos
pode ser avaliada, por analogia, em alguns dos mitos que aparecem ao final dos
diálogos platônicos como Fedo, Gorgias ou A
República, onde a cosmologia tem um propósito principalmente moral. Será
que a doutrina da harmonia das esferas deve ser atribuída a Pitágoras?
Certamente o acusmaque fala das sereias que cantam na harmonia
representada pelatetraktys sugere que poderia ter existido uma
música cósmica e que Pitágoras bem pode ter pensado que os corpos celestes que
nós vemos em movimento no céu noturno produziam música ao se movimentar. Por
outro lado, não há nenhuma prova para “as esferas”, se nós pensarmos nisso como
um modelo cósmico no qual cada um dos corpos celestes está associado a uma
série de órbitas circulares concêntricas, e que, pelo menos em parte, é projetado
para explicar os fenômenos celestes. O primeiro modelo cósmico assim, na
tradição pitagórica, foi o de Filolau, por volta da segunda metade do
século V, e que ainda mostrava rastros da conexão com o cosmos moral de
Pitágoras sob a forma da contra-terra e do fogo central (veja Filolau).
Se
Pitágoras fosse principalmente uma figura de significância religiosa e ética
que deixou atrás de si um modo de vida e para quem o número e a cosmologia
tinham significado principalmente religioso e moral neste contexto, como
explicar o destaque dado ao rigor matemático e à cosmologia matemática pelos
pitagóricos anteriores como Filolau e Arquitas? É importante notar que isso não
é só uma pergunta feita por estudiosos modernos; ela já era uma pergunta
central no século IV a.C.. Qual é a conexão entre Pitágoras e os pitagóricos do
século V? A pergunta está implícita na descrição de Aristóteles sobre os
pitagóricos do século V, como Filolau e “os assim chamados pitagóricos”.
Compreende-se esta expressão como a expressão do reconhecimento de Aristóteles
de que estas pessoas foram chamadas de pitagóricos e, ao mesmo tempo, a
perplexidade dele sobre qual a conexão que poderia haver entre o realizador de
milagres que proferiu os acusmata – que suas pesquisas mostram
ter sido Pitágoras – e a filosofia de limitadores e ilimitados colocada
depois, pelo pitagorismo do século V. A tradição que fala sobre uma divisão, no
século V, entre dois grupos de pitagóricos, os mathematici e o acusmatici,
apontam para a mesma perplexidade. As evidências dessa divisão são bastante
confusas na tradição anterior, mas Burkert (1972a, 192 ff.) mostrou que o
original e a maior parte dos relatos objetivos sobre tal divisão é achada em
uma passagem do livro de Aristóteles sobre pitagóricos que é preservada
em Jâmblico (Sobre a Ciência Matemática Comum, 76.19 ff).
Os acusmatici, que
estão claramente associados aos acusmata,são reconhecidos pelo
outro grupo, os mathematici, como pitagóricos genuínos, mas o acusmatici não
consideram a filosofia dos mathematici como sendo derivada de
Pitágoras, mas sim de Hipaso. Os mathematici parecem ter
defendido que, enquanto oacusmatici eram “naturalmente”
pitagóricos, os mathematicieram “verdadeiramente” pitagóricos;
Pitágoras deu os acusmataàqueles que não tinham tempo para estudar
as ciências matemáticas, de forma a que eles tivessem pelo menos orientação
moral, enquanto para aqueles que tinham tempo para se dedicar completamente ao
pitagorismo ele deu treinamento nas ciências matemáticas, o que explica
as razões para esta orientação. Essa tradição mostra, assim, que todos
concordavam que os acusmatarepresentavam o ensinamento de
Pitágoras, mas que alguns consideravam o trabalho matemático associado aos mathematicicomo
não sendo derivados do próprio Pitágoras, mas de Hipaso. Para os gregos do
século IV como para os estudiosos modernos, a pergunta que fica é se o lado
matemático e científico do pitagorismo posterior derivou ou não de Pitágoras.
Se não havia nenhum modo racional para entender como o pitagorismo posterior
poderia ter surgido do pitagorismo dos acusmata, o quebra-cabeça da
relação de Pitágoras com a tradição posterior seria insolúvel. Porém, o cosmos
dos acusmata mostra uma crença em um mundo estruturado de
acordo com a matemática, e algumas das evidências para essa crença podem ter
sido tiradas de verdades matemáticas genuínas, como as contidas no teorema
“pitagórico” e na relação das proporções entre números inteiros e acordes
musicais. Mesmo que o cosmos de Pitágoras tivesse significância apenas moral e
simbólica, estas linhas de verdades matemáticas que nele foram tecidas
proveriam as sementes das quais o pitagorismo posterior germinou. O cosmos de
Filolau e o seu sistema metafísico, nos quais todas as coisas surgem de
limitadores e ilimitados e são conhecidas por meio de números, não são roubados
de Pitágoras. Eles embutem uma concepção de matemática que deve muito à
matemática mais rigorosa de Hipócrates de Quios em meados do século V. O
contraste entre limitador e ilimitado faz mais sentido depois da ênfase de
Parmênides ao papel do limite na primeira metade do século V. O sistema de
Filolau é, no entanto, uma evolução compreensível da reverência pela verdade
matemática encontrada no próprio esquema cosmológico de Pitágoras que está
contido nosacusmata.
Alguns
argumentam que a referência de Heródoto a Pitágoras como um homem sábio (sophistês)
e a descrição que Heráclito faz dele como um amante da pesquisa (historiê),
mostra que nas evidências antigas ele era considerado um praticante da
cosmologia jônia racional (Kahn 2002, 16-17). Entretanto, o conceito de homem
sábio no tempo de Heródoto era muito amplo, e incluia poetas e pessoas
instruídas, mas também os cosmólogos jônios; o mesmo é verdade do conceito de
pesquisador. O termohistoriê (pesquisa racional) seria mais tarde
usado para designar especificamente a investigação da natureza praticada pelos
cosmólogos pré-socráticos, mas o uso que Heródoto faz dele mostra que no tempo
de Heráclito historiê significava a pesquisa ou a investigação
em um sentido bastante geral e que não tem qualquer relação específica com a
investigação cosmológica dos pré-socráticos. Heródoto em um determinado momento
refere-se à pesquisa nas histórias das aventuras de Menelau e Helena no Egito
(II. 118). Assim a descrição de Pitágoras como um homem sábio que praticava a
pesquisa é simplesmente muito geral para ajudar na decisão sobre qual era a
visão que Heródoto e Heráclito tinham dele. É certamente verdade que a figura
retratada por Empédocles mostra que os papéis de cosmólogo racional e de mestre
religioso milagroso poderiam ser combinados em uma única
personagem, mas isto não prova que estes papéis foram combinados no caso de
Pitágoras. A única coisa que isso poderia provar, no caso de Pitágoras, seria a
evidência antiga de uma cosmologia racional e isso é precisamente o que está
faltando.
Bibliografia
Fontes
e comentários
principais
- Diels, H. and W. Kranz, 1952, Die Fragmente der
Vorsokratiker (in three volumes), 6th edition,
Dublin and Zürich: Weidmann, Volume 1, Chapter 14, 96-105 (Greek texts of
the early testimonia with translations in German. Referido como DK.).
Fontes secundárias
- Aelian, 1997, Historical Miscellany, N. G. Wilson
(ed.), Cambridge, Mass: Harvard University Press.
- Aristotle, 1984, Fragments, Jonathan Barnes and Gavin
Lawrence (trs.), in The Complete Works of Aristotle, Vol. 2,
Jonathan Barnes (ed.), Princeton: Princeton University Press, 2384-2462.
- Athenaeus, 1927, The Deipnosophists, 6 Vols., C. B. Gulick
(tr.), Cambridge, Mass.: Harvard University Press.
- Barnes, Jonathan, 1982, The Presocratic Philosophers,
London: Routledge.
- Becker, O., 1936, ‘Die Lehre von Geraden und Ungeraden im neunten
Buch der euklidischen Elemente’, Quellen und Studien zur Geschichte
der Mathematik, Astronomie und Physik, Abteilung B. 3: 533-53.
- Burkert, W., 1960, “Platon oder Pythagoras? Zum Ursprung des Wortes
‘Philosophia’”, Hermes 88: 159-77.
- —–. 1961, ‘Hellenistische Pseudopythagorica’, Philologus,
105: 16-43, 226-246.
- —–, 1972a, Lore and Science in Ancient Pythagoreanism,
E. Minar (tr.), Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1st German
edn., 1962.
- —–, 1972b, ‘Zur geistesgeschichtlichen Einordnung einiger
Pseudopythagorica’, in Pseudepigrapha I, Fondation Hardt Entretiens
XVIII, Vandoeuvres-Genève, 25-55.
- Delatte, A., 1915, Études sur la littérature
pythagoricienne, Paris: Champion.
- —–, 1922, La vie de Pythagore de
Diogène Laërce, Brussels: M. Lamertin.
- Diels, H., 1958, Doxographi Graeci,
Berlin: De Gruyter.
- Dillon, John, 1977, The Middle Platonists, Ithaca:
Cornell University Press.
- Diogenes Laertius, 1925, Lives of Eminent Philosophers,
R. D. Hicks (tr.), Cambridge, Mass.: Harvard University Press (Referred to
as D. L.).
- Festugière, A.-J., 1945, ‘Les Mémoires Pythagoriques
cités par Alexandre Polyhistor’, REG 58: 1-65.
- Fritz, Kurt von, 1940, Pythagorean Politics in Southern
Italy, New York: Columbia University Press.
- Gellius, Aulus, 1927, The Attic Nights, John C. Rolfe
(tr.), Cambridge, Mass: Harvard University Press.
- Guthrie, W. K. C., 1962, A History of Greek Philosophy,
Vol. 1, Cambridge: Cambridge University Press.
- Heath, T. L., 1921, A History of Greek Mathematics, 2
vols., Oxford: Clarendon Press.
- —–, 1956, Euclid: The Thirteen Books of the Elements,
Vol. 1, New York: Dover.
- Heinze, R., 1892, Xenokrates,
Leipzig: Teubner.
- Huffman, C. A., 1993, Philolaus of Croton: Pythagorean and
Presocratic, Cambridge: Cambridge University Press.
- —–, 1999a, ‘Limite et illimité chez les premiers philosophes
grecs’, in La Fêlure du Plaisir : Études sur le Philèbe de Platon,
Vol. II: Contextes, M. Dixsaut (ed.), Paris: Vrin, 11-31.
- —–, 1999b, ‘The Pythagorean Tradition’, in The Cambridge
Companion to Early Greek Philosophy, A. A. Long (ed.), Cambridge:
Cambridge University Press, 66-87.
- —–, 2001, ‘The Philolaic Method: The Pythagoreanism behind the Philebus’,
in Essays in Ancient Greek Philosophy VI: Before Plato, A.
Preus (ed.), Albany: State University of New York Press, 67-85.
- Iamblichus, 1991, On the Pythagorean Way of Life, John
Dillon and Jackson Hershbell (trs.), Atlanta: Scholars Press (Referred to
as VP).
- —–, 1975, De Communi Mathematica
Scientia, N. Festa (ed.), Stuttgart: Teubner.
- Inwood, Brad, 2001, The Poem of Empedocles, Toronto:
University of Toronto Press.
- Isocrates, 1945, ‘Busiris’, in Isocrates, Vol. 3, Larue
van Hook (tr.), Cambridge, Mass.: Harvard University Press.
- Kahn, C., 2001, Pythagoras and the Pythagoreans,
Indianapolis: Hackett.
- Kirk, G. S., Raven, J. E., and Schofield, M., 1983, The
Presocratic Philosophers, 2nd ed., Cambridge: Cambridge University
Press.
- Kingsley, Peter, 1995, Ancient Philosophy, Mystery and
Magic, Oxford: Clarendon Press.
- Lucian, 1913, Lucian, 7 Vols., A. M. Harmon (tr.),
Cambridge, Mass.: Harvard University Press.
- Minar, Edwin L., 1942, Early Pythagorean Politics in
Practice and Theory, Baltimore: Waverly Press.
- Mueller, I., 1997, ‘Greek arithmetic, geometry and harmonics:
Thales to Plato’, in Routledge History of Philosophy Vol. I: From
the Beginning to Plato, C. C. W. Taylor (ed.), London: Routledge,
271-322.
- Navia, L. E., 1990, Pythagoras: An Annotated Bibliography,
New York: Garland.
- Nicomachus,1926, Introduction to Arithmetic, Martin
Luther D’Ooge (tr.), Ann Arbor: University of Michigan Press.
- —–, 1989, Enchiridion (Handbook), Andrew
Barker (tr.), inGreek Musical Writings, Vol. II: Harmonic and Acoustic
Theory, Andrew Barker (ed.), Cambridge: Cambridge University Press,
245-269.
- O’Meara, D. J., 1989, Pythagoras
Revived. Mathematics and Philosophy in Late Antiquity, Oxford: Clarendon
Press.
- Philip, J. A., 1966, Pythagoras and Early Pythagoreanism,
Toronto: University of Toronto Press.
- Plutarch, 1949, Moralia, 14 Vols., Cambridge, Mass.:
Harvard University Press.
- Porphyry, 1965, The Life of Pythagoras, in Heroes
and Gods, Moses Hadas and Morton Smith (eds.), New York: Harper and
Row, 105-128.
- —–, 2003, Vie de Pythagore, Lettre à Marcella, E. des
Places (ed.), Paris: Les Belles Lettres (Greek text with French
Translation).
- Proclus, 1992, A Commentary on the First Book of Euclid’s
Elements, Glenn R. Morrow (tr.), Princeton: Princeton University
Press.
- Riedweg, Christoph, 2002, Pythagoras: Leben, Lehre,
Nachwirkung, Munich: C. H. Beck.
- Thesleff, H., 1961, An Introduction to the Pythagorean
Writings of the Hellenistic Period, Âbo: Âbo Akademi.
- —–, 1965, The Pythagorean Texts of the Hellenistic Period,
Âbo: Âbo Akademi.
- Thom, J. C., 1995, The Pythagorean ‘Golden Verses’”,
Leiden: Brill.
- Wehrli, Fritz, 1944, Dikaiarchos, Die
Schule des Aristoteles, I, Basle: Schwabe.
- —–, 1945, Aristoxenos, Die
Schule des Aristoteles, II, Basle: Schwabe.
- Zhmud, L., 1997, Wissenschaft, Philosophie und Religion im
frühen Pythagoreismus, Berlin: Akademie Verlag.
- —–, 2003, Review of Riedweg (2002), Ancient Philosophy23:
416-420.
Extraído da Stanford Encyclopedia of Philosophy
0 Comentários