Por Irmão Ruy Bandeira
Aquela
Loja tinha um problema para resolver. Não era um problema inesperado. Não era
um problema que não se tivesse antecipado. Mas tinha de se resolver rapidamente
e bem.
Aquela
Loja tinha Mestres habituados a manifestar as suas opiniões com seriedade, a
ouvir as opiniões dos demais com atenção e, sobretudo, a analisar com
serenidade propostas diferentes, ou mesmo divergentes, cada um ciente de que a
posição diferente da sua não é um obstáculo a abater ou a vencer, é um
complemento a integrar, de forma a que o resultado final seja a melhor solução
viável e possível. Leia mais
Aquela
Loja, nessa noite, preferia uma solução que não se revelava viável. Procurou
então alternativas viáveis e perfilaram-se duas. Ambas possíveis. Ambas aptas a
que se atingissem os objetivos pretendidos. Escolher-se-ia uma ou outra. Mas o
problema era que não se tratava de escolher entre o bom e o mau, o certo e o
errado, o forte e o fraco. Havia que escolher entre dois bons, procurando
descortinar qual deles viria a ser melhor.
Aquela
Loja tinha uma escolha difícil a fazer. Porque entre duas boas hipóteses, não
lhe agradava preterir uma. Sobretudo isso.
Aquela
Loja fez então o que sempre soube fazer bem: cada um deu a sua opinião, expôs
prós e contras, explorou hipóteses. Sem criticar as análises efetuadas ou
hipóteses colocadas pelos que anteriormente tinham exposto os seus pontos de
vista. Ninguém queria ganhar, ninguém queria impor a sua preferência. Todos e
cada um procuravam a melhor solução.
Aquela
Loja sabia que, se nada de novo surgisse, acabaria por ter de escolher entre as
duas alternativas viáveis. Sem vencedores nem vencidos. sem azedumes.
Simplesmente uma alternativa seria escolhida e a outra preterida porque assim
teria de ser e o que tem de ser tem muita força.
Aquela
Loja, quase na hora de ter que decidir viu de repente alguém apontar uma
terceira solução. Uma solução que a desobrigava de escolher entre um bem e
outro bem. Uma solução que também era boa. Uma solução que resolvia o problema
a contento. Uma solução que estava, afinal, à vista de toda a gente, só era
preciso olhar para ela...
Aquela
Loja em menos tempo do que demoro a escrever esta frase decidiu o que tinha a
fazer. Em menos de um ai o ar ficou mais leve, as posturas descontraídas.
Alguém se encarregou de resumir o que resultara do debate e expor as várias
soluções possíveis. A tomada de decisão foi uma mera formalidade: o consenso
fora atingido. Com o contributo de todos.
Aquela
Loja resolveu em menos de uma hora um problema que era importante, porque todos
cooperaram para que surgisse a solução.
Assim, o todo pôde ser melhor e mais eficaz do que a soma das partes. A
vontade coletiva não resultou da vitória de uma vontade individual sobre outra.
A vontade coletiva surgiu e facilmente se tornou consensual porque ninguém
queria "ganhar" e todos procuravam resolver, em conjunto, um problema.
Aquela
Loja debateu o problema em sessão aberta com a presença de Aprendizes e
Companheiros. Não reservou para a Câmara do Meio o debate apenas entre os
Mestres. Porque naquela Loja não se tem receio algum em que os que mais
recentemente se lhe juntaram, os Aprendizes e Companheiros, vejam que os
Mestres têm opiniões diferentes e que não há nada de especial nisso. Há apenas
que conciliar diferenças quando se puderem conciliar, fazer escolhas quando for
necessário, encontrar alternativas que superem divergências sempre que
possível. E depois todo o grupo sente a satisfação de um trabalho bem feito, de
uma missão bem cumprida.
Aquela
Loja criou uma cultura. Uma cultura de debate sempre que o debate é preciso. De
diálogo em todas as ocasiões. De cooperação na superação de divergências ou
diferenças. Sempre abertamente, sempre frente a frente, sempre olhos nos olhos.
E, decidido o que se tem de decidir, depois brinca-se, convive-se, come-se e
bebe-se. E cada problema que é assim resolvido torna mais fácil a resolução do
problema seguinte.
Aquela
Loja procura integrar muito bem os novos elementos e portanto não lhes esconde
nada. Os novos assistem à forma como os mais antigos e experientes debatem,
escolhem, superam diferenças, cooperam, decidem, resolvem os problemas. E
quando chega a hora de cada um dos mais novos assumir a responsabilidade de
decidir, já sabe como ali se faz. Já viu, ao vivo e a cores, como cooperar é
mais profícuo do que procurar "ganhar". Como cada um pode e deve exprimir
a sua ideia, o seu sentir, em relação a todas as questões, porque todas as
opiniões são importantes e todas contribuem para a formação da decisão do
grupo. Como todos claramente ficam, a saber, em que circunstâncias cada decisão
é tomada, que pressupostos a sustentam, que razões a fundamentam.
Aquela
Loja funciona assim há mais de vinte anos. Não sabe funcionar de outra maneira.
Não quer funcionar de outra maneira. Sente-se muito bem a ser como é.
Aquela
Loja é a minha Mestre Affonso Domingues e é por ela ser como é que eu não quero
nem perspetivo alguma vez ser obreiro de outra Loja que não ela.
Irmão Rui
Bandeira
Fonte: A Partir Pedra
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