UM PASSARINHO NOVO NO CÉU DAS PEQUENAS COISAS

Por André J. Gomes - Revista Bula
Manoel de Barros
E lá estavam todos eles. As formigas e os sapos, as cobras e os grilos, os ciscos e os pequenos universos que pulsam dentro das gotas d´água. Todas as criaturas pequenas que vivem debaixo das pedras e as borboletas e os pássaros, todos os pássaros trabalhando acima das árvores e brincando de andar no chão.
As rãs e os rios, as folhas pesadas de orvalho caindo dos galhos. Ficaram todos ali, à espera: um anjo simples, sem tempo nem jeito anunciara a chegada de passarinho novo ao céu das pequenas coisas.


Fez-se então no céu que é um imenso e eterno chão a maior expectativa de simplicidades. Todas as coisas e os seres desimportantes da vida estavam ali. As tartarugas caminhando no avesso dos mísseis, os insetos voando alheios aos aviões, os atrasos e os silêncios, as insignificâncias do tempo costurando suas esperanças em linhas invisíveis de quando.

O passarinho chegou ali em sua manhã quase tardinha, quase de noite. Olhou a todos com olhos de infância. Reencontrou o amigo Bernardo como na primeira vez que o reconhecera, quase árvore. Reviu os filhos João e Pedro de novo crianças, brincando de fazer nada na sombra com palavras de sol. Chegou agora e sempre.

Foi ser feliz de novo, transbordar as peneiras de água, afanar o vento e mostrar correndo aos irmãos, escrever a Gramática Expositiva do Céu. Vivo como a vida inventada por ele.

Porque no céu das pequenas coisas, morrer é só um despropósito como tantos mais, e o voo do passarinho não morre. Finda seu corpo físico, parte seu canto infinito. Ele foi adiante.

Foi-se tornar inútil e belo como sempre. Para sempre. Com os seus, vai viver de apanhar desperdícios em um quintal maior que o mundo. E o mundo, esse nosso cá aquém, fica para antes e depois. Fica para quando.


Para Manoel de Barros.

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